Netflix: O Poço


Escrito por Laura Aidar

O filme "El Hoyo" (traduzido para o português como "O Poço"), de 2019, dirigido por Galder Gaztelu-Urrutia, tem conquistado um grande público no Brasil e no mundo inteiro. Trata-se de uma produção original da Netflix que mistura elementos de terror e ficção científica.

O filme é muito angustiante, contendo cenas brutais que quase chegam ao horror. Uma distopia que nos leva a meditar sobre o nosso mundo atual.

Avaliado tanto de forma entusiasmada quanto inquietante pelo seu público, O Poço tem um final surpreendente e deixa diversas indagações para trás. Assista ao trailer dublado a seguir:

Cuidado: A partir desta seção, existem detalhes reveladores sobre o desfecho do filme!

Explicação do Final do Filme 'O Poço'

Começando pelo final, Goreng se encontra preso em uma prisão distópica que mantém todos seus moradores presos a um nível. Sua vida muda quando ele conhece Miharu, a única figura que quebra as regras e permite que Goreng veja além dos limites impostos.

Goreng encontrou-se com uma mulher selvagem na prisão, que buscava desesperadamente encontrar seu filho perdido no edifício. Ao tentar ajudá-la, ela retribuiu seu gesto, salvando-o das mãos assassinas de Trimagasi.

Frame: Miharu na plataforma.

Durante um longo período, o público é induzido a acreditar que a mulher está louca, e que não há nenhuma criança ali – afinal, nenhuma delas sobreviveria.

Mesmo após a morte trágica de Baharat, Goreng continua sua jornada até o fundo do Poço. Lá, ele encontra uma jovem escondida que ele segue para acudir. Trata-se da filha de Miharu, o que o impulsiona a seguir em frente em direção ao final da viagem.

Frame: final do filme.

Quando a plataforma chegou ao fundo, ele entendeu: o que precisava dizer ao topo não era uma mensagem branda, mas sim palavras de revolta sobre o que presenciou no Poço.

A menina que ele acaba de salvar é a verdadeira mensagem que pode mudar tudo. O simples fato de ela ter nascido e prosperado em um lugar de morte é um símbolo de esperança e uma possível possibilidade de transformação.

Goreng já não precisa mais ser o responsável pela mensagem, a qual fala por si só. Enquanto a plataforma se eleva, levando a garota, ele acompanha Trimagasi, pois a missão dele foi cumprida.

Depois de cumprir seu papel, o herói morreu. A chegada da menina ao topo pode ter mudado alguma coisa, mas isso é algo que nunca saberemos.

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Explorando os Temas Principais do Filme O Poço

O Poço é um filme que tem um peso e densidade consideráveis, tornando a compreensão difícil. Mas, ao mesmo tempo, deixa algumas pistas e desafios para o espectador, que precisa prestar atenção a todos os detalhes para entender o conteúdo.

A trama é simplesmente aterrorizante: Goreng, o protagonista, está preso no "Poço", uma prisão vertical com dois reclusos por andar e um enorme buraco no centro. Todos os dias, uma mesa com uma variedade de luxuosos pratos desce através do buraco, oferecendo as iguarias mais saborosas.

No nível 1, os primeiros começam a se alimentar. Em seguida, a plataforma avança para o próximo degrau; aqueles nela presentes também têm a chance de comer. Este ritual se repete incontáveis vezes, com os indivíduos sendo obrigados a se alimentar dos restos dos que estavam acima deles.

Goreng e Trimagasi comendo.

Naquele lugar, a comida é a única coisa que importa, pois é essencial para a subsistência de cada um. Interessante observar que, às vezes, alguns nomes se referem ao mundo da gastronomia. Por exemplo, "Goreng" é uma iguaria típica da Índia e "Baharat" é uma mistura de especiarias.

Acompanhando o protagonista na sua jornada pela vida, observamos diversas simbologias e críticas sociopolíticas.

Explorando a Divisão de Classes Através de Metáforas Extremas

Goreng encontra seu primeiro companheiro no Poço: Trimagasi. Esta figura idosa explica os costumes do local, salientando que cada um é responsável por si mesmo - é "comer ou ser comido".

Trimagasi comendo.

Trimagasi pegou uma faca que se afia sozinha como objeto para levar consigo, àquele local onde o homem, que havia enlouquecido devido ao mundo de consumo, aceitava tudo como se fosse natural. Ele estava pronto para agir e também a se defender, a qualquer custo.

A forma como ele trata aqueles que são menos privilegiados torna evidente que ali todos estão sozinhos e cada um luta por sua própria conta.

Comer pode ser muito fácil ou muito difícil, depende da sua classe...

A hierarquia criada parece servir para isolar os indivíduos, impedindo que eles comuniquem e colaborem uns com os outros. Como consequência, a ação organizada e coletiva é dificultada.

O filme começa mostrando o choque de realidades entre a cozinha limpa e funcional e a vida desesperadora dos moradores do Poço. As cenas iniciais contrastam o luxo da cozinha com a miséria vista no Poço.

Presenciamos lentamente como a mesa do banquete é consumida e devastada à medida que passa pelos níveis, dando-nos um exemplo da escassez de recursos criada pelo excesso de desejo de quem está no alto.

Frame: mesa no começo, cheia de comida.

A situação é tão desesperadora que elas são forçadas a cometer assassinatos e a recorrer ao canibalismo como última solução para se manterem vivas.

Após quase ser engolido por Trimagasi, Goreng acorda no nível 171. Após isso, ele é forçado a ingerir a carne do seu antigo companheiro. A sua nova parceira de nível, Imoguiri, traz uma reviravolta inesperada à narrativa.

Por 15 dias, a mulher, que trabalhou para a Administração e se voluntariou para participar da "experiência", tentou alterar o modo de funcionamento do local dividindo a refeição em porções. Ela acreditava na "solidariedade espontânea", mas seus apelos foram recebidos com risadas e insultos dos outros.

Goreng estava muito irritado e obrigou que os níveis inferiores a obedecessem à sua ordem, ameaçando espalhar fezes em todos os alimentos da plataforma, caso ela parasse no seu nível: "Solidariedade ou merda!".

Frame: Baharat e Goreng.

Ao ver a chegada de Baharat, o cenário começa a mudar. Ele acredita em Deus e está cheio de esperança de conseguir sair dali. Goreng propõe um plano para dominar a plataforma e redistribuir a comida. Baharat, então, aceita a ideia.

Unindo-se, agindo em conjunto, os prisioneiros conseguem modificar o curso dos acontecimentos e transmitir uma mensagem para aqueles no poder.

Análise da Temática e Simbologia Religiosa

Baharat não é o único personagem que fala sobre religião no filme. O longa contém diversas alusões bíblicas ao longo da trama. Por exemplo, no clímax da história, é possível ver os pecados capitais sendo encenados pelos cativos, como o homem que joga dinheiro para o alto.

Logo no início da história, Trimagasi questiona o protagonista: "Você acredita em Deus?". Mais adiante, Imoguiri deixa entrever que ele pode estar ali com uma finalidade. Após seu suicídio, Goreng visualiza (ou tem ilusão de) seu fantasma, que o aponta como "O Messias", "O Salvador" que libertará todos.

Goreng

A personagem faz uma referência ao sacrifício de Jesus citando os textos bíblicos, pedindo para que seu companheiro consumisse sua carne e bebesse o seu sangue. O prisioneiro Baharat, em companhia do protagonista, se vê em uma missão suicida, contudo, mantém suas crenças religiosas e busca a salvação.

Os níveis do Poço parecem não ser aleatórios. Por exemplo, o número 333, onde os heróis encontram uma criança, pode ser uma alusão à idade de Jesus quando Ele morreu. Além disso, essa quantidade de andares significa que haveria 666 reclusos, que é um número simbólico associado ao Diabo.

Explorando o Livro Dom Quixote

Ao ter a escolha de escolher um objeto para levar para o Poço, Goreng optou pelo famoso livro Dom Quixote de la Mancha, uma das obras mais conhecidas da língua espanhola.

O famoso personagem Quixote era apaixonado por romances de cavalaria e nutria o sonho de derrotar os vilões e deixar o mundo como deveria ser: justo. Com seus delírios e sonhos, Quixote tornou-se um símbolo que inspira todos aqueles que sonham e os loucos que acreditam em mudanças.

Quando Baharat ouviu o plano pela primeira vez, ele achou que era loucura tentar aquilo. Mas, naquele momento, a desesperança e a coragem de provar que ninguém conseguiu fazer aquilo previamente, guiou-os a realizar sua jornada.

Laura Aidar
Escrito por Laura Aidar

É arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Possui licenciatura em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formação em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.