A lenda do Boto é muito famosa no folclore brasileiro. O Boto, um golfinho de água doce que vive nos rios da Amazônia, é o personagem principal desta narrativa popular.
Parte do imaginário comum dos brasileiros, a personagem é retratada em textos, músicas, filmes, peças de teatro e novelas, tanto presentemente quanto no passado.
A Lenda do Boto Cor-de-Rosa
O Boto, em algumas noites especiais, ganha vida quando a lua está cheia e durante as festas juninas. Nessa ocasião, ele sai do rio e se transforma em um homem encantador e galanteador, vestindo-se de branco.
Usa um chapéu para esconder a sua aparência característica: o nariz grande faz lembrar um golfinho de água doce, e no topo da cabeça existe um orifício para realizar a respiração.
O Boto tem um jeito doce e charmoso que conquista as moças que encontra na beira do rio. Seja surpreendendo-as ou dançando com elas nos bailes, ele tem o dom de seduzi-las. É nessa hora que as leva para dentro da água e fazem amor.
Na manhã seguinte, o Boto regressa à sua forma original e desaparece. As mulheres são encantadas por esta figura misteriosa e frequentemente ficam grávidas como resultado do encontro, obrigando-as a revelar ao mundo a sua história.
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A Lenda do Boto no Folclore Brasileiro
A cultura tradicional brasileira se formou a partir de uma mistura de influências indígenas, africanas e portuguesas. Esta fusão de elementos de diferentes culturas deu origem ao mito, que se caracteriza por um imaginário híbrido, ao mesmo tempo europeu e indígena.
A lenda do Boto, que remonta à região norte do Brasil, na Amazônia, reflete a relação do povo com as águas e como essa conexão se manifesta em suas experiências e crenças.
Hoje, o cetáceo ganhou um caráter mítico, sendo reverenciado e temido em diferentes partes do Brasil. É comum vê-lo sendo retratado em festas e rituais folclóricos, como na celebração da Festa do Sairé, que ocorre em Alter do Chão, Pará.
Explorando a Lenda: Variações e Curiosidades
O intercâmbio entre as populações das regiões próximas contribuiu para a disseminação da lenda do Boto na cultura brasileira. Tal processo de assimilação tornou a mítica do Boto parte integrante da cultura regional brasileira.
A narrativa foi evoluindo, adaptando-se às circunstâncias da época e da região. No início, ela se ambientava em noites de lua cheia, quando o encantador vinha adorar e conversar com as mulheres que estavam se lavando no rio ou passeando às margens.
Durante as festas juninas, a entidade mágica surge na forma de um homem e vai aos bailes buscando a moça mais bonita para dançar. Por vezes, ele também toca bandolim. Esta é a versão mais difundida atualmente.
Luís da Câmara Cascudo, reconhecido historiador e antropólogo, sintetizou a história, na obra Dicionário do Folclore Brasileiro (1952), com estas palavras:
O boto seduz as moças ribeirinhas aos principais afluentes do Rio Amazonas, e é o pai de todos os filhos de responsabilidade desconhecida. Nas primeiras horas da noite, transforma-se num bonito rapaz, alto, branco, forte, grande dançador e bebedor, e aparece nos bailes, namora, conversa, frequenta reuniões e comparece fielmente aos encontros femininos. Antes da madrugada, volta a ser boto.
Acostumou-se, em algumas regiões, que quando os homens chegassem nas festas tirassem o chapéu e mostrassem o topo da cabeça. Isso veio da tradição oral e escrita, pois eram muitas as narrativas relacionadas a esse costume.
Os Tapuias, índios que não falavam tupi, acreditavam na proteção divina de um ser aquático chamado Mira, que assumia forma humana. Esta versão popular é originária de diversas narrativas indígenas que falavam sobre a entidade.
O Ipupiara era considerado um aliado e protetor pelos povos tupis do litoral. Era visto como um amigo, principalmente dos pescadores e das mulheres que ele ajudava a resgatar das águas. Por esse motivo, o consumo de sua carne foi desaprovado por muitas comunidades.
Ao conhecer o ser encantador, as mulheres se apaixonavam com tanta intensidade que acabavam adoecendo. Após o encontro, ficavam magras e pálidas, e precisavam ser encaminhadas a um curandeiro para se recuperarem da tristeza.
A lenda do Boto remete ao mito de Iara, a Mãe d'Água que encantava com a sua beleza e a sua voz. Segundo alguns relatos, ele também se transformava em mulher, tendo romance com a humanidade que passava a guardar.
No melhor cenário, o Boto rondava a cabana e a canoa do seu amado. No pior, o homem acabava por morrer por causa da exaustão logo após o ato sexual.
Em 1864, no livro Um Naturalista no Rio Amazonas, o explorador britânico Henry Walter Bates descreveu uma história similar à qual tinha aprendido na Amazônia.
Muitas histórias misteriosas são referidas acerca do boto, como é chamado o golfinho maior do Amazonas. Uma delas era de que o boto tinha o hábito de assumir a forma de uma bela mulher, com os cabelos pendentes até os joelhos e, saindo à noite, a passear nas ruas de Ega, encaminhar os moços até ao rio.
Se algum era bastante afoito a segui-la até a praia, ela segurava a vítima pela cintura e a mergulhava nas ondas com um grito de triunfo.
O medo dessa criatura fez com que as populações desenvolvessem hábitos para afastá-la. Era comum esfregar alho nas embarcações para afugentar o monstro. Além disso, as mulheres eram proibidas de estar menstruadas ou vestir vermelho durante um passeio de barco, pois isso poderia atraí-lo.
A Progenitura do Boto
A crença na existência de uma entidade mágica que seduz mulheres tem sobrevivido aos tempos. Mesmo com mudanças, há um fator que permanece inalterável: a lenda é usada como explicação para gravidez de solteiras. Muitas vezes, o mito serve como método para disfarçar relações ilícitas ou extraconjugais.
Ao longo dos séculos, no Brasil, acredita-se que existem crianças cujos pais são desconhecidos e que elas seriam filhas do Boto. Esta situação foi retratada pela obra Cenas da vida amazônica, de 1886, de José Veríssimo.
Rosinha desde esse tempo começou a emagrecer; de pálida que era tornou-se amarela; ficou feia. Tinha um ar triste de mulher desgraçada. Seu pai notou essa mudança e perguntou à mulher a causa dela. Foi o boto, respondeu D. Feliciana, sem dar outra explicação.
Explorando as Variações da Lenda
O mito da mulher selvagem está relacionado à magia e à sexualidade. Ele tem o poder de aproximar a mulher da natureza, incentivando o desejo feminino e provocando a fantasia de um homem com virtudes místicas e habilidade para encantar qualquer pessoa.
No entanto, alguns psicólogos e sociólogos argumentam que às vezes as mulheres podem recorrer à lenda para esconder episódios de violência ou incesto que levaram à sua gravidez.
Explorando as Representações Atuais do Boto
A lenda do Boto, que é contada através de gerações, tem se tornado um elemento importante na cultura brasileira. Ela é retratada através de diversos meios artísticos, tais como literatura, teatro, música e cinema.
O cineasta Walter Lima Jr. dirigiu o filme 'Ele, o Boto' em 1987, estrelado por Carlos Alberto Riccelli.
Humberto Avelar dirigiu um curta-metragem de animação em 2010, que faz parte do projeto Juro que vi, uma série de curtas sobre folclore brasileiro e proteção ambiental. O filme tem como centro um personagem.
Assista ao curta na íntegra!
No ano de 2007, o mito do Boto surgiu na minissérie Amazônia - De Galvez a Chico Mendes, onde Delzuite (Giovanna Antonelli) tem um relacionamento proibido e engravida. Apesar de estar noiva de outro homem, ela engravida de Tavinho, filho de um coronel, e atribui a culpa ao Boto.
Na novela A Força do Querer (2017), conhecemos Rita, uma jovem de Parazinho. Ela acreditava que era uma sereia, pois sentia uma forte conexão com a água e possuía um grande poder de sedução. Rita considerava que isso era uma herança familiar, pois era filha do Boto.
A trilha sonora da novela conta com a participação de Dona Onete, cantora, compositora e poetisa paraense, com o tema "O Boto Namorador". A letra desta canção, cujo título remete ao caráter galanteador do Boto, espécie de Don Juan brasileiro, celebra essa personalidade.
Contam que um moço bonito
Saltava pra namorar
Contam que um moço bonito
Saltava para dançar
Todo vestido de branco
Pra dançar com a cabocla Sinhá
Todo vestido de branco
Pra dançar com a cabocla Iaiá
Todo vestido de branco
Pra dançar com a cabocla Mariá
A Respeito do Boto-cor-de-rosa
O boto, ou Inia geoffrensis, é um golfinho fluvial que tem como hábitat natural os rios Amazonas e Solimões. Estes mamíferos têm coloração variável, mas os adultos - especialmente os machos - costumam ser rosados. "Uiara", termo de origem tupi que significa "senhora da água", é a expressão usada para se referir a essa espécie.