11 Das Mais Belas Poesias Escritas por Autoras Brasileiras


Escrito por Carolina Marcello

A literatura brasileira é rica em lindos poemas, sendo que muitos deles foram escritos por mulheres.

Tristemente, muitas escritoras excelentes acabam sendo ignoradas pela crítica literária e pelo público em geral.

Tentando remediar essa grande falha, reunimos aqui algumas das mais lindas poesias brasileiras escritas por autoras mulheres.

1. Cecília Meireles: um Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,

Assim calmo, assim triste, assim magro,

Nem estes olhos tão vazios,

Nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,

Tão paradas e frias e mortas;

Eu não tinha este coração

Que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,

Tão simples, tão certa, tão fácil:

— Em que espelho ficou perdida

a minha face?

Cecília Meireles (1901-1964), uma escritora carioca, retrata a transitoriedade da vida através do poema acima. Ela sugere que viver é uma jornada efêmera, e que a imortalidade só pode ser alcançada através dos ideais e das marcas que deixamos para trás.

Em "Retrato", a poesia de Cecília é marcada por uma linguagem simples, que fala à alma por meio da oralidade. Ao longo dos doze versos, a solidão, a tristeza, a melancolia, o cansaço e as marcas do tempo são transmitidos de maneira poética. Estes elementos nos fazem refletir sobre o presente e a passagem do tempo.

A poesia questiona o que aconteceu no passado para explicar a situação atual. Os versos ecoam perguntas difíceis: onde o caminho deu errado? Quem sou eu agora?

"Retrato" é um dos poemas mais celebrados da literatura brasileira, sendo muitas vezes recitado.

2. As Pedras de Aninha, de Cora Coralina

Não te deixes destruir…

Ajuntando novas pedras

e construindo novos poemas.

Recria tua vida, sempre, sempre.

Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.

Faz de tua vida mesquinha

um poema.

E viverás no coração dos jovens

e na memória das gerações que hão de vir.

Esta fonte é para uso de todos os sedentos.

Toma a tua parte.

Vem a estas páginas

e não entraves seu uso

aos que têm sede.

Apesar de tardia, a entrada de Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, pseudônimo Cora Coralina (1889-1985), no universo da literatura brasileira não compromete sua produção. Muito pelo contrário, sua obra foi prolixa e consistente, consolidando seu lugar como um dos principais escritores brasileiros de todos os tempos, com o primeiro livro sendo publicado aos seus 75 anos de idade.

Ao ler os versos e contos de Cora Coralina, é possível sentir a linguagem do interior, pois a escrita é marcada pela oralidade e informalidade. O eu-lírico (ou narrador) parece se aproximar do leitor, como se estivesse contando um segredo em segredo. As palavras dessa narrativa geralmente retratam o cotidiano doméstico e os sentimentos comuns.

"Aninha e suas pedras" é um livro que se dirige ao leitor com o objetivo de oferecer conselhos sobre como levar uma vida saudável. A obra se assemelha a uma espécie de mentor, cheio de experiência, que se voltaria para os mais jovens para compartilhar aquilo que realmente tem valor.

Ao longo dos versos, é enfatizada a necessidade de recriar a vida e de manter-se constantemente em estado de consciência e de busca por conhecimento.

Aprecie Aninha e suas pedras recitadas! Esta é uma história cheia de aventura, magia e mistérios. Acompanhe Aninha enquanto ela sai em uma jornada para encontrar as pedras mágicas com as quais ela pode salvar a vida de seu amigo. Descubra como ela descobre a verdadeira natureza das pedras e os grandes mistérios que elas escondem.

3. Adélia Prado e o Casamento

Há mulheres que dizem:

Meu marido, se quiser pescar, pesque,

mas que limpe os peixes.

Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,

ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.

É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,

de vez em quando os cotovelos se esbarram,

ele fala coisas como “este foi difícil”

“prateou no ar dando rabanadas”

e faz o gesto com a mão.

O silêncio de quando nos vimos a primeira vez

atravessa a cozinha como um rio profundo.

Por fim, os peixes na travessa,

vamos dormir.

Coisas prateadas espocam:

somos noivo e noiva.

Adélia Prado, nascida em Minas Gerais em 1935, é um dos maiores nomes da literatura brasileira. Seu poema mais famoso foi publicado em 1981, no livro Terra de Santa Cruz.

"Casamento" nos remete a uma relação sólida e duradoura compartilhada entre marido e mulher. Os versos expressam profunda cumplicidade entre os dois protagonistas da história, revelando o quanto eles se amam.

O casamento é construído a partir da troca de pequenos momentos e sacrifícios feitos em conjunto. Por exemplo, quando o marido regressa a casa após o pescar, mesmo tarde da noite, a mulher levanta-se para o ouvir e partilhar as suas histórias.

Após todas as responsabilidades serem cumpridas, os dois seguiram de volta, de mãos dadas, para o leito. Os últimos versos acabam por evocar o princípio do casamento, a juventude, proporcionando a sensação de união.

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4. Poesia para os Homens de Nossa Época, de Hilda Hilst

Enquanto faço o verso, tu decerto vives.

Trabalhas tua riqueza, e eu trabalho o sangue.

Dirás que sangue é o não teres teu ouro

E o poeta te diz: compra o teu tempo.

Contempla o teu viver que corre, escuta

O teu ouro de dentro. É outro o amarelo que te falo.

Enquanto faço o verso, tu que não me lês

Sorris, se do meu verso ardente alguém te fala.

O ser poeta te sabe a ornamento, desconversas:

“Meu precioso tempo não pode ser perdido com os poetas”.

Irmão do meu momento: quando eu morrer

Uma coisa infinita também morre. É difícil dizê-lo:

MORRE O AMOR DE UM POETA.

E isso é tanto, que o teu ouro não compra,

E tão raro, que o mínimo pedaço, de tão vasto

Não cabe no meu canto.

Hilda Hilst (1930-2004) foi uma polêmica autora paulista que se tornou famosa por seus versos apaixonados e eróticos. O poema acima, entretanto, não é um exemplo de sua lírica amorosa.

"Poemas aos homens do nosso tempo" foi publicado em 1974, no livro Jubilo Memória Noviciado da Paixão, durante um período de ditadura militar. O conteúdo dessa obra se concentra no ofício da escrita e na condição do poeta.

Aquele que escolheu se dedicar à literatura contrasta com aquele que optou por não ter uma vida voltada às palavras. Os versos são criados a partir desse conflito.

Dialogando sobre a dor e os prazeres de cada escolha, o narrador expressa que a sua situação é permanente, diferente dos outros, que compram itens comprados e perecíveis.

5. A Fagulha de Ana Cristina César

Abri curiosa

o céu.

Assim, afastando de leve as cortinas.

Eu queria entrar,

coração ante coração,

inteiriça

ou pelo menos mover-me um pouco,

com aquela parcimônia que caracterizava

as agitações me chamando

Eu queria até mesmo

saber ver,

e num movimento redondo

como as ondas

que me circundavam, invisíveis,

abraçar com as retinas

cada pedacinho de matéria viva.

Eu queria

(só)

perceber o invislumbrável

no levíssimo que sobrevoava.

Eu queria

apanhar uma braçada

do infinito em luz que a mim se misturava.

Eu queria

captar o impercebido

nos momentos mínimos do espaço

nu e cheio

Eu queria

ao menos manter descerradas as cortinas

na impossibilidade de tangê-las

Eu não sabia

que virar pelo avesso

era uma experiência mortal.

Ana Cristina César, que infelizmente nos deixou aos trinta e um anos de idade, cometendo suicídio após um longo histórico depressivo, era uma grande promessa da literatura brasileira. Apesar de sua partida precoce, ela deixou um legado que jamais foi esquecido. Carioca, a jovem autora deixou um riquíssimo acervo literário para a posteridade.

"Fagulha", publicada pela primeira vez no livro A teus pés, lançado em 1982, é um poema marcado pela intensidade, originalidade e paixão. O seu conteúdo profundamente poético começa com uma imagem muito poderosa: o eu-lírico tem a capacidade de visualizar e, quem sabe, até de adentrar o céu.

O desejo de descobrir o que há além é motivo de curiosidade para o eu-lírico, contudo, há um preço a ser pago por tal descoberta.

6. Elisa Lucinda - Amanhecer

De tanta noite que dormi contigo

no sono acordado dos amores

de tudo que desembocamos em amanhecimento

a aurora acabou por virar processo.

Mesmo agora

quando nossos poentes se acumulam

quando nossos destinos se torturam

no acaso ocaso das escolhas

as ternas folhas roçam

a dura parede.

nossa sede se esconde

atrás do tronco da árvore

e geme muda de modo a

só nós ouvirmos.

Vai assim seguindo o desfile das tentativas de nãos

o pio de todas as asneiras

todas as besteiras se acumulam em vão ao pé da montanha

para um dia partirem em revoada.

Ainda que nos anoiteça

tem manhã nessa invernada

Violões, canções, invenções de alvorada...

Ninguém repara,

nossa noite está acostumada.

Nascida no Espírito Santo em 1958, Elisa Lucinda investe na produção de uma poesia que aborda a vida cotidiana, os relacionamentos e as pequenas ocorrências diárias.

A linguagem usada é informal e baseada na fala, a fim de remover qualquer obstáculo entre o poema e o leitor.

Após muito tempo, os versos retratam uma crise no casal. Porém, o eu-lírico acredita que ela será superada, pois a comunhão e a partilha são hábitos presentes na vida deles.

7. A Baleia e seu Rabo, de Alice Sant'Anna

um enorme rabo de baleia

cruzaria a sala nesse momento

sem barulho algum o bicho

afundaria nas tábuas corridas

e sumiria sem que percebêssemos

no sofá a falta de assunto

o que eu queria mas não te conto

é abraçar a baleia mergulhar com ela

sinto um tédio pavoroso desses dias

de água parada acumulando mosquito

apesar da agitação dos dias

da exaustão dos dias

o corpo que chega exausto em casa

com a mão esticada em busca

de um copo d’água

a urgência de seguir para uma terça

ou quarta boia e a vontade

é de abraçar um enorme

rabo de baleia seguir com ela

A jovem autora carioca Alice Sant'Anna (nascida em 1988) é conhecida por escrever alguns dos melhores poemas da literatura brasileira. Suas obras são consideradas grandes pérolas literárias.

Com "Rabo de baleia", a autora obteve ampla visibilidade, pois se tornou um dos maiores sucessos de público e crítica.

O poema tem características profundamente imagéticas, juntando a rotina cotidiana do eu-lírico com algumas doses de fantasia, para fugir do tédio que lhe afeta.

O breve e singelo poema de Alice é movido pela sua imaginação inesperada diante do cotidiano monótono.

8. Passar é o que Tem, de Alice Ruiz

Tem os que passam

e tudo se passa

com passos já passados

tem os que partem

da pedra ao vidro

deixam tudo partido

e tem, ainda bem,

os que deixam

a vaga impressão

de ter ficado

Alice Ruiz, nascida em Curitiba em 1946, é casada com Paulo Leminski, com quem teve três filhas. Foi através do escritor que Alice descobriu sua vocação para a escrita e a poesia, o que o estimulou a continuar produzindo. Além de haicais, ela também escreve breves poemas, como os presentes no livro Dois em um (2008).

Alice usa "Tem os que passam" para explorar a transitoriedade da vida e o curso do tempo. Ela menciona as três tipos de pessoas que passaram por suas vidas - aquelas que passam, aquelas que partem e aquelas que ficam gravadas em sua memória.

O poema começa com a descrição de figuras passageiras que nos passam por perto sem deixar grandes marcas. Entretanto, no segundo verso são evocadas aquelas pessoas que nos impactam - seja de maneira positiva ou negativa -, e que nos deixam com feridas ao partirem. Por fim, o último trecho aponta que há aqueles que, apesar de precisarem partir, nos deixam um pedaço deles, para que possamos lembrar o sorriso ou as palavras que nos ajudaram a evoluir.

9. Submissão dos votos de Fernanda Young

Caso você queira posso passar seu terno, aquele que você não usa por estar amarrotado.

Costuro as suas meias para o longo inverno...

Use capa de chuva, não quero ter você molhado.

Se de noite fizer aquele tão esperado frio poderei cobrir-lhe com o meu corpo inteiro.

E verás como minha a minha pele de algodão macio, agora quente, será fresca quando janeiro.

Nos meses de outono eu varro a sua varanda, para deitarmos debaixo de todos os planetas.

O meu cheiro te acolherá com toques de lavanda - Em mim há outras mulheres e algumas ninfetas - Depois plantarei para ti margaridas da primavera e aí no meu corpo somente você e leves vestidos, para serem tirados pelo total desejo de quimera.

Os meus desejos irei ver nos teus olhos refletidos.

Mas quando for a hora de me calar e ir embora sei que, sofrendo, deixarei você longe de mim.

Não me envergonharia de pedir ao seu amor esmola, mas não quero que o meu verão resseque o seu jardim.

(Nem vou deixar - mesmo querendo - nenhuma fotografia.

Só o frio, os planetas, as ninfetas e toda a minha poesia).

Nascida em 1970 em Niterói (Rio de Janeiro), a poetisa, romancista e roteirista Fernanda Young é uma conhecida jovem escritora, principalmente por seus versos sentimentais e autobiográficos.

"Votos de submissão" é uma poesia poética e encantadora que fala sobre o amor e a entrega ao amado. O eu-lírico dedicado se oferece completamente ao escolhido de seu coração. Ao longo dos pequenos gestos do dia a dia, o afeto entre os amantes é evidente.

No final do poema, a figura que ama já prevê a hora de sua partida e requer que sua saída seja respeitada como ela foi dedicada ao amor.

A autora da poesia recita-a e ela pode ser encontrada no ambiente online.

10. Uma Jornada com Claudia Roquette-Pinto

O dia inteiro perseguindo uma ideia:

vagalumes tontos contra a teia

das especulações, e nenhuma

floração, nem ao menos

um botão incipiente

no recorte da janela

empresta foco ao hipotético jardim.

Longe daqui, de mim

(mais para dentro)

desço no poço de silêncio

que em gerúndio vara madrugadas

ora branco (como lábios de espanto)

ora negro (como cego, como

medo atado à garganta)

segura apenas por um fio, frágil e físsil,

ínfimo ao infinito,

mínimo onde o superlativo esbarra

e é tudo de que disponho

até dispensar o sonho de um chão provável

até que meus pés se cravem

no rosto desta última flor.

Claudia Roquette-Pinto, nascida em 1963, é uma poeta carioca que se interessa pelos detalhes da vida e isso é refletido em seu trabalho. Com cinco livros publicados, sua poética é marcada pela presença constante da natureza e dos pequenos animais.

Muitos dos seus versos tratam de flores, animais do jardim, questões de gênero e a própria escrita poética.

"O dia inteiro" de Claudia é marcado por versos que retratam com maestria a lírica da autora. Por um lado, o poema reflete a preocupação da autora com a sua própria forma de expressão literária, permitindo-nos entender o processo de criação por trás dos versos. Por outro, a poesia oferece ao leitor a oportunidade de experimentar a beleza encontrada na pequena natureza, dando-nos a chance de olhar para a flor, o vagalume e o jardim de uma forma diferente.

11. A Mulher Eu: Uma Obra de Conceição Evaristo

Uma gota de leite

me escorre entre os seios.

Uma mancha de sangue

me enfeita entre as pernas.

Meia palavra mordida

me foge da boca.

Vagos desejos insinuam esperanças.

Eu-mulher em rios vermelhos

inauguro a vida.

Em baixa voz

violento os tímpanos do mundo.

Antevejo.

Antecipo.

Antes-vivo

Antes – agora – o que há de vir.

Eu fêmea-matriz.

Eu força-motriz.

Eu-mulher

abrigo da semente

moto-contínuo

do mundo.

Conceição Evaristo, nascida em Minas Gerais em 1946, é muito respeitada no mundo da literatura afro-brasileira. Ela é considerada uma das maiores figuras desse contexto.

A poeta lida com questões de gênero, afirmação social e racial, particularmente relacionadas à sua vivência como mulher negra pertencente a uma classe menos privilegiada. Suas criações refletem esse conjunto de questões.

Em "Eu-Mulher", presente no livro Poemas da recordação e outros movimentos (2008), é possível apreciar a poética de engajamento da autora, que visa a valorização e a afirmação do corpo feminino em todos os seus aspectos. Com versos extremamente vigorosos e poderosos, ela luta pela realização das capacidades femininas.

Carolina Marcello
Escrito por Carolina Marcello

Formou-se em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e possui mestrado em Estudos Literários, Culturais e Interartes pela mesma instituição. Durante os estudos universitários, foi co-fundadora do Grupo de Estudos Lusófonos da faculdade e uma das editoras da revista da mesma, que se dedica às literaturas de língua portuguesa.