As Obras Mais Impactantes de Hieronymus Bosch


Escrito por Carolina Marcello

Hieronymus Bosch foi um pintor holandês que se destacou no século XV por sua obra profundamente detalhada, que abordava tanto realidades fantásticas quanto religiosas. Ele foi um artista à frente de seu tempo e deixou um legado marcante para a pintura.

As obras de Bosch eram cenários provocadores e originais, com personagens bizarras, seres híbridos, figuras religiosas, animais e homens comuns. A influência de sua arte se tornou relevante para os surrealistas muitos anos depois que o holandês viveu.

Saiba que Hieronymus Bosch foi um artista renomado e veja as polêmicas obras desse grande criador de renome. Conheça suas principais telas e descubra mais sobre essa figura histórica do Renascimento.

1. Delícias Terrenas no Jardim

O jardim das delícias

Conhecida como a pintura mais complexa, intensa e enigmática do artista holandês, O Jardim das Delícias Terrenas contém várias telas em uma única tela, possuindo micro-retratos incríveis e fantásticos.

O tema principal da pintura é a criação do mundo, com foco especial no paraíso e no inferno; os três painéis apresentam elementos irracionais - enigmas excêntricos.

À esquerda, na obra, é possível visualizar um cenário idílico, similar ao da Bíblia. Nele, Adão, Eva e Deus estão em harmonia em um gramado exuberante e rodeado por animais. O local representa o prazer e o relaxamento dos corpos.

Nessa tela central, bem e mal se encontram. É uma imagem muito abarrotada, com referências simbólicas como a maçã que representa a tentação de Adão e Eva no jardim do Éden e o pavão, símbolo da vaidade. As figuras humanas e animais são mostradas em posições invertidas, sugerindo o caos do mundo.

A pintura localizada à direita, de tom sombrio e noturno, oferece uma visão aterradora do inferno. É cheia de referências à música e possui diversos seres sendo torturados e consumidos por criaturas bizarras. O fogo e o sofrimento são elementos das cenas mais aterradoras, que parecem saídas de sonhos de F. Bosch.

a figura à direita é o pintor com o chapéu vermelho e a calça comprida. Muitos críticos acreditam que a figura à direita de O Jardim das Delícias Terrenas é uma representação do próprio Bosch, pois ela possui um chapéu vermelho e uma calça comprida.

O Jardim das Delícias Terrenas conteria um autorretrato de Bosch?

o mar, a terra, as montanhas e o céu no fundo. Ao observar o Jardim das Delícias Terrenas fechado, é possível ver uma pintura que representa o terceiro dia da criação do mundo. O globo é pintado em tons de cinza, contendo somente vegetais e minerais, além do mar, da terra, das montanhas e do céu no fundo.

O Jardim das Delícias Terrenas fechado.

Em 1517, o Jardim das Delícias Terrenas foi exibido no palácio de Bruxelas. Três quartos de século depois, em 1593, foi adquirido pelo rei espanhol Filipe II, sendo pendurado no seu quarto, no Escorial. Ainda, como um dos maiores entusiastas da arte de Hieronymus Bosch, Filipe II reuniu no total nove obras do pintor holandês no seu mosteiro.

O quadro que é mais conhecido de Bosch se encontra no Museu do Prado, em Madrid, desde 1936.

2. A Santíssima Tentação de Santo Antão

As tentações de Santo Antonio

A obra de Bosch é frequentemente dividida em dois grandes grupos: a tradicional e a não tradicional. A arte tradicional estava destinada a preencher conventos, mosteiros e locais religiosos em geral. Já a não tradicional apresenta temas totalmente diversos.

As produções de Bosch retratavam monges e freiras com comportamentos repreensíveis, gerando assim um debate anticlerical. No entanto, mesmo nos quadros com componentes religiosas mais chocantes, não há a sugestão de que o artista estivesse tentando representar um culto pagão. Em seus trabalhos, Bosch critica os abusos de rituais e práticas por parte dos sacerdotes.

Na icônica obra A Tentação de Santo Antão, observamos o protagonista sendo tentado por seu passado. A solidão e os desejos cobiçados antes da mudança de vida, quando a religiosidade não fazia parte de sua rotina, surgem para seduzi-lo.

Nesta obra, o protagonista é envolvido por forças do mal e do bem. Enquanto testemunhamos o confronto entre o santo e o mal, também somos presenteados com uma mistura dos quatro elementos fundamentais do universo: céu, água, terra e fogo.

O painel de "A Tentação de Santo Antão" é um grande óleo sobre madeira de carvalho, medindo 131,5 cm de largura por 119 cm de altura no painel central, e 131,5 cm de largura por 53 cm de altura nos laterais.

Ao fechar o tríptico, A Tentação de Santo Antão exibe os dois painéis exteriores situados abaixo.

A tentação de Santo Antônio.

Desde 1910, a Tentação de Santo Antão encontra-se no Museu Nacional de Arte Antiga, depois de ter pertencido à coleção real do Palácio das Necessidades. Segundo a versão mais aceite, a tela esteve nas mãos do humanista Damião de Góis (1502-1574).

Ao ser interrogado pela Inquisição acerca de sua fé católica, Damião usou como defesa o possuir um painel de Bosch, intitulado As Tentações de Santo Antão.

3. A Remoção da Pedra da Insanidade

A cura da loucura

A Extração da Pedra da Loucura é uma obra de estilo realista, atribuída à primeira fase do pintor Hieronymus Bosch. Apesar de muitos críticos questionarem a autenticidade da obra, é provável que tenha sido pintada entre os anos de 1475 e 1480. É uma das primeiras obras do artista Holandês.

A tela possui uma cena central e ao redor está inscrita uma elaboada caligrafia com a seguinte frase: "Mestre, tira-me depressa essa pedra, meu nome é Lubber Das". Ao ser traduzida para o português, ela significa exatamente o mesmo.

O quadro retrata uma cena que reflete a era humanista do pintor, com quatro personagens em destaque. É possível ver uma cirurgia ao ar livre, em um campo deserto e verde, que tem como objetivo a remoção da pedra da loucura.

O suposto cirurgião, que muitos críticos consideram ser um charlatão, usa um funil na cabeça, como se fosse um chapéu. Bosch deve ter escolhido essa cena a fim de denunciar aqueles que se aproveitam da ingenuidade dos outros.

A Igreja é alvo de crítica aqui, pois um padre está ratificando o que acontece. A mulher carrega um livro religioso na cabeça sem demonstrar qualquer reação enquanto o camponês parece ser enganado.

Christian Loubet, um investigador de História da Arte, apresentou a seguinte descrição do quadro:

"Num microcosmo circular, um cirurgião (a ciência), um monge e uma religiosa (a religião) exploram um infeliz paciente sob o pretexto de extirpar de seu cérebro a pedra da loucura. Ele nos olha assustado enquanto a falsidade e o escárnio manifestam a verdadeira alienação dos compadres (funil, livro fechado, mesa sexuada...): é a Cura da loucura."

A paisagem, que parece ser inspirada na cidade natal de Bosch, a Catedral de São João e a planície característica da região são o cenário de fundo.

A obra de arte mais antiga de Bosch, conhecida como "Pedra da Loucura", foi preservada até os dias de hoje. O quadro foi pintado em óleo sobre madeira e mede 48 cm por 45 cm. Ele está atualmente no Museu do Prado.

4. A Volta do Filho Pródigo

" "Aplicando a Tecnologia na Educação para Maximizar o Desempenho

Os críticos consideram O Filho Pródigo como a última obra pintada por Hieronymus Bosch. Datada de 1516, ela se refere à parábola do filho pródigo descrita no Livro de Lucas, capítulo 15, versículos 11 a 32.

O filho de um homem rico queria conhecer o mundo e pediu ao seu pai uma parte da sua herança como adiantamento. Embora não concordasse, o pai cedeu ao pedido. Assim, o jovem embarcou numa jornada de aventuras e prazeres fugazes.

Ao deixar a casa de seu pai para aproveitar a vida, o jovem rapaz descobre que não possui o recurso necessário para continuar. Decidiu então voltar para pedir perdão. Ao retornar, foi recebido de braços abertos pelo pai, que o acolheu com grande festa e lhe concedeu o perdão. Com isso, o patrimônio familiar também foi restaurado.

O retorno do jovem, retratado no quadro de Bosch, é evidenciado pelo seus trajes modestos e rasgados, assim como pelas marcas de exaustão visíveis no seu corpo. A casa ao fundo, igualmente degradada, é decorada com um teto esburacado e janelas em estado de ruína.

O quadro "Filho Pródigo" com diâmetro de 0,715 é um óleo sobre madeira que se encontra no Museu do Prado, localizado em Madrid.

5. Os Sete Pecados Mortais

Os sete pecados

A obra Os sete pecados capitais, atribuída ao artista holandês Bosch, data provavelmente de 1485. O trabalho apresenta já as criaturas híbridas características de sua pintura, que se tornariam cada vez mais evidentes ao longo de sua carreira.

Monstros assustadores surgiram de modo tímido nas pinturas de Bosch ao longo dos anos. Seu trabalho mostrava um forte interesse na educação de seus espectadores, ensinando o que é certo e errado através da arte.

Nas ilustrações centrais, vemos retratos do cotidiano da vida em sociedade em ambientes domésticos. Elas representam as sete pecados capitais: gula, acídia, avareza, luxúria, inveja, vaidade e ira.

No círculo da esquerda, vemos um moribundo recebendo a extrema unção. Já no círculo ao lado, há uma ilustração do paraíso, com o céu azul e as figuras religiosas. Nota-se também, nos pés de Deus, uma representação da Terra. Essa é uma curiosidade interessante.

Na parte inferior da tela, existe um círculo esquerdo com uma representação macabra e perturbadora do inferno onde vemos seres humanos sofrendo pelos seus pecados. Os tons sombrios e soturnos aumentam o sentimento de horror e desconforto.

A imagem mostra as sete palavras: gula, acídia, soberba, avareza, inveja, ira e luxúria. Ela também inclui um retrato do Juízo Final, que está localizado no círculo inferior direito.

Existem fortes indícios de que o trabalho acima foi influenciado pela Tapeçaria de Girona, uma obra de arte cristã criada entre o século XI e XII. O quadro e a Tapeçaria têm um tema religioso semelhante e ainda uma estrutura parecida. Desde a Idade Média, a iconografia cristã tem explorado o tema dos sete pecados capitais para a difusão de conhecimento.

Tapeçaria de Girona, produzida entre o fim do séc. XI e início do séc. XII, que serviu de inspiração para o quadro Os sete pecados capitais, de Bosch.

Veja também

6. Aventuras em um Carro de Feno

O carro de feno

Provavelmente concebido em 1510, o Carro de Feno é considerado uma das mais importantes obras de Bosch, ao lado de O Jardim das Delícias Terrenas. Ambos trabalhos são trípticos e comunicam uma mensagem moral cristã. Ao analisar estas obras, o leitor não apenas à instruído, mas também alertado a evitar os pecados.

De acordo com um antigo ditado flamengo da época de Bosch, "O mundo é um carro de feno cada qual toma o que pode tirar". Isto parece ter influenciado o seu quadro.

Na parte esquerda do quadro, vemos a cena bíblica de Adão, Eva e Deus condenando-os a deixarem o paraíso. O jardim é retratado como calmo e verde, e a figura da cobra, como um ser híbrido metade homem e metade animal, vem representar a tentação a que foram submetidos.

No centro do quadro encontramos muitos homens debatendo seus vícios: cobiça, vaidade, luxúria, ira, preguiça, avareza e inveja. Ao seu redor, todos se revezam na prática de um esforço desigual: a luta pelo feno. Esta competição é a causa de numerosas discórdias, contendas e até mesmo assassinatos.

À direita da obra, o inferno é retratado com criaturas diabólicas, um incêndio ao fundo, uma construção possivelmente destruída e pecadores sofrendo punição por parte do Diabo.

O Museu do Prado, em Madrid, possui o Carro de Feno entre seus itens de acervo permanente.

Explore a Vida de Hieronymus Bosch

Jheronimus van Aken, nascido por volta de 1450-1455, na província holandesa do Brabante Setentrional, adotou o pseudônimo de Hieronymus Bosch. Sua afinidade pela pintura era de família: Bosch era filho, irmão, sobrinho, neto e bisneto de pintores.

Inicialmente, Hieronymus Bosch trabalhou como pintor e gravador ao lado de alguns familiares, usando o mesmo atelier. A família do artista tinha ligações profundas com as autoridades religiosas da região e vivia em meio a conforto.

A Catedral de São João, um dos principais pontos de destaque da região, teve diversas obras de arte solicitadas à família do pintor. Se acredita que o pai de Bosch pintou um afresco na igreja em 1444.

Retrato de Bosch.

O artista batizou-se de Bosch em homenagem a sua cidade natal, 's-Hertogenbosch, cujo nome informal é Den Bosch.

Em 1478, o artista se casou com Aleyt Goijaert van den Mervenne, uma jovem rica de uma família de mercadores de Oirschot. O casamento deu a Bosch a estrutura necessária para se dedicar à pintura, além de lhe proporcionar inúmeros contatos importantes. Apesar de terem ficado juntos até o fim de suas vidas, o casal não teve filhos.

Embora existam poucos registros sobre a vida pessoal do pintor holandês, sabemos que ele se casou com Aleyt. Diferentemente da maioria dos artistas, Bosch não possuía diários, cartas ou documentos que nos fornecessem informações a respeito de seu mundo íntimo.

Entre o término da Idade Média e o início do Renascimento, o trabalho foi realizado ao final do século XV e começo do século XVI.

Durante o século XVI, a Europa apresentava um grande turbilhão cultural, e Bosch já se destacava por sua fama tanto dentro quanto fora de seu país natal, conquistando especialmente a admiração de espanhóis, austríacos e italianos.

Em 1567, o historiador Florentino Guicciardini citava o trabalho do pintor holandês.

"Jerome Bosch de Boisleduc, muito nobre e admirável inventor de coisas fantásticas e bizarras..."

17 anos após, o intelectual Lomazzo, autor do Tratado de pintura, escultura e arquitetura, expressou:

"o Flamengo Girolamo Bosch, que na representação de aparências estranhas e temerosos e horríficos sonhos, era único e verdadeiramente divino."

Retrato de Bosch.

O pintor, cujas obras apresentam figuras psicodélicas, demoníacas ou fantásticas, teve a influência da Irmandade de Nossa Senhora, a qual seu pai, Antonius van Aken, era um conselheiro artístico. Além disso, ele também reproduziu passagens bíblicas em suas criações.

"mestre nos quadros de demônios, e nas pinturas de bestas malignas e de diabos". Aos 14 ou 15 anos, Bosch juntou-se a seu pai e esposa e entrou na confraria cristã que venerava a Virgem Maria. Curiosamente, Bosch sentiu certa inclinação por pintar seres demoníacos. Em 1567, o holandês Mark van Vaernewijc notou as características únicas de Bosch, como seu talento ao pintar demônios, bestas malignas e diabos.

"o fazedor de demônios, visto ele não ter rival na arte de pintar demônios."

Filipe II, rei espanhol, era um grande apreciador da pintura de Bosch. O monarca tinha cerca de trinta e seis obras deste artista em sua coleção privada, o que, considerando que Bosch produziu menos de quarenta telas, é espantoso. Assim, Filipe II se tornou um dos maiores propagadores da arte de Bosch.

O estilo de Bosch difere dos demais quadros produzidos na época. Seabra Carvalho, o responsável pelo Museu Nacional de Arte Antiga de Lisboa, que conta com a tela A tentação de Santo Antão, afirmou em entrevista que a arte do pintor holandês se destaca.

“Esta é uma pintura profundamente moralista. Considerar Bosch um outsider é um erro: é-o apenas no sentido artístico. Ele pinta o que os outros pintam, apenas de outra maneira. Podemos dizer que o que lá está é delirante, mas faz parte do imaginário da sua época.”

O pintor faleceu no dia 9 de agosto de 1516 na cidade de Hertogenbosch, situada na Holanda.

Bosch e a Arte Surrealista

Muitos o consideravam herético, e Bosch produziu obras consideradas como bizarras, fantásticas e até mesmo maniacais para os padrões da época.

As obras de Bosch frequentemente eram desconectadas do mundo real, exageradas ou sugerindo outras dimensões. Isso acabou gerando controvérsia entre os seus contemporâneos.

“os surrealistas acreditavam que Bosch fora o primeiro artista ‘moderno’. Salvador Dalí estudava os trabalhos de Bosch e o reconhecia como seu predecessor.”

Carolina Marcello
Escrito por Carolina Marcello

Formou-se em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e possui mestrado em Estudos Literários, Culturais e Interartes pela mesma instituição. Durante os estudos universitários, foi co-fundadora do Grupo de Estudos Lusófonos da faculdade e uma das editoras da revista da mesma, que se dedica às literaturas de língua portuguesa.