Análise dos 20 Melhores Poemas de Florbela Espanca


Escrito por Carolina Marcello

Florbela Espanca é considerada um dos maiores nomes da literatura portuguesa. Nascida em 1894 e falecida em 1930, ela é um dos maiores exemplos de poesia portuguesa.

Compondo versos de amor, de elogio e de desespero, Florbela passeou nas formas fixa e livre e desenvolveu poemas sobre temáticas distintas. Dessa forma, ela conseguiu expressar diversos sentimentos.

Veja os vinte maiores poemas da autora.

1. A Perigosa Face do Fanatismo

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida

Meus olhos andam cegos de te ver!

Não és sequer a razão do meu viver,

Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...

Passo no mundo, meu Amor, a ler

No misterioso livro do teu ser

A mesma história tantas vezes lida!

"Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."

Quando me dizem isto, toda a graça

Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:

"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,

Que tu és como Deus: Princípio e Fim!..."

O título do poema "Fanatismo" alude a um afeto cego e excessivo que arrebata o eu-lírico, revelando sua profunda paixão.

Ele reconhece que há aqueles que insistem que os sentimentos são voláteis e efêmeros, mas destaca que o seu amor não se encaixa nessa definição, pois é intemporal.

Ainda nos dias de hoje, a obra de Florbela Espanca nos é muito próxima. Seu soneto, composto no início do século XIX, segue sendo contemporâneo, pois consegue retratar o nosso sentir quando nos encontramos profundamente apaixonados, mesmo estando em um cenário bem diferente do vivido pela escritora.

2. Eu Sou Eu

Eu sou a que no mundo anda perdida,

Eu sou a que na vida não tem norte,

Sou a irmã do Sonho, e desta sorte

Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa ténue e esvaecida,

E que o destino amargo, triste e forte,

Impele brutalmente para a morte!

Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...

Sou a que chamam triste sem o ser...

Sou a que chora sem saber por quê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,

Alguém que veio ao mundo pra me ver

E que nunca na vida me encontrou!

O sujeito poético faz uma tentativa nos versos acima de descobrir a sua identidade e encontrar o seu lugar no mundo.

O eu-lírico busca incessantemente por definições ainda distantes e abstratas. No entanto, o poema tem um tom triste, que evoca a solidão abissal, sugerindo que o indivíduo se sente excluído.

Os versos trazem consigo uma atmosfera de tristeza e angústia, que parece pairar no ar. Uma sensação de que o futuro é preocupante e incerto.

3. Nevoeiro na Torre

Subi ao alto, à minha Torre esguia,

Feita de fumo, névoas e luar,

E pus-me, comovida, a conversar

Com os poetas mortos, todo o dia.

Contei-lhes os meus sonhos, a alegria

Dos versos que são meus, do meu sonhar,

E todos os poetas, a chorar,

Responderam-me então: “Que fantasia,

Criança doida e crente! Nós também

Tivemos ilusões, como ninguém,

E tudo nos fugiu, tudo morreu!...”

Calaram-se os poetas, tristemente...

E é desde então que eu choro amargamente

Na minha Torre esguia junto ao Céu!...

O eu-lírico, que é parte de uma classe que foi estabelecida há muito tempo, busca orientação nos escritores do passado, os mortos, para entender melhor seus desejos e planos.

Seus antecessores identificam-se com os ideais do jovem poeta, mas apontam para o futuro, revelando o que foi feito dos projetos iniciais.

Ao término do soneto, o eu-lírico finalmente se descobre como um indivíduo só, amargo, que vive abandonado e não compreendido dentro de uma torre metafórica.

4. A Vaidade Humana

Sonho que sou a Poetisa eleita,

Aquela que diz tudo e tudo sabe,

Que tem a inspiração pura e perfeita,

Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade

Para encher todo o mundo! E que deleita

Mesmo aqueles que morrem de saudade!

Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo...

Aquela de saber vasto e profundo,

Aos pés de quem a terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,

E quando mais no alto ando voando,

Acordo do meu sonho... E não sou nada!...

O sujeito poético parece fazer um elogio a si mesmo nos versos acima, o que mostra autovalorização.

No início, o eu-lírico aparece como um poeta orgulhoso de suas obras; contudo, nas últimas estrofes, esse orgulho é questionado.

Nos últimos três versos, se torna claro que tudo era fruto de uma fantasia, e que o poeta é mais propenso a sonhar do que a ter certeza de si mesmo.

5. Enfrentando a Dor

A minha Dor é um convento ideal

Cheio de claustros, sombras, arcarias,

Aonde a pedra em convulsões sombrias

Tem linhas dum requinte escultural.

Os sinos têm dobres de agonias

Ao gemer, comovidos, o seu mal...

E todos têm sons de funeral

Ao bater horas, no correr dos dias...

A minha Dor é um convento. Há lírios

Dum roxo macerado de martírios,

Tão belos como nunca os viu alguém!

Nesse triste convento aonde eu moro,

Noites e dias rezo e grito e choro!

E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém...

Os versos de Florbela Espanca retratam a dor e o sentimento de solidão de maneira sombria. Seu estilo poético elogia essas duas condições.

Utilizando a metáfora da arquitetura, o sujeito poético representa seu drama. O contexto cristão é evocado através do uso de sonos e de um clima religioso.

A figura do convento lembra um cenário perturbador e extremamente sombrio, no qual o protagonista experimenta a intensa solidão de estar sozinho.

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6. Lágrimas Escondidas

Se me ponho a cismar em outras eras

Em que ri e cantei, em que era querida,

Parece-me que foi noutras esferas,

Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida,

Que dantes tinha o rir das Primaveras,

Esbate as linhas graves e severas

E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...

Toma a brandura plácida dum lago

O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,

Ninguém as vê brotar dentro da alma!

Ninguém as vê cair dentro de mim!

Em Lágrimas ocultas, há um contraste bem evidente entre o que já foi e o que é hoje: um passado permeado de alegria (os risos da primavera) vs. tristezas presentes.

O sujeito poético olha para o passado, tentando entender o que o levou à condição de depressão e isolamento tão comum entre os poetas de que Florbela fazia parte.

7. A Neurastenia

Sinto hoje a alma cheia de tristeza!

Um sino dobra em mim Ave-Marias!

Lá fora, a chuva, brancas mãos esguias,

Faz na vidraça rendas de Veneza...

O vento desgrenhado, chora e reza

Por alma dos que estão nas agonias!

E flocos de neve, aves brancas, frias,

Batem as asas pela Natureza...

Chuva... tenho tristeza! Mas por quê?!

Vento... tenho saudades! Mas de quê?!

Ó neve que destino triste o nosso!

Ó chuva! Ó vento! Ó neve! Que tortura!

Gritem ao mundo inteiro esta amargura,

Digam isto que sinto que eu não posso!!...

O poema intitulado Neurastenia faz alusão a uma forma de neurose que apresenta sintomas semelhantes aos da depressão. O narrador reflete essa realidade ao descrever sentimentos típicos desses transtornos, como tristeza, saudade, amargura e desconhecimento de suas origens e destino.

O estado de espírito do poeta é sintetizado pelo tempo externo (chuva, vento, neve).

No final do poema, é sugerida a libertação das emoções, a partilha dos sentimentos com o mundo e o reconhecimento do desafio de seguir adiante.

8. A Crueldade da Tortura

Tirar dentro do peito a Emoção,

A lúcida Verdade, o Sentimento!

- E ser, depois de vir do coração,

Um punhado de cinza esparso ao vento!...

Sonhar um verso de alto pensamento,

E puro como um ritmo de oração!

- E ser, depois de vir do coração,

O pó, o nada, o sonho dum momento!...

São assim ocos, rudes, os meus versos:

Rimas perdidas, vendavais dispersos,

Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,

O verso altivo e forte, estranho e duro,

Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!

O sujeito lírico em Tortura sente-se perdido ao lidar com seus sentimentos e está profundamente abatido. Está totalmente desamparado com a carga de dor e tristeza que carrega consigo.

O tormento do poeta é compartilhado com o leitor, pois este pode vislumbrar as lutas inerentes à criação de versos. Mesmo assim, ao longo desses desafios, o autor nunca desiste de escrever.

O poeta aqui menospreza seus próprios versos, mas ambiciona uma poesia 'altiva e forte'.

9. Morte do Amor

O nosso amor morreu... Quem o diria!

Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta.

Ceguinha de te ver, sem ver a conta

Do tempo que passava, que fugia!

Bem estava a sentir que ele morria...

E outro clarão, ao longe, já desponta!

Um engano que morre... e logo aponta

A luz doutra miragem fugidia...

Eu bem sei, meu Amor, que pra viver

São precisos amores, pra morrer

E são precisos sonhos pra partir.

Eu bem sei, meu Amor, que era preciso

Fazer do amor que parte o claro riso

Doutro amor impossível que há de vir!

Ao contrário de muitos poetas, Florbela escolheu compor um poema sobre o fim de um amor, ao invés de dedicar seus versos ao amor que está começando ou se desenvolvendo.

O término da relação a dois veio de forma inesperada para o casal, sem que eles percebessem. Porém, a abordagem é aceita e o eu-lírico entende que não existe apenas um amor verdadeiro a ser encontrado. O futuro promete um novo amor, igualmente apaixonante.

10. Um Olhar Sobre as Árvores do Alentejo

Horas mortas... Curvada aos pés do Monte

A planície é um brasido... e, torturadas,

As árvores sangrentas, revoltadas,

Gritam a Deus a bênção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol posponte

A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,

Esfíngicas, recortam desgrenhadas

Os trágicos perfis no horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,

Almas iguais à minha, almas que imploram

Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:

- Também ando a gritar, morta de sede,

Pedindo a Deus a minha gota de água!

A região do Alentejo, localizada no centro/sul de Portugal, é homenageada por meio do poema de Florbela Espanca.

Os versos intitulados "Da Zona" trazem um elogio à beleza rural, às árvores e à topologia campestre da região. O eu-lírico se entrega a essa paisagem encantadora, ressaltando sua beleza natural.

A planície alentejana é referida como tendo um clima quente, e o sujeito poético desse relato possui uma capacidade de se identificar com a paisagem que ele descreve.

11. A Minha Responsabilidade

Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem

Quem sou?! Um fogo-fátuo, uma miragem...

Sou um reflexo... um canto de paisagem

Ou apenas cenário! Um vaivém...

Como a sorte: hoje aqui, depois além!

Sei lá quem Sou?! Sei lá! Sou a roupagem

Dum doido que partiu numa romagem

E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!...

Sou um verme que um dia quis ser astro...

Uma estátua truncada de alabastro...

Uma chaga sangrenta do Senhor...

Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,

Num mundo de vaidades e pecados,

Sou mais um mau, sou mais um pecador...

Uma linguagem coloquial e um tom descontraído nos mostram um eu-lírico perdido, mas ansioso por achar-se.

O sujeito poético apresentado aqui possui diversas facetas e se assemelha aos heterônimos de Fernando Pessoa, que buscavam uma identidade única e completa.

Em Minha culpa, a Florbela nos revela um eu-lírico que se apresenta com várias facetas e se vê de forma negativa. Dessa forma, podemos observar a dispersão desse eu-lírico.

12. Amizade

Deixa-me ser a tua amiga, Amor;

A tua amiga só, já que não queres

Que pelo teu amor seja a melhor

A mais triste de todas as mulheres.

Que só, de ti, me venha mágoa e dor

O que me importa a mim?! O que quiseres

É sempre um sonho bom! Seja o que for,

Bendito sejas tu por mo dizeres!

Beija-me as mãos, Amor, devagarinho...

Como se os dois nascêssemos irmãos,

Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho...

Beija-mas bem!... Que fantasia louca

Guardar assim, fechados, nestas mãos

Os beijos que sonhei pra minha boca!...

"Amiga" é um poema que fala sobre um sentimento de amor não correspondido. Ele expressa apaixonadamente a frustração de querer ter um relacionamento de afeto que não é retribuído.

Embora o objeto do desejo não devolvesse o amor, o eu-lírico queria estar por perto, mesmo que apenas como uma amizade.

Apesar da dor que a proximidade pode trazer, o sujeito poético mantém a esperança de que o seu carinho possa evoluir para um amor romântico e, por isso, decide ocupar esse lugar.

13. Silêncio Emergente

Amo as pedras, os astros e o luar

Que beija as ervas do atalho escuro,

Amo as águas de anil e o doce olhar

Dos animais, divinamente puro.

Amo a hera que entende a voz do muro,

E dos sapos, o brando tilintar

De cristais que se afagam devagar,

E da minha charneca o rosto duro.

Amo todos os sonhos que se calam

De corações que sentem e não falam,

Tudo o que é Infinito e pequenino!

Asa que nos protege a todos nós!

Soluço imenso, eterno, que é a voz

Do nosso grande e mísero Destino!...

Apoemea cima é uma homenagem à vida e às pequenas coisas que com frequência passam despercebidas na nossa rotina.

O eu-lírico expressa o seu amor não por um parceiro, mas pela maravilhosa paisagem que o circunda diariamente: pedras, plantas, animais que cruzam seu caminho ("Tudo o que é Infinito e pequenino").

Em Voz que se cala, Florbela expressa uma espécie de agradecimento ao universo e admiração diante da beleza das coisas pequenas que nos cercam. É diferente dos poemas que ela normalmente escreve.

14. Olhos Teus

Olhos do meu Amor! Infantes loiros

Que trazem os meus presos, endoidados!

Neles deixei, um dia, os meus tesoiros:

Meus anéis. minhas rendas, meus brocados.

Neles ficaram meus palácios moiros,

Meus carros de combate, destroçados,

Os meus diamantes, todos os meus oiros

Que trouxe de Além-Mundos ignorados!

Olhos do meu Amor! Fontes... cisternas..

Enigmáticas campas medievais...

Jardins de Espanha... catedrais eternas...

Berço vinde do céu à minha porta...

Ó meu leite de núpcias irreais!...

Meu sumptuoso túmulo de morta!...

É um não querer mais que bem querer; (Camões)

Nesta introdução inicial do poema Teus olhos, o amor idealizado é apresentado como o tema central. A obra é dividida em vários atos, abordando a idealização do amor.

No início dos versos, a descrição física dos olhos do amado é evidenciada, e uma forte componente imagética é empregada para colocar o leitor no sonho e na poesia.

A lírica de Luís de Camões, considerado o pai da literatura portuguesa, está presente de forma latente no poema de Florbela Espanca, exibindo um universo imagético similar ao cantado por ele. É como se a obra de Camões tivesse contaminado de certa maneira a poesia de Florbela.

15. Um Sonho Inalcançável

Minha alma ardente é uma fogueira acesa,

É um brasido enorme a crepitar!

Ânsia de procurar sem encontrar

A chama onde queimar uma incerteza!

Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesa

É nada ser perfeito! É deslumbrar

A noite tormentosa até cegar

E tudo ser em vão! Deus, que tristeza!...

Aos meus irmãos na dor já disse tudo

E não me compreenderam!... Vão e mudo

Foi tudo o que entendi e o que pressinto...

Mas se eu pudesse, a mágoa que em mim chora.

Contar, não a chorava como agora,

Irmãos, não a sentia como a sinto!...

Nos seus versos, Florbela expressa o sentimento humano tão comum de desamparo e desorientação.

O eu-lírico, que se encontra amargurado e sozinho, não consegue revelar a sua dor nem encontrar uma solução. Um clima sombrio e intenso permeia o relato.

Versos tristes e lamentosos, marcados pela falta de compreensão.

16. Sonhos Inconsistentes

Eu queria ser o Mar de altivo porte

Que ri e canta, a vastidão imensa!

Eu queria ser a pedra que não pensa,

A pedra do caminho, rude e forte!

Eu queria ser o sol, a luz imensa,

O bem do que é humilde e não tem sorte!

Eu queria ser a árvore tosca e densa

Que ri do mundo vão e até da morte!

Mas o Mar também chora de tristeza...

As Árvores também, como quem reza,

Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!

E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia,

Tem lágrimas de sangue na agonia!

E as Pedras... essas... pisa-as toda a gente!...

O mar tem grande importância para muitos escritores portugueses, incluindo Florbela Espanca. O tema aparece frequentemente em seu trabalho e é notado especialmente em Desejos vãos, onde é usado como ponto de partida e elemento central. Ele guia o poema e dá o tom.

O eu-lírico deseja ardentemente algo que parece inalcançável: liberdade e a sensação de plenitude que é comparada às manifestações da natureza.

O sujeito poético compara a sua condição desejada, inatingível, com elementos da natureza, como o mar, as pedras, as árvores e o sol.

17. Reza de Joelhos

Bendita seja a mãe que te gerou!

Bendito o leite que te fez crescer!

Bendito o berço aonde te embalou

A tua ama pra te adormecer!

Bendito seja o brilho do luar

Da noite em que nasceste tão suave,

Que deu essa candura ao teu olhar

E à tua voz esse gorjeio de ave!

Benditos sejam todos que te amarem!

Os que em volta de ti ajoelharem

Numa grande paixão, fervente, louca!

E se mais que eu, um dia te quiser

Alguém, bendita seja essa mulher,

Bendito seja o beijo dessa boca!

Nesta oração de joelhos, celebramos a existência do sujeito que amamos. Em forma de louvor, elevamos nossa voz para agradecermos a ele.

O eu-lírico expressa sua gratidão ao parceiro e a todos aqueles que contribuíram para a formação desta pessoa amada ou que cruzaram seu caminho. Seu entusiasmo é evidente.

O poema termina com um gesto extremamente generoso, pois o eu-lírico deseja que outra mulher também tenha a experiência de amar e de ser amada. Ao invés de ser egoísta com seu amor, ele deseja que esse sentimento se espalhe e se concretize no beijo entre as duas pessoas.

18. Para que propósito?

Tudo é vaidade neste mundo vão...

Tudo é tristeza, tudo é pó, é nada!

E mal desponta em nós a madrugada,

Vem logo a noite encher o coração!

Até o amor nos mente, essa canção

Que o nosso peito ri à gargalhada,

Flor que é nascida e logo desfolhada,

Pétalas que se pisam pelo chão!...

Beijos de amor! Pra quê?!... Tristes vaidades!

Sonhos que logo são realidades,

Que nos deixam a alma como morta!

Só neles acredita quem é louca!

Beijos de amor que vão de boca em boca,

Como pobres que vão de porta em porta!...

O poema Para quê?! reflete um sentimento de desânimo, cansaço e frustração. O eu-lírico experimenta desesperança em relação às emoções positivas que a vida oferece e não encontra mais satisfação no cotidiano.

Os versos em questão são típicos da poesia de Florbela, evidenciando sua depressão e um tom mais escuro.

O sujeito poético expressa abatimento e exaustão ao afirmar que tudo é temporário e passageiro.

19. A Tragédia que Me Atingiu

Tenho ódio à luz e raiva à claridade

Do sol, alegre, quente, na subida.

Parece que a minha alma é perseguida

Por um carrasco cheio de maldade!

Ó minha vã, inútil mocidade,

Trazes-me embriagada, entontecida!...

Duns beijos que me deste noutra vida,

Trago em meus lábios roxos, a saudade!...

Eu não gosto do sol, eu tenho medo

Que me leiam nos olhos o segredo

De não amar ninguém, de ser assim!

Gosto da Noite imensa, triste, preta,

Como esta estranha e doida borboleta

Que eu sinto sempre a voltejar em mim!...

O eu-lírico se apresenta desanimado, com um ar pesado, carregando consigo uma tragédia que evoca um espírito sombrio e deprimido.

O soneto reflete a convicção de que a vida é vã, inútil e sem sentido, e que o medo e a solidão são sentimentos que invadem a vida de quem o escreveu.

O poema reflete a biografia da escritora, provavelmente marcada por rejeição, solidão e crises nervosas, que culminaram no trágico suicídio aos 35 anos de idade.

20. Uma Idosa

Se os que me viram já cheia de graça

Olharem bem de frente para mim,

Talvez, cheios de dor, digam assim:

“Já ela é velha! Como o tempo passa!...”

Não sei rir e cantar por mais que faça!

Ó minhas mãos talhadas em marfim,

Deixem esse fio de oiro que esvoaça!

Deixem correr a vida até o fim!

Tenho vinte e três anos! Sou velhinha!

Tenho cabelos brancos e sou crente...

Já murmuro orações... falo sozinha...

E o bando cor-de-rosa dos carinhos

Que tu me fazes, olho-os indulgente,

Como se fosse um bando de netinhos...

O título do soneto pode levar o leitor a acreditar que trata-se de uma mulher de idade avançada, contudo, logo na sequência dos versos, nota-se que a personagem tem apenas 23 anos. Esta mudança surpreende o leitor, causando um efeito curioso.

Parece que a idade não é medida com um número, mas sim com um estado de espírito. Observa-se isto aqui.

A jovem criatura poética se reconhece na figura da Velhinha, tanto nas características físicas (cabelos brancos) quanto nos gestos (murmurando orações, falando sozinha).

A Vida de Florbela Espanca

No dia 8 de dezembro de 1894, Florbela da Alma da Conceição nasceu na cidade de Vila Viçosa, localizada no Alentejo. Tornou-se um ícone da literatura portuguesa, especialmente reconhecida por seus poéticos sonetos.

Aos sete anos, ela começou a compor poemas. Após a morte de sua mãe, em 1908, Florbela Espanca foi criada pela família de seu pai: João Maria, sua madrasta Mariana e seu meio-irmão Apeles.

Ainda criança, foram percebidos os primeiros sinais de neurose.

Florbela Espanca

No ano de 1919, o primeiro trabalho de Luandino Vieira foi publicado sob o título de 'Livro de Mágoas'.

A feminista se divorciou de seu marido, Alberto, em 1921 e depois se mudou com um oficial de artilharia, Antônio Guimarães. Após a separação, ela se casou com o médico Mário Laje em 1925.

No dia 8 de dezembro de 1930, o falecimento prematuro ocorreu quando ele tirou a própria vida usando barbitúricos, seu 36° aniversário.

Carolina Marcello
Escrito por Carolina Marcello

Formou-se em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e possui mestrado em Estudos Literários, Culturais e Interartes pela mesma instituição. Durante os estudos universitários, foi co-fundadora do Grupo de Estudos Lusófonos da faculdade e uma das editoras da revista da mesma, que se dedica às literaturas de língua portuguesa.