Apologia de Sócrates, de Platão: Um Livro


Escrito por Sónia Cunha

Platão, um filósofo da Grécia Antiga, escreveu um trabalho intitulado Apologia de Sócrates. Era uma versão dos discursos que Sócrates proferiu durante seu julgamento em 399 a.C.

Meleto, um poeta da época, moveu um processo contra Sócrates, acusando-o de corromper a juventude e desrespeitar a religião ao venerar novas divindades. Seu amigo Platão eternizou as palavras de Sócrates antes e depois de sua condenação à morte.

Análise da Apologia de Sócrates

Sócrates se dirigiu ao público ateniense para se desvincular dos sofistas. Ele reafirmou que não usaria a retórica para convencer, mas que pretendia relatar a verdade. O filósofo apontou que foi perseguido há anos devido aos seus críticos, e que era ciente de que muitos ali estavam influenciados contra ele.

Durante uma viagem a Delfos junto a seu amigo Xenofonte, Sócrates foi questionado ao oráculo de quem era o homem mais sábio. Surpreendentemente, o oráculo o apontou o filósofo como a pessoa mais sábia. Daí em diante, Sócrates dedicou sua vida à busca da sabedoria absoluta, mas chegou à conclusão que ela não existia, o que lhe rendeu a célebre frase "Só sei que nada sei".

Capa do livro Apologia de Sócrates.

Ao realizar suas pesquisas, Sócrates procurou entrevistar personalidades intelectuais e políticas relevantes para Atenas, assim como escritores e artistas. A partir de questionamentos e refutação dos seus conhecimentos superficiais, o filósofo irritou alguns cidadãos. Isso fez com que muitos jovens passem a adotar sua postura inquisitiva, intensificando ainda mais a sua condição de desaprovação social.

Meleto moveu um processo contra Sócrates acusando-o de desviar a conduta da juventude, adorar falsos deuses e receber dinheiro para ensinar. Quando foi interrogado sobre tais acusações, Sócrates começou a desmontá-las, uma a uma.

Condenado à pena capital, Sócrates não mostrou medo da morte e não se arrependeu de seus feitos. Ainda assim, deixou uma mensagem de advertência para aqueles que votaram contra ele, afirmando que seriam lembrados para sempre.

A Avaliação das Acusações e o Julgamento

Nos primeiros minutos de seu discurso, Sócrates demonstra possuir vasto conhecimento sobre aqueles que o ouvem, adivinhando suas dúvidas e as acusações que lhe são feitas.

Ele imediatamente rebateu qualquer sugestão de que tinha intenção de mentir ou manipular a situação.

Mas, entre as muitas mentiras que divulgaram, uma, acima de todas, eu admiro: aquela pela qual disseram que deveis ter cuidado para não serdes enganados por mim, como homem hábil no falar.

Mas, então, não se envergonham disto, de que logo seriam desmentidos por mim, com fatos, quando eu me apresentasse diante de vós, de nenhum modo hábil orador? Essa me parece a sua maior imprudência, se, todavia, não denominam "hábil no falar" aquele que diz a verdade.

Peço-lhes para prestar atenção no conteúdo da minha mensagem e não na maneira como eu me expresso. Estou apenas dizendo a verdade. Há muito tempo estou recebendo críticas e ouvindo boatos.

Ele é ciente de que muitas pessoas ali cresceram ouvindo falar de "Sócrates, um homem esclarecido e astrônomo" que foi retratado pelo comediante Aristófanes atravessando as nuvens.

Ele compreende que, com o limitado período de tempo que possui, é desafiador desfazer a imagem negativa criada pelos seus oponentes ao longo dos anos.

Ora bem, cidadãos atenienses, devo defender-me e empreender remover de vossa mente, em tão breve hora, a má opinião acolhida por vós durante muito tempo. Certo eu desejaria consegui-lo, e seria o melhor, para vós e para mim, se, defendendo-me, obtivesse algum proveito; mas vejo a coisa difícil, e bem percebo por quê.

Meleto propôs um processo alegando que Sócrates usava calúnias, pois este não tinha interesse em adorar novas divindades e não ganhava a vida corrompendo a mente dos jovens. Ao contrário dos sofistas, Sócrates não persuadia pessoas por motivos financeiros.

- Sócrates - diz a acusação - comete crime corrompendo os jovens e não considerando como deuses os deuses que a cidade considera, porém outras divindades novas.

Depois, Sócrates explica que a razão pela qual se encontra nessa situação é devido à sua sabedoria, afirmando que é "arrazoado ser sábio". Durante uma visita a Delfos, Xenofonte questionou a um oráculo sobre quem era o homem mais sábio do mundo, e este lhe respondeu que era Sócrates.

O grego, surpreso com o que ouviu, decidiu investigar o que significava "ser sábio". Então, se dirigiu a quem era considerado como tal, mas descobriu que eles não possuíam as certezas e o conhecimento que acreditavam ter.

Conversa entre Sócrates e Meleto

O ato de comportamento levou os atenienses de diversas profissões a um estado de raiva e insatisfação, fazendo com que decidissem puni-lo.

Assim, penso, sendo eles ambiciosos e resolutos e em grande número, e falando de mim concordemente e persuasivamente, vos encheram os ouvidos caluniando-me de há muito tempo e com persistência. Entre esses, arremessaram-se contra mim Meleto, Anito e Licon: Meleto pelos poetas, Anito pelos artífices, Licon pelo oradores.

Durante o julgamento de Sócrates, Meleto sentiu-se humilhado devido às questões que lhe foram colocadas. O filósofo queria provar a sua inocência através do interrogatório de Meleto; um dos poetas presentes. Primeiramente, pediu-lhe para identificar aqueles que serviam de exemplo para os jovens, porém, Meleto não respondeu.

como quem toma veneno. Meleto passou a enumerar nomes de figuras atenienses de diversas áreas, que o seu rival confirmou serem boas influências. Socrátes fez um comentário pessoal, pois afirmou que, para Meleto, todos os exemplos eram bons, exceto o dele. Em seguida, disse que influenciar alguém sem querer é como tomar veneno involuntariamente.

Mas, ou não os corrompo, ou, se os corrompo, é involuntariamente, e em ambos os casos mentiste. E, se os corrompo involuntariamente, não há leis que mandem trazer aqui alguém, por tais fatos involuntários, mas há as que mandam conduzi-lo em particular, instruindo-o, advertindo-o;

Após avaliar as contradições no discurso do poeta sobre suas crenças religiosas, Sócrates concluiu que elas eram resultado de "medo, intemperança e leviandade juvenil". Aparentemente, o poeta era acusado ao mesmo tempo de ser ateu e acreditar em demônios.

A Vida e a Defesa de Sócrates

Refletindo sobre a raiz do problema, o pensador não se envergonha dos seus atos, pois cumpre o desejo dos deuses. Ele identificou o ódio alimentado por calúnia e insídia como a causa desta questão. Mesmo assim, não se abalou diante de sua discussão com o adversário.

Sócrates tem plena consciência de que está sujeito ao julgamento que poderá resultar numa pena capital, no entanto, não suplica pela sua vida e demonstra não ter medo da morte.

Ninguém sabe, na verdade, se por acaso a morte não é o maior de todos os bens para o homem, e entretanto todos a temem, como se soubessem, com certeza, que é o maior dos males.

Apesar de o enfurecerem, ele lembra aos atenienses que o seu contributo para aquela sociedade e as mensagens que transmitia eram benéficas para todos os que o escutavam. Além disso, garante que, se sobreviver, não mudaria de comportamento.

Por toda parte eu vou persuadindo a todos, jovens e velhos, a não se preocuparem exclusivamente, e nem tão ardentemente, com o corpo e com as riquezas, como devem preocupar-se com a alma, para que ela seja quanto possível melhor, e vou dizendo que a virtude não nasce da riqueza, mas da virtude vem, aos homens, as riquezas e todos os outros bens, tanto públicos como privados.

O filósofo declara que tem dedicado sua vida inteiramente a aprender sobre virtude e conhecimento, deixando de lado seus deveres. Afirma que sua atual condição de pobreza é um testemunho desse compromisso.

Nunca, ao menos, falei de dinheiro; mas igualmente me presto a me interrogar os ricos e os pobres, quando alguém, respondendo, quer ouvir o que digo. e se algum deles se torna melhor, ou não se torna não posso ser responsável, pois que não prometi, nem dei, nesse sentido, nenhum ensinamento.

Sócrates relata ter três filhos, porém se recusa a trazê-los para "rogar a sua absolvição". Após perguntar sobre onde estão esses jovens que foram enganados por ele, revela que não fará nada para interceder por si mesmo.

Em vez de implorar, o autor prefere manter a serenidade e fazer uso da racionalidade para argumentar que o que é justo será realizado pelos cidadãos.

Sentença de Morte Seguida por Discurso Final

Apesar de ter recebido a pena capital, Sócrates não demonstra surpresa. Ao contrário, ele afirma que "contava com isto" e até que esperava um resultado ainda pior (280 votos a favor e 220 contra).

O filósofo condenou a todos ali presentes, afirmando que seriam lembrados como "os assassinos de um sábio". A intriga e a maldade foram apontadas como a causa para sua trágica sentença.

Mas, ó cidadãos, talvez o difícil não seja isso: fugir da morte. Bem mais difícil é fugir da maldade, que corre mais veloz que a morte.

Ao refletir sobre o assunto, Sócrates imaginou dois possíveis destinos: seria como uma longa noite, ou ele estaria no Hades dialogando com grandes figuras do passado. Nos seus últimos momentos, ele pediu para que os seus apoiadores permanecessem ao seu lado, para que eles pudessem conversar até o seu fim.

Ao final do discurso, as palavras nos provocam a refletir sobre a vida, a morte e o que podemos esperar dessas experiências.

Mas, já é hora de irmos: eu para a morte, e vós para viverdes. Mas, quem vai para melhor sorte, isso é segredo, exceto para deus.

Quem foram Sócrates e Platão?

Estátua de Sócrates

Sócrates (469 a.C. - 399 a.C.), considerado um dos principais precursores da filosofia ocidental, era um filósofo da Grécia Antiga que não escrevia. Passava o conhecimento que possuía através de conversas orais. Aquilo que conhecemos de seus ensinamentos foi registrado por outros autores, como Platão.

Com o crescimento de sua influência nas gerações mais jovens, Sócrates começou a despertar desconfiança e antipatia entre as pessoas da cidade. Isso resultou em um processo movido por Ânito, Meleto e Lícon, que acusavam o filósofo de heresia e má conduta para com a juventude.

Após trinta dias de encarceramento, o condenado foi executado, tendo de ingerir cicuta na presença de seus amigos.

Escultura de Platão

Platão (428-347 a.C.), discípulo de Sócrates, criou a célebre Academia de Atenas. O filósofo e matemático escreveu vários trabalhos, como os seus diálogos e a 'Apologia', transcrevendo as palavras usadas por Sócrates para se defender.

No filme de Roberto Rossellini de 1971, intitulado Sócrates, a morte do filósofo e o julgamento que a precedeu são retratados. Veja abaixo um trecho:

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Sónia Cunha
Escrito por Sónia Cunha

É licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003) e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006). Ao longo da carreira profissional, exerceu vários cargos em diferentes áreas, como técnico superior de Conservação e Restauro, assistente a tempo parcial na UPT e professora de História do 3º ciclo e ensino secundário. A arte e as letras sempre foram a sua grande paixão.