Análise e Comentário de 15 Poemas Preciosos de Mario Quintana


Escrito por Laura Aidar

A obra de Mario Quintana (1906-1994), um dos maiores poetas da literatura brasileira, ainda é admirada por diversas gerações. Seus versos ecoam e marcam profundamente quem os lê.

Com sua poesia simples, facilmente compreensível, Quintana estabeleceu uma conexão com os leitores ao falar de temas como sua origem, amor e literatura. Seus poemas narram suas próprias experiências e criações.

1. Siga-me para o Mar

Tenta esquecer-me... Ser lembrado é como

evocar-se um fantasma... Deixa-me ser

o que sou, o que sempre fui, um rio que vai fluindo...

Em vão, em minhas margens cantarão as horas,

me recamarei de estrelas como um manto real,

me bordarei de nuvens e de asas,

às vezes virão em mim as crianças banhar-se...

Um espelho não guarda as coisas refletidas!

E o meu destino é seguir... é seguir para o Mar, as imagens perdendo no caminho...

Deixa-me fluir, passar, cantar...

toda a tristeza dos rios é não poderem parar!

O poeta solicita que seu desejo seja respeitado, desejando assim ser quem é e partir quando desejar.

O sujeito poético identificou-se com o rio e pintou o cenário à sua volta: nuvens sobre si, margens, e crianças que se divertiam na água.

O poeta usa a metáfora para demonstrar uma conexão profunda com o rio, insistindo que é impossível prender aquilo que está em constante movimento.

Nem o espelho, nem o rio guardam a imagem daquilo que refletem. Ambos impõem a passagem do tempo.

O poeta e o rio têm algo em comum: ambos fluem. Esta comparação também nos ajuda a ter consciência da passagem do tempo.

2. Poesia do Contrário

Todos esses que aí estão

Atravancando meu caminho,

Eles passarão…

Eu passarinho!

Muitos já ouviram falar do Poeminha do Contra, de autoria de Mario Quintana. Ele é o poema mais conhecido entre os seus versos, e conta apenas com quatro versos.

Em algum momento, todos nós já nos deparamos com uma situação na qual nada parece andar para a frente. O poeta nos assegura que esses obstáculos serão ultrapassados, mesmo no meio deste cenário desafiador.

Os últimos dois versos propõem um jogo de palavras: passarão é o futuro do verbo passar e é situado antes de passarinho, um animal associado à suavidade, liberdade.

3. 666

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.

Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…

Quando se vê, já é 6ª-feira…

Quando se vê, passaram 60 anos!

Agora, é tarde demais para ser reprovado…

E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,

eu nem olhava o relógio

seguia sempre em frente…

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

"666", mais conhecido como "O Tempo", é um dos poemas mais famosos de Mario Quintana. Em seus versos, o poeta aborda questões relacionadas à fugacidade do tempo.

O passar do tempo traz consigo a reflexão do sujeito poético sobre o que fez de sua vida. As horas, dias e anos passam rapidamente, incentivando-o a refletir sobre seu passado.

Ele se dirige ao leitor em versos livres numa estrutura informal, transmitindo um conselho baseado na experiência pessoal.

É como se o indivíduo não pudesse recuar, mas pudesse compartilhar, com aqueles mais novos, a partir de sua experiência, o que realmente importa.

4. A Importância da Presença

É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,

teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento

das horas ponha um frêmito em teus cabelos…

É preciso que a tua ausência trescale

sutilmente, no ar, a trevo machucado,

as folhas de alecrim desde há muito guardadas

não se sabe por quem nalgum móvel antigo…

Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela

e respirar-te, azul e luminosa, no ar.

É preciso a saudade para eu sentir

como sinto – em mim – a presença misteriosa da vida…

Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista

que nunca te pareces com o teu retrato…

E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.

A partir de dois pares opostos – passado/presente e ausência/presença – o poema Presença é construído. Estes pares contrastantes fornecem a base para a escrita.

Ao evocar a lembrança dessa misteriosa mulher, provoca-se uma saudade nostálgica. No entanto, tudo o que se pode saber sobre ela fica restrito aos sentimentos que ela desperta no sujeito.

A saudade ergue-se entre o passado, marcado pela plenitude, e o presente, caracterizado pela falta. Esta é a inspiração para o poeta cantar seus versos.

5. Assustadores Espantos

Neste mundo de tantos espantos,

cheio das mágicas de Deus,

O que existe de mais sobrenatural

São os ateus...

Mario Quintana aborda a questão da religiosidade e da importância de acreditar em algo maior, com apenas quatro versos.

O poeta encontra-se impressionado com o modo como ocorrem eventos inacreditáveis, e como há pessoas que ainda assim não acreditam na existência de algum tipo de divindade, mesmo diante de tais acontecimentos.

A incredulidade do sujeito poético é traduzida no título do poema (Espantos), que se repete no primeiro verso. Ele não consegue compreender como alguém não atribui a Deus os eventos surpreendentes que acontecem no dia a dia.

Nos dois últimos versos, há um jogo de palavras destacando o paradoxo de que os ateus, que não acreditam no sobrenatural, sejam aquilo que é mais sobrenatural.

6. Um Poema Pobre

Eu escrevi um poema horrível!

É claro que ele queria dizer alguma coisa...

Mas o quê?

Estaria engasgado?

Nas suas meias-palavras havia no entanto uma ternura mansa como a que se vê nos olhos de uma criança doente, uma precoce, incompreensível gravidade

de quem, sem ler os jornais,

soubesse dos seqüestros

dos que morrem sem culpa

dos que se desviam porque todos os caminhos estão tomados...

Poema, menininho condenado,

bem se via que ele não era deste mundo nem para este mundo...

Tomado, então, de um ódio insensato,

esse ódio que enlouquece os homens ante a insuportável

verdade, dilacerei-o em mil pedaços.

E respirei...

Também! quem mandou ter ele nascido no mundo errado?

Este poema é um metapoema, no qual o poeta abre as portas da oficina da escrita e permite ao leitor apreciar o processo criativo. O poeta tira o véu que cobre a escrita de um poema, tornando o processo de criação visível.

Parece que o poema adquiriu vida própria, e o poeta, desconcertado, não tem certeza de como lidar com isso.

O sujeito poético se sente perplexo ao olhar para o poema que saiu de dentro dele, semelhante a um cuidar de uma criança doente. Ele desconhece como agir diante dessa situação, sem sabendo como conduzi-la.

No meio de uma crise de desespero, sem saber o destino do poema que escreveu, consciente de que era incompatível com a realidade do mundo, o poeta decidiu rasgá-lo em pedaços.

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7. Explorando a Rua dos Cataventos

Da vez primeira em que me assassinaram,

Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.

Depois, a cada vez que me mataram,

Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, dos meus cadáveres eu sou

O mais desnudo, o que não tem mais nada.

Arde um toco de Vela amarelada,

Como único bem que me ficou.

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!

Pois dessa mão avaramente adunca

Não haverão de arrancar a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!

Que a luz trêmula e triste como um ai,

A luz de um morto não se apaga nunca!

O poema "Rua dos Cataventos" é construído a partir de uma linguagem simples e informal. Nele, o sujeito poético compartilha sua jornada e como se tornou quem é hoje. Seus versos retratam o passado e ilustram as mudanças que o levaram ao seu destino.

Esta lírica reflete sobre como o tempo passa rapidamente e sobre o fato de que nossos percursos por este mundo são cheios de mudanças. É uma mensagem sobre a transitoriedade da existência.

O poema é uma celebração da vida, daquilo que o sujeito se tornou após passar por tudo o que viveu.

8. Sempre o Mesmo Dia em Canção

Tão bom viver dia a dia...

A vida assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos

Como estas nuvens no céu...

E só ganhar, toda a vida,

Inexperiência... esperança...

E a rosa louca dos ventos

Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:

Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,

Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança

Das outras vezes perdidas,

Atiro a rosa do sonho

Nas tuas mãos distraídas...

Mario Quintana convida o leitor a embarcar numa reflexão sobre a vida, acompanhado pela Canção do dia de sempre.

O poeta nos orienta a viver um dia por vez, desfrutando de cada momento como se fosse único. Desse modo, conseguimos encontrar beleza no cotidiano, o que torna a vida mais simples e agradável.

Um dos motivos recorrentes nos versos de Quintana é o rio, que simboliza uma vida em estado de fluxo constante, de movimento ininterrupto. Ele é logo interpretado como metáfora da existência, capaz de evidenciar a variedade de mudanças da vida que não podem ser controladas.

9. Manhã de Alegria

O tigre da manhã espreita pelas venezianas.

O Vento fareja tudo.

Nos cais, os guindastes domesticados dinossauros - erguem a carga do dia.

O poeminha Matinal é marcado por sua grande imaginação. Com apenas três versos, ele consegue evocar imagens fortes. O primeiro deles compara o sol a um tigre, que olha por nossas janelas, esperando para entrar.

No verso seguinte, aparece outra figura de linguagem, pois o vento é descrito como se tivesse o hábito de farejar, como se fosse um animal. Esta comparação se assemelha à do tigre.

Os guindastes, devido à sua grandeza, são comparados aos dinossauros quando nos encontramos no cais. É uma visão poética que nos permite entender como as cargas são manipuladas.

Convite para um olhar criativo e original está contido em apenas três versos. O mundo pode ser visto de uma perspectiva diferente a partir disso.

10. A Magia do Tempo: O Relógio

O mais feroz dos animais domésticos

é o relógio de parede:

conheço um que já devorou

três gerações da minha família.

O relógio de parede, por seu caráter tradicional, evoca a passagem do tempo. Está intrinsecamente ligado às gerações anteriores que o utilizavam em seus lares.

O poeta compara o relógio de parede a um animal agressivo em seus versos.

Em vez de expressar de forma rígida e fria a triste realidade de que os parentes haviam falecido, o autor optou por uma abordagem criativa e poética, descrevendo o relógio como um animal feroz que devorou três gerações da família.

11. Ticket

Se tu me amas, ama-me baixinho

Não o grites de cima dos telhados

Deixa em paz os passarinhos

Deixa em paz a mim!

Se me queres,

enfim,

tem de ser bem devagarinho, Amada,

Que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...

O poema Bilhete é uma visão romântica de um amor que deve ser vivido com discrição e sem medo. É uma história de amor a ser vivida entre o casal, sem muito barulho ou alarde.

O poema do amor é visto por um ângulo singelo. Seu título faz uma referência ao bilhete, um pequeno pedaço de papel, que apenas aqueles que estão envolvidos podem compartilhar, criando um laço entre duas pessoas.

O sujeito acredita que é importante respeitar o tempo da relação, bem como a privacidade do casal. Aproveitar o momento apaixonado é algo a ser desfrutado, porém, é necessário dar espaço para que cada um sinta o amor da sua própria maneira e no seu próprio tempo.

12. Segunda

Dorme, ruazinha... É tudo escuro...

E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?

Dorme o teu sono sossegado e puro,

Com teus lampiões, com teus jardins tranquilos...

Dorme... Não há ladrões, eu te asseguro...

Nem guardas para acaso persegui-los...

Na noite alta, como sobre um muro,

As estrelinhas cantam como grilos...

O vento está dormindo na calçada,

O vento enovelou-se como um cão...

Dorme, ruazinha... Não há nada...

Só os meus passos... Mas tão leves são

Que até parecem, pela madrugada,

Os da minha futura assombração...

O poeta Mario Quintana escreveu um poema musical com a forma clássica do soneto. Possui ritmo e beleza na escrita, tornando-o encantador.

Lembrando-se de um cântico de ninar, os versos são originais, pois, ao invés de adormecer uma criança, eles embalam uma rua.

O sujeito tem um vínculo inesperado com a rua, demonstrando profundo afeto, prometendo cuidar e protegê-la (ele usa o termo carinhoso “ruazinha”).

Em geral, a rua costuma provocar medo nos mais novos; no entanto, o poeta demonstra ter afeto pelo lugar público.

13. A Discrição

Não te abras com teu amigo

Que ele um outro amigo tem

E o amigo do teu amigo

Possui amigos também...

Neste poema breve, o autor nos adverte com bom humor a respeito da importância de mantermos nossos segredos bem guardados.

Ao estabelecermos relações com outros, criamos uma rede de contatos. No entanto, ao partilharmos detalhes íntimos destas relações, podemos correr o risco de que esta informação seja transmitida a terceiros.

É importante refletir sobre a confiança que temos em nossos amigos e amigas e sobre a importância de sermos capazes de nos abrir para aqueles em quem depositamos a nossa fé.

14. A Felicidade

Quantas vezes a gente, em busca da ventura,

Procede tal e qual o avozinho infeliz:

Em vão, por toda parte, os óculos procura

Tendo-os na ponta do nariz!

Em Da felicidade, Quintana reflete a vida através de uma narrativa simples, criando um poema com uma metáfora que facilmente se compreende.

A felicidade, apesar de parecer algo complicado de alcançar, é bem mais simples do que imaginamos. No entanto, ela não é fácil de encontrar.

15. Sonhando Utopias

Se as coisas são inatingíveis... ora!

Não é motivo para não querê-las...

Que tristes os caminhos, se não fora

A presença distante das estrelas!

Muitas vezes, a noção de utopia é vista de forma negativa, como se desejar algo impossível fosse "inalcançável" ou "inaceitável". No entanto, muitos argumentam que é inteligente desejar aquilo que parece impossível, pois fornece alguma motivação para atingir melhores resultados.

Quintana desafia o leitor a abordar o assunto em questão com grande poesia e subtileza, estabelecendo uma conexão entre o anseio humano e a magia e beleza infindável das estrelas.

Laura Aidar
Escrito por Laura Aidar

É arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Possui licenciatura em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formação em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.