A poesia não só nos trás beleza e sensibilidade, como também nos ajuda a refletir sobre diferentes assuntos. Um dos tópicos mais abordados é a jornada da vida, que ainda é um grande mistério.
A seguir, veja 12 obras literárias criadas por alguns dos principais autores de língua portuguesa que retratam a vida.
1. Mario Quintana e o Tempo
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.
O poeta brasileiro Mario Quintana nasceu no Rio Grande do Sul, em 1906, e conquistou a admiração de todo o país com as suas poesias inteligentes e líricas. Sua obra marca profundamente a cultura brasileira.
Um dos poemas mais famosos dele carrega uma importante lição: a de que muitas vezes, adiamos aquilo que queremos ou precisamos fazer, pois acreditamos que depois teremos mais tempo disponível.
O sujeito nos alerta para a importância de aproveitarmos e valorizarmos cada segundo de vida que temos. Afinal, o tempo não espera por ninguém e passa rapidamente. Portanto, é preciso ter consciência do quanto é precioso cada momento que temos.
2. Discutir não: O ensaio de Paulo Leminski
não discuto
com o destino
o que pintar
eu assino
Nascido em Curitiba, Paulo Leminski (1944 — 1989) foi um importante nome da literatura brasileira. Considerado um dos mais importantes poetas do vanguardismo, seu trabalho marcou gerações e foi aclamado pela crítica. Além disso, foi professor em diversas universidades do país.
Leminski combinava a linguagem popular com a tradicional forma japonesa de haicai para transmitir mensagens complexas em poucos versos.
O eu-lírico desta composição nos faz lembrar da necessidade de manter um olhar amplo e aberto às oportunidades que a vida nos traz.
Ao invés de criar expectativas sobre o que pode acontecer no futuro, optamos por sermos flexíveis e abordarmos o destino com entusiasmo e positividade.
3. Vinicius de Moraes e a Dialética
É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz
Mas acontece que eu sou triste...
Com carinho, Vinicius de Moraes (1913-1980) foi chamado de "Poetinha". Ele deixou uma marca profunda na poesia e na música brasileira, sendo muito amado.
A beleza e a delicadeza dos versos cariocas são capazes de evocar muitas emoções humanas. No poema, vemos um sujeito que é subjugado pela tristeza.
Ele tenta manter consciência de todas as coisas boas ao seu redor, mas ainda assim luta contra momentos de tristeza, que é inevitável.
4. Visão de Vida de Cora Coralina
A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.
Cora Coralina, o pseudônimo literário de Ana Lins dos Guimarães Peixoto (1889 — 1985), foi uma notável escritora goiana que publicou seu primeiro livro aos 70 anos de idade.
O eu-lírico reflete sobre o que aprendeu na vida e como estas experiências podem ser transmitidas aos outros. Ele faz um balanço das lições adquiridas e pensa sobre como elas podem ser úteis para os outros.
Neste sujeito acredita-se que não teremos um percurso perfeito, mas sim um caminho cheio de altos e baixos. A sua forma de encarar a vida é tentar lidar com as dificuldades e aprender com elas, tornando-se assim mais forte para vencer os desafios da vida.
5. Manuel Bandeira - Brisa
Vamos viver no Nordeste, Anarina.
Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha.
Deixarás aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.
Aqui faz muito calor.
No Nordeste faz calor também.
Mas lá tem brisa:
Vamos viver de brisa, Anarina.
Nascido no Recife, Manuel Bandeira (1886 — 1968) é inquestionavelmente um dos grandes nomes da literatura brasileira, seja como poeta, tradutor ou crítico.
A obra poética de Chico Buarque é caracterizada por tratar assuntos do cotidiano com um toque de humor presente nos "poemas-piada", além de conter sonhos, fantasias e sentimentos humanos.
Neste poema, o sujeito expressa o seu amor intenso e irresistível pela amada. Anarina é o grande objeto de desejo e, ao mesmo tempo, a salvação, pois só ela é capaz de lhe proporcionar o paraíso ideal. Por isso, o sujeito está disposto a deixar tudo para trás e partir com ela, pois acredita que o amor é o único sentido da vida.
Ouça a voz de Maria Bethânia cantando o poema musicado.
6. Descansa, Pois a Vida é Nada, de Fernando Pessoa
Dorme, que a vida é nada!
Dorme, que tudo é vão!
Se alguém achou a estrada,
Achou-a em confusão,
Com a alma enganada.
Não há lugar nem dia
Para quem quer achar,
Nem paz nem alegria
Para quem, por amar,
Em quem ama confia.
Melhor entre onde os ramos
Tecem dosséis sem ser
Ficar como ficamos,
Sem pensar nem querer.
Dando o que nunca damos.
Fernando Pessoa (1888-1935) foi um dos autores mais criativos da literatura lusófona. Nascido em Lisboa, é mundialmente conhecido por sua profunda poesia. Além disso, também exerceu a crítica literária.
A obra de Fernando Pessoa é caracterizada por diversas influências literárias modernistas, normalmente assinadas por heterônimos. Seu estilo lírico também é marcado pela presença constante de reflexões existenciais pessimistas e melancólicas.
O eu-lírico sente-se completamente desanimado, face às adversidades da vida. Já não acredita que valha a pena prosseguir qualquer esforço, mesmo o amor, pois acredita que o destino já se fez.
7. A Vida Segundo Carlos Drummond de Andrade
Mas era apenas isso,
era isso, mais nada?
Era só a batida
numa porta fechada?
E ninguém respondendo,
nenhum gesto de abrir:
era, sem fechadura,
uma chave perdida?
Isso, ou menos que isso
uma noção de porta,
o projecto de abri-la
sem haver outro lado?
O projecto de escuta
à procura de som?
O responder que oferta
o dom de uma recusa?
Como viver o mundo
em termos de esperança?
E que palavra é essa
que a vida não alcança?
O famoso escritor mineiro, Carlos Drummond de Andrade (1902 — 1987), foi um dos mais destacados poetas do modernismo brasileiro da segunda geração.
Suas obras se destacavam por sua temática cotidiana, palavras escolhidas com cuidado e conteúdos intímos. Elas refletiam sobre o indivíduo e o mundo ao redor.
No poema, há uma sensação de que a vida é como se estivéssemos à espera de algo que nunca vem. É como se tivéssemos ensaiado algo, mas o ato nunca se realizou completamente.
Eu-lírico parece desanimado ao refletir sobre o seu percurso até então. Ele admite que não consegue encontrar esperança e não entende como deveria fazê-lo.
8. A Obra de Arte de Cecília Meireles: Desenho
Traça a reta e a curva,
a quebrada e a sinuosa
Tudo é preciso.
De tudo viverás.
Cuida com exatidão da perpendicular
e das paralelas perfeitas.
Com apurado rigor.
Sem esquadro, sem nível, sem fio de prumo,
traçarás perspectivas, projetarás estruturas.
Número, ritmo, distância, dimensão.
Tens os teus olhos, o teu pulso, a tua memória.
Construirás os labirintos impermanentes
que sucessivamente habitarás.
Todos os dias estarás refazendo o teu desenho.
Não te fatigues logo. Tens trabalho para toda a vida.
E nem para o teu sepulcro terás a medida certa.
Somos sempre um pouco menos do que pensávamos.
Raramente, um pouco mais.
Nascida no Rio de Janeiro, Cecília Meireles (1901 – 1964) é uma das preferidas dos leitores brasileiros. Enquanto escritora, educadora e artista visual, sua obra expressa temas universais como solidão e a fugacidade da vida, por meio de poesias confesionais.
Ao ler este poema, estabelece-se a ideia de que as pessoas desenham o seu destino e a sua própria forma de estar no mundo. É como se viver e desenhar fossem duas faces de uma mesma moeda.
A vida é múltipla e suas circunstâncias transitórias nos mostram que nada é realmente permanente. Dessa forma, devemos nos ver como desenhos em construção, cheios de linhas e curvas que se alteram ao longo do tempo. Não há necessidade de pensar em nós mesmos como figuras estáticas, pois estamos sempre em evolução.
9. Obras Alcoólicas de Hilda Hilst
I
É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mórula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.
Como-a no livro da língua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha púmblea, me casaco rosso
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, góticas, altas de corpo e copos.
A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima
Olho d’água, bebida. A vida é líquida.
II
Também são cruas e duras as palavras e as caras
Antes de nos sentarmos à mesa, tu e eu, Vida
Diante do coruscante ouro da bebida. Aos poucos
Vão se fazendo remansos, lentilhas d’água, diamantes
Sobre os insultos do passado e do agora. Aos poucos
Somos duas senhoras, encharcadas de riso, rosadas
De um amora, um que entrevi no teu hálito, amigo
Quando me permitiste o paraíso. O sinistro das horas
Vai se fazendo olvido. Depois deitadas, a morte
É um rei que nos visita e nos cobre de mirra.
Sussurras: ah, a vida é líquida.
Nascida em São Paulo, Hilda Hilst (1930 — 2004) é reconhecida por seus versos irreverentes, abordando temas considerados tabus, especialmente o desejo feminino.
Neste poema, a autora contempla a complexidade da vida, analogicamente expressa como um líquido, como a água e o álcool. Para ela, a vida é fluida, mas às vezes pode se tornar pesada e difícil, podendo machucar.
A solidão e a depressão deste eu-lírico são tão fortes que a única maneira de esquecer o sofrimento é buscando a embriaguez.
10. A Eterna Canção de Mario Quintana
Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...
Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...
Quando se trata de sua própria vida, parece quase impossível escolher uma única obra de Quintana, um dos mais sábios autores da literatura brasileira.
O sujeito deste poema incentiva que vivamos de uma forma leve e harmônica, aproveitando cada dia como se fosse o nosso último. Esta filosofia segue a famosa máxima “carpe diem” ("aproveite o dia"), que nos ensina a aproveitar o momento presente sem nos angustiarmos com o futuro.
Sublinhando que não se deve buscar o eterno ou o inalterável, os versos nos ensinam a lidar com a temporalidade da vida e a aproveitar o máximo de cada dia.
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11. Pedra Filosofal
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
Sendo nativo de Lisboa, António Gedeão (cujo nome verdadeiro era Rómulo Vasco da Gama de Carvalho, 1906-1997) foi um renomado poeta e educador em Portugal. Seu trabalho foi de destaque no cenário literário português.
O eu-lírico destaca que os sonhos são o combustível para nosso progresso. Quando permitimos que a nossa imaginação voe, podemos abrir novas possibilidades para nós mesmos e, em última análise, possivelmente, até mesmo transformar o mundo.
Gedeão nos incentiva a sonhar, não importa qual seja a nossa idade, com o entusiasmo e a curiosidade típica das crianças quando brincam.
12. Aprendizado com Bráulio Bessa
Sendo eu um aprendiz
A vida já me ensinou que besta
É quem vive triste
Lembrando o que faltou
Magoando a cicatriz
E esquece de ser feliz
Por tudo que conquistou
Afinal, nem toda lágrima é dor
Nem toda graça é sorriso
Nem toda curva da vida
Tem uma placa de aviso
E nem sempre o que você perde
É de fato um prejuízo
O meu ou o seu caminho
Não são muito diferentes
Tem espinho, pedra, buraco
Pra mode atrasar a gente
Mas não desanime por nada
Pois até uma topada
Empurra você pra frente
Tantas vezes parece que é o fim
Mas no fundo, é só um recomeço
Afinal, pra poder se levantar
É preciso sofrer algum tropeço
É a vida insistindo em nos cobrar
Uma conta difícil de pagar
Quase sempre, por ter um alto preço
Acredite no poder da palavra desistir
Tire o D, coloque o R
Que você tem Resistir
Uma pequena mudança
Às vezes traz esperança
E faz a gente seguir
Continue sendo forte
Tenha fé no Criador
Fé também em você mesmo
Não tenha medo da dor
Siga em frente a caminhada
E saiba que a cruz mais pesada
O filho de Deus carregou
Nascido no Ceará, Bráulio Bessa (1985) é conhecido como um "fazedor de poesias". Seu trabalho ganhou sucesso na literatura brasileira popular ao ser compartilhado em vídeos pela internet. O cordelista e declamador nordestino conseguiu conquistar o público de maneira muito eficaz.
Através de um vocabulário simples e familiar, o poeta, com suas palavras, insta aqueles que escutam a alcançar a esperança e a superação. A vida, com todas as suas barreiras, abriga também momentos maravilhosos para aqueles que os procuram.
É imperativo que nos mantenhamos resilientes e nunca desistamos. Continuar em frente com firmeza e confiança nos dará a capacidade de vencermos qualquer desafio que nos aguarde.
Durante o programa Encontro com Fátima Bernardes, exibido na TV Globo, foi declamado um poema que conquistou o carinho do público brasileiro. Veja o vídeo: