O Folclore Brasileiro e Suas 13 Lendas Incríveis


Escrito por Rebeca Fuks

Desde tempos antigos, as lendas folclóricas têm sido transmitidas de geração em geração por meio da oralidade. Essas histórias - também conhecidas como mitos - são contadas pelo povo de um lugar há muito tempo, trazendo conhecimentos e ensinamentos de forma simbólica.

Muitas vezes, as origens das lendas de cada país ou região são desconhecidas ou podem ter conexões com outras culturas. Essas lendas são únicas para cada lugar.

A cultura brasileira é resultado de uma mistura entre os costumes indígenas, africanos e europeus, o que resultou na criação de inúmeras lendas e personagens da nossa tradição folclórica.

Os mitos folclóricos são símbolos que conectam as pessoas à sua história ancestral. Estas narrativas fantásticas são ricas em significado, revelando a conexão de gerações passadas com o presente.

1. A Aventura de Cuca

Cuca é uma personagem famosa do folclore brasileiro, representada por uma velha senhora com corpo de réptil.

Segundo a cantiga popular "Nana Neném", existe uma feiticeira com o poder de encantar e raptar crianças. Esta figura lenda, tem a habilidade de enfeitiçar as crianças e transportá-las para além do seu alcance.

Nana, neném

Que a Cuca vem pegar

Papai foi na roça

Mamãe foi trabalhar

A lenda de Coca, uma figura assustadora sem forma, nasceu em Portugal para assustar as crianças que não obedecem.

A lendária história do Sítio do Pica Pau Amarelo, que conta 23 volumes escritos ao longo de 27 anos (1920 a 1947) por Monteiro Lobato, tornou-se conhecida no Brasil.

Em 2020, a Netflix lançou a série Cidade Invisível, que apresenta diversos personagens folclóricos brasileiros. Com Alessandra Negrini na pele da Cuca, o papel exibe poderes mágicos como controlar borboletas, ler mentes e fazer as pessoas adormecerem. Isso faz com que a personagem na série se assemelhe mais às origens da lenda do que à figura com corpo de jacaré que muitos conhecem.

A personagem Cuca interpretada por Alessandra Negrini e em O sítio do Pica pau Amarelo

2. Tutu: Uma Alegria Infantil

Tutu Marambá, comumente conhecido como Tutu, é semelhante às personagens que costumam assustar crianças, como o Boi da Cara Preta, o Bicho Papão e a Cuca.

O tutu tem origem europeia, mas ganhou esse nome no Brasil devido à influência da cultura africana. Segundo Câmara Cascudo, historiador e folclorista, a palavra "tutu" é derivada de "quitutu", usada em Angola para se referir a "ogro".

A criatura é retratada como sendo briguenta, musculosa e possuindo pelos. Em algumas versões, ela é descrita como tendo um corpo sem forma definida.

Lenda do Tutu Marambá

A caititu, nome dado ao Porco-do-Mato na Bahia, é notável pela sua força. O animal é conhecido na região por seu nome peculiar.

a lenda do lobo mau, a lenda do urso, e a lenda do homem da lua. As canções para ninar bebês costumam apresentar lendas populares, como a do lobo mal, do urso e do homem da lua.

Tutu marambáia

não venhas mais cá,

que o pai do menino

te manda matá.

Tutu, também integrante do seriado Cidade Invisível, é representado por um homem robusto e barbado que convive com Cuca.

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3. A Lenda de Iara

A Iara é conhecida por ser uma entidade do folclore ligada às águas, sendo assim comumente referida como Mãe D'Água.

Iara, a sereia, parte mulher, parte peixe, fascina os homens com sua encantadora voz, fazendo com que se aproximem do fundo do rio. Infelizmente, o destino deles é o de se afogarem.

Muitas vezes, Yemanjá, a deusa das águas africanas, é associada a esta figura.

lenda da Iara

Muitos grandes escritores, como Machado de Assis e Gonçalves Dias, exploraram a figura de Iara na literatura.

Na Região Amazônica do Brasil, é comum encontrar elementos mitológicos que carregam uma mistura de lendas europeias e elementos indígenas.

O pesquisador João Barbosa Rodrigues descreveu a personagem em 1881 da seguinte maneira:

A Iara é a sereia dos antigos com todos os seus atributos, modificados pela natureza e pelo clima. Vive no fundo dos rios, à sombra das florestas virgens, a tez morena, os olhos e os cabelos pretos, como os filhos do equador, queimados pelo sol ardente, enquanto que a dos mares do norte é loura, e tem olhos verdes como as algas dos seus rochedos.

4. Explorando o Mito do Saci

O personagem mais conhecido do folclore brasileiro é descrito como um menino negro, de uma só perna, travesso, com um gorro vermelho na cabeça e um cachimbo na boca.

A crença na figura do Saci-Pererê remonta à época colonial brasileira. Presente na cultura popular do Sul do país, ele é descrito como um personagem lendário, geralmente com um só pé, vestido com uma capa vermelha e usando uma bengala.

O famoso saci é conhecido por desagradar seus vizinhos com seu jeito brincalhão e divertido. Ele costuma entrar nas casas e causar confusão, como trocar o sal pelo açúcar e desaparecer com objetos. Seu assobio alto e estridente também serve para assustar as pessoas que viajam nas estradas.

O Xamã possui um lado divertido, bem como a capacidade de defender as florestas. Ele tem conhecimento sobre as ervas e plantas medicinais destes habitats, então tem a capacidade de disfarçar os que penetram nas florestas sem autorização.

A figura mítica do saci é reconhecida por todos brasileiros, sendo explorada em muitos meios artísticos, tais como filmes, livros e HQs.

A HQ A Turma do Pererê, criada pelo cartunista Ziraldo em 1959, foi o primeiro gibi colorido do Brasil.

O Saci esteve presente nas obras de Monteiro Lobato e foi contado em um longa-metragem de 1951, dirigido por Rodolfo Nanni.

Filme O saci

5. A Vida do Boto

Numa noite de São João, um sujeito de suposta elegância encantou uma bela moça, levando-a até o rio. Ele desapareceu logo em seguida, como se fosse o lendário Boto, deixando a mulher grávida.

De acordo com a lenda popular na Amazônia, quando a lua está cheia ou durante as festas juninas, um boto cor-de-rosa se transforma em um belo rapaz. Seu traje é elegante e seu chapéu esconde um buraco usado para respirar. Esta criatura mítica sai à noite para cortejar as jovens.

O mito do Boto é uma mistura de cultura europeia e indígena, compondo assim a boa parte dos mitos nacionais.

Na Festa do Sairé, no Pará, a figura dela é celebrada com grande alegria.

Esta história fantástica ainda é usada para justificar concepções indesejadas com homens que não se responsabilizam pela paternidade, bem como casos de abuso e violência sexual contra mulheres de comunidades ribeirinhas.

Olhando para o mito de uma forma poética, vemos nele um símbolo da interligação entre o homem e a natureza.

O filme Ele, o Boto (1987), estrelado por Carlos Alberto Riccelli, é bastante conhecido, tendo sido exibido diversas vezes desde então. Ele interpreta o papel principal da história de ficção.

Victor Sparapane interpretou o personagem Manaus na série Cidade Invisível em 2020.

O Boto em Cidade Invisível

6. Seca o Corpo

Como indicado pelo nome, Corpo-seco é um cadáver muito ressecado que assume a forma de um Morto-vivo e assombra aqueles que cruzam o seu caminho.

Enquanto vivo, o sujeito era tão mau que nem a terra queria dele. É por isso que ele é conhecido como Unhudo. Depois de partir do corpo, ele se transforma no temido Bradador.

Câmara Cascudo, o folclorista, compreende que:

A convergência dos espíritos-bradadores, almas que gritam e choram, comuns no Folclore europeu, como o Corpo-Seco, é uma natural e lógica explicação popular. O cadáver ressequido, expulso da terra, parece rejeitado por ela e só se daria por um pecado excepcionalmente grave. O fantasma gritador (Bradador) deve ser, forçosamente, o espírito que animava o Corpo-Seco. Ambos, espírito e corpo, cumprem uma sina, satisfazendo compromissos morais e religiosos.

corpo seco em Cidade Invisível

7. A Lenda do Curupira

O Curupira é um dos personagens mais famosos da cultura brasileira. É considerado um rapaz de cabelos de fogo, extremamente ágil e resistente. Uma de suas características mais marcantes é seus pés invertidos, o que lhe dá um passo ágil e esquivo.

gravura de 1937 representando o curupira

O tigre é um dos principais defensores das matas. Vive nas florestas e tem a missão de impedi-las de serem danificadas por caçadores e outros homens que desejam prejudicar a natureza. Ele ajuda a confundir os intrusos com suas pegadas e gritos estridentes.

No século XIX, o mito do Lobisomem foi associado a entidades "demoníacas", como se pode observar no primeiro relato conhecido sobre ele, de José de Anchieta em 1560.

É cousa sabida e pela bôca de todos corre que ha certos demonios, a que os Brasis chamam corupira, que acometem aos Indios muitas vezes no mato, dão-lhes de açoites, machucam-os e matam-os. São testemunhas disto os nossos Irmãos, que viram algumas vezes os mortos por eles. Por isso, costumam os Indios deixar em certo caminho, que por asperas brenhas vai ter ao interior das terras, no cume da mais alta montanha, quando por cá passam, penas de aves, abanadores, flechas e outras cousas semelhantes como uma especie de oblação, rogando fervorosamente aos curupiras que não lhes façam mal.

Muitos acreditam que o Curupira tem poderes associados ao medo, mistério e desaparecimento de pessoas nas profundezas florestais. Essa crença tem origem nas lendas que contam a história dessa figura mitológica.

8. A Lenda da Boitatá

Há uma lenda que cerca a figura do Boitatá: um grande dragão de fogo que protege as matas. Dizem que se alguém for destruidor da floresta e olhar para ele, pode perder a visão e sofrer de loucura. Ele é a sentinela das florestas, queimando os invasores com suas chamas.

A palavra Boitatá, de origem tupi-guarani, significa "coisa de fogo" para os índios e é formada pelos termos mboi (coisa) e tatá (cobra).

O ser que habita nas águas transforma-se em uma brasa ardente que inflama o fogo destruidor que é aplicado à floresta.

Os fenômenos ocorridos nos pântanos e brejos que eram conhecidos como fogo-fátuo serviram de origem para o surgimento de um mito. Estes eventos são decorrentes da decomposição de matérias orgânicas, que liberam gases. Quando este gás entra em contato com o oxigênio presente no meio, as partículas luminosas, conhecidas como fótons, são produzidas.

ilustração do Boitatá

9. A Mula sem Rumo

A Mula sem Cabeça é um personagem que aparece na cultura Ibérica e é bem difundido nas regiões nordeste e sudeste do Brasil. Ela está associada ao fogo e frequentemente é alvo de diversas lendas.

Segundo o mito, uma mulher foi condenada por namorar o padre da comunidade e, como punição, foi transformada em mula. A diferença desta mula estava na cabeça onde, em vez de um focinho, havia uma tocha flamejante.

mula sem cabeça

A partir do final da tarde da quinta-feira e durante toda a manhã do dia seguinte, acredita-se que uma mula assombre os pastos relinchando alto e dando muito medo aos moradores locais.

Pensar no mito passado como sendo a história de um castigo aplicado contra a mulher é interessante. No entanto, quem comete essa infração é o padre que já deveria ter assumido um voto de castidade. Assim, é possível entender que tudo faz parte de uma cultura patriarcal que procura culpar a mulher e aplicar penalidades.

10. A Lenda do Lobisomem

Durante as noites de lua cheia, o lobisomem se transforma em uma assustadora criatura híbrida, um misto de homem e lobo. Esta figura imponente é descrita como extremamente feroz.

Ele é conhecido como um antropozoomórfico, uma figura híbrida que possui características humanas (antropo) e animais (zoo). Esta criatura mitológica é presente em várias culturas, como a grega e a egípcia. Por exemplo, na mitologia grega temos os deuses centauros, que têm corpo humano e patas e cauda de cavalo. Já no Egito temos a deusa Hathor, que tem corpo humano e cabeça de vaca.

Na mitologia grega há uma história que conta que um homem chamado Licaón foi transformado por Zeus em lobisomem. Por causa disso, o lobisomem também é conhecido como Licantropo.

A crença popular brasileira afirma que o oitavo filho de um casal terá a chance de se tornar um lobisomem. Esta lenda conta que, nessa condição, ele desenvolverá características desta mítica criatura.

Existem várias versões que dizem que o lobisomem é o sétimo filho de seis mulheres. De acordo com algumas crenças, bebês que não forem batizados se transformariam em lobisomens.

lenda lobisomem

11. O Pequeno Pastor Negrinho

O Negrinho do Pastoreio é um personagem muito conhecido no sul do Brasil. Remontando à época colonial, no século XIX, esta figura é reconhecida como um símbolo abolicionista. Lenda tem conta a história de um garoto negro cujo senhor era muito cruel.

Enquanto cuidava dos cavalos, o menino acidentalmente deixou um deles fugir. Isto o deixou o senhor furioso, então ele ordenou ao menino que o encontrasse. Infelizmente, o negrinho não foi capaz de devolver o animal.

O senhor então submeteu o pequeno escravo a tortura, e o lançou em um formigueiro.

No dia seguinte, surgiu um milagre. O garoto estava ileso, não haviam marcas da violência ou das picadas das formigas. Ao seu lado estava a Virgem Maria, que era a sua protetora.

A lenda conta que o menino, que foi salvo do sofrimento, foi levado aos céus. No entanto, muitos dizem que o negrinho é freqüentemente avistado galopando alegremente nos campos a bordo de um cavalo baio.

negrinho do pastoreio

O filme O Negrinho do Pastoreio, dirigido por Nico Fagundes em 1973, apresentou o célebre ator Grande Otelo interpretando o garoto de uma história emocionante já levada aos cinemas duas vezes.

Em 2008, Evandro Elias foi escalado para viver a personagem do filme Netto e o Domador de Cavalos, que foi uma releitura do filme de mesmo nome.

12. Pisão

Presente no sudeste, a lenda da Pisadeira é sobre uma criatura que assombra as pessoas durante a noite, impedindo-as de conseguir um sono reparador. É dito que, quando alguém exagera na alimentação antes de se deitar, a Pisadeira coloca-se sobre o estômago dessa pessoa.

Durante a madrugada, a personagem costuma se manifestar, relacionada a episódios de paralisia do sono - um fenômeno presente logo após adormecer ou antes de despertar.

A pessoa não pode se mover porque o cérebro acordou, mas o corpo permanece paralisado temporariamente.

A pisadeira apresenta uma figura magra com ossos bem definidos. Suas unhas são longas, as pernas curtas e o cabelo desarrumado. Seus olhos vermelhos contrastam com o som agudo e alto da sua risada.

Henry Fuseli, um pintor suíço, capturou a imagem de uma criatura semelhante em sua tela O Pesadelo em 1781. É interessante observar essa obra.

O pesadelo (1781), tela de Henry Fuseli

13. A Amiga Fulozinha

Há uma lenda do Nordeste sobre uma cabocla mítica: uma moça de cabelos longos e escuros cobrindo seu corpo. Ela vive nas florestas e seu papel é proteger a natureza de invasores e mal-intencionados.

A entidade é muito agradecida por receber ofertas, tais como mel e aveia, e provê grandes benefícios àqueles que ela favorece.

Algumas pessoas confundem a Comadre Fulozinha com a Caipora, pois ambas são protetoras das florestas.

Em 1997, uma banda composta apenas por mulheres foi criada em Recife (PE), com o nome Comadre Fulozinha, em homenagem ao famoso mito folclórico conhecido na região.

Rebeca Fuks
Escrito por Rebeca Fuks

É graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), possui mestrado em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutorado em Estudos de Cultura pelas Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).