Fernanda Young: 8 Poemas Incríveis


Escrito por Laura Aidar

A voz literária de Fernanda Young (1970-2019) está entre as mais preciosas da literatura contemporânea brasileira. Seus versos são poderosos, feministas e visceralmente evocativos.

Descubra os oito poemas que não pode perder!

1. Submissão de Votos

Caso você queira posso passar seu terno, aquele que você não usa por estar amarrotado.

Costuro as suas meias para o longo inverno...

Use capa de chuva, não quero ter você molhado.

Se de noite fizer aquele tão esperado frio poderei cobrir-lhe com o meu corpo inteiro.

E verás como minha a minha pele de algodão macio, agora quente, será fresca quando janeiro.

Nos meses de outono eu varro a sua varanda, para deitarmos debaixo de todos os planetas.

O meu cheiro te acolherá com toques de lavanda - Em mim há outras mulheres e algumas ninfetas - Depois plantarei para ti margaridas da primavera e aí no meu corpo somente você e leves vestidos, para serem tirados pelo total desejo de quimera.

Os meus desejos irei ver nos teus olhos refletidos.

Mas quando for a hora de me calar e ir embora sei que, sofrendo, deixarei você longe de mim.

Não me envergonharia de pedir ao seu amor esmola, mas não quero que o meu verão resseque o seu jardim.

(Nem vou deixar - mesmo querendo - nenhuma fotografia.

Só o frio, os planetas, as ninfetas e toda a minha poesia).

Votos de submissão, de Fernanda Young, é notável entre seus textos e compreensívelmente um dos maiores sucessos. O poema toca no coração do leitor ao abordar um sentimento tão comum: o amor, através de cenas cotidianas (passar o terno, varrer a varanda, vestir meias...).

O eu-lírico se dirige ao seu amor com uma declaração de devoção fervorosa. Está claramente profundamente apaixonado, mas não tão cegamente a ponto de não perceber o seu próprio limite na relação.

A obra de Young é fascinante, pois se inicia com uma dedicação completa ao amado e termina numa despedida misteriosa, refletindo o entusiasmo inicial do amor e o ócio deixado quando o sentimento termina.

Ouça o poema sendo declamado.

2. A Falta de um Título

Estou por um triz. De novo.

Parece, de fato, encenação.

Creio até que seja mentira

essa minha cara com esses olhos caídos.

Aprendi tal

olhar, lendo os poemas de

alguns, ou são os remédios.

Eu vinha crente que não mais

precisava disso. Disso: caneta,

papel, calmante e pijama.

Dancei muitas músicas e ri

de mim mesma. Aquela que

se repete. Eu. Eu mesma:

corpo e a cabeça cheia de

cabelos.

Meu cérebro está empapado,

do tamanho de uma barata.

No poema "Dores do amor romântico", publicado em 2005, encontramos um eu-lírico desesperado, sem chão, a beira de um abismo. Esta criação, assim como diversas outras da mesma publicação, começa com os versos: "Não sei dizer onde estou,/ Não sei de onde vim./ Mas sinto que, de algum modo,/ Estou perdido no meu caminho".

Nervosismo, ansiedade, inquietude, exaustão - esses são alguns dos estados em que se encontra o sujeito poético. Enfraquecido, ele busca consolo na poesia e nos remédios, porém permanece entorpecido, descrito pelo uso de um pijama e de uma medicação.

A escrita surge como uma forma de expressar a identidade de um sujeito que se move em um contexto sombrio. É uma maneira de estar presente mesmo nas circunstâncias mais adversas.

3. Novo começo

A lente do amor grudou na retina e trouxe a realidade

para a paixão.

Agora, nela, veem-se poros abertos, veias desconcertantes

e azuis ao lado das narinas, que inspiram e expiram

o cansaço enfisêmico dos pulmões que já inflaram de

êxtase e susto,

espera e dor.

como é engraçada a miopia dos amantes histéricos. (...)

Como é engraçada a verdade que ninguém quer ouvir.

Neste poema de Dores do amor romântico, temos a figura de um sujeito outra vez profundamente apaixonado.

Neste poema de amor é possível notar uma abordagem não-convencional, centrada em aspectos físicos do corpo. O vocabulário usado é relacionado à anatomia e o tangível, descrevendo a retina, os poros, as narinas e os pulmões. A temática da obra busca aproximar-se do âmbito corpóreo, dando ênfase aos afetos como nunca antes visto.

O eu-lírico está pulsando com energia, cheio de emoção, como se fosse uma fotografia viva que captura as respostas que o sentimento provoca.

4. Um Novo Começo

Ninguém quer confissões aqui.

Nem reminiscências.

É apenas uma questão de manter

o foco.

Por isso esse formato, essa falsa

elaboração.

Se alguém aqui quisesse ser realmente

bom,

contaria as sílabas de um soneto

perfeito,

mas não é o caso. Nem é o caso, aqui,

em meio a toda essa confusão, ser ela

uma mulher prestes a chorar ou não.

Não!

Taí uma coisa que não vai interessar

você. Ninguém quer confissões

aqui.

O poema de Fernanda Young aborda o tema do amor e do fazer literário. Estas duas questões têm um lugar importante na poética da autora e são representadas de maneira sintética nos versos iniciais.

O eu-lírico reflete sobre sua habilidade como criador de versos e se pergunta qual é a expectativa do leitor ao ler esses versos. Ele conclui que, na verdade, não tem as qualificações necessárias para cumprir com a missão. O poema começa com isso.

Ao escrever, o sujeito poético busca abafar o que é pessoal e dar o destaque à lírica. Esta tentativa de ocultar a condição presente de uma mulher pronta para chorar visa proporcionar maior espaço para a dissertação da composição da escrita.

5. Eu Sou Eu

Eu bordo o labirinto quente das minhas veias.

Repito as palavras como mantras, nas voltas que a agulha faz.

Por vezes me furo e não o pano, gosto de levar esse susto.

É a digital de sangue que deixo ali: minhas lágrimas, cervejas, rompantes.

Se me revelo expondo as fraquezas, confusão, raiva.

Não me constranjo.

Há muito cansei de

Desculpar-me.

Sou essa, e aceito não ser querida.

Se me arrependo de algo,

Digo aqui e bordarei:

Foi ter saído de mim,

Para deixar alguns entrarem.

Sou essa é um poema cheio de imagens belas e marcantes. Aqui, o eu-lírico explora a sua própria identidade e busca a compreensão de seus medos e ansiedades.

Ele se vê obrigado a aceitar seu eu, abraçando todos os seus sentimentos conflitantes e as inúmeras complicações emocionais. Subitos ataques, tristezas e euforias parecem fazer parte da sua condição humana.

A costura é usada como metáfora para ilustrar os diferentes momentos na jornada do sujeito poético. Esta imagem percorre todo o poema, revelando os desafios e as realizações do protagonista.

6. Um Novo Começo

Sou uma casa completa.

Tenho recantos em minhas

Dobras, lareira e um belo

Jardim de tulipas negras.

Também sou uma caravela

Que corre ruidosa e

Escorregadia sobre os oceanos

Que conduzem a novos

Continentes.

E uma caneta macia de um

Garçom orgulhoso; ele gosta

De ouvir: - Que caneta boa!

Quando assinam a conta.

Posso ser os elásticos de

Pompom nas chiquinhas de

Uma menina que chora,

Chata, no pátio ao lado.

A identidade é o tema central abordado no poema. O sujeito poético inicialmente usa a metáfora da casa para se aprofundar em si mesmo e descobrir quem realmente é.

Logo a seguir, ele se vale de outras metáforas para descobrir quem realmente é: a caravela sobre o oceano, os elásticos de cabelo da menina irritante do pátio.

O eu-lírico desta obra evidencia a complexa dimensão humana, pois é multifacetado e fluído, podendo assumir diversas identidades e estar em numerosos locais.

Conteúdo interessante

7. Asteriscos

Há certas águas que não matam a sede,

Você já notou?

Como a saudade que não nos conduz a

Nenhuma epifania.

Saudade deveria sempre render um verso

Perfeito, visto que para nada serve.

Acordamos cansados por

Senti-la,

Se é que dormimos.

Ela nos rouba o presente,

Nos cega o futuro.

Estou assim agora: presa

Ao passado quando

Estive com você.

O poema intitulado com três asteríscos aborda a falta que é sentida com a ausência de alguém. Suas palavras tentam nomear o vazio deixado.

No poema de Fernanda Young, a saudade é o tema central. É algo que todos nós já sentimos pelo menos uma vez na vida.

Neste lugar, a falta não é vista como uma coisa boa a ser celebrada pela experiência individual, mas sim como algo triste e doloroso. É um sentimento que parece roubar o presente, pois criamos uma barreira que nos impede de olhar para o futuro.

8. Ossos do Crânio

As suas outras costelas me

encarceraram em seu plexo.

toc-toc-toc, bati com

timidez, logo que notei

Que deveria partir.

Ninguém abriu a porta.

Pedi, chorei, arranhei seu

interno. Nada.

Você não me quis, mas me

Prendeu. Você não me quis,

mas me costurou em você.

No livro de poemas A mão esquerda de Vênus (2016), o poema "Crânio" traz consigo uma história de amor infeliz: mesmo que o eu-lírico esteja completamente enfeitiçado, o amado não consegue corresponder seus sentimentos.

O sujeito poético recorre à simbologia do corpo para expressar a imagem do encarceramento, sendo extremamente criativo para traduzir em palavras o que sente.

Crânio tem um olhar profundamente poético e belo, apesar de tratar sobre um assunto doloroso - o abandono.

A Vida e Carreira de Fernanda Young

Nascida em maio de 1970, Fernanda Maria Young de Carvalho Machado veio ao mundo em Niterói, Rio de Janeiro.

Durante sua carreira, ela se dedicou à escrita e ao roteirismo, bem como à atuação e à apresentação televisiva.

Fernanda Young e seu marido, Alexandre Machado, foram responsáveis por escrever os roteiros de três produções de sucesso: Os Normais (2001-2003), Minha Nada Mole Vida (2006) e Como Aproveitar o Fim do Mundo (2012).

Fernanda Young

Em 1996, a escritora lançou seu primeiro livro, Vergonha dos Pés. A partir daí, foram publicadas mais de dez obras, culminando no seu último trabalho, Pós-F: Para além do masculino e feminino, em 2018.

Fernanda Young e Alexandre Machado, ambos autores, eram casados e tiveram quatro filhos: Estela May, Cecília Madonna, Catarina Lakshimi e John Gopala.

No dia 25 de agosto de 2019, a escritora sofreu uma crise de asma, que resultou em uma parada cardíaca e levou à sua morte.

Laura Aidar
Escrito por Laura Aidar

É arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Possui licenciatura em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formação em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.