Análise de 12 Contos Populares Brasileiros


Escrito por Rebeca Fuks

1. A Tucana e a Raposa

Certa vez uma raposa convidou o tucano para o jantar. A comida era um mingau servido em cima de uma pedra. O pobre tucano teve dificuldade para comer e machucou seu longo bico.

Com raiva, o tucano quis se vingar. Assim, convidou a raposa pra uma refeição em sua casa. Ele disse:

— Amiga raposa, como você me convidou para jantar outro dia, chegou minha vez de retribuir. Venha até minha casa hoje na hora do jantar que servirei uma bela refeição.

A raposa rapidamente se animou e disse que sim.

O tucano então preparou um delicioso mingau e serviu em um comprido jarro. A raposa, faminta, não conseguiu comer do mingau, lambendo apenas um pouco que caíra na mesa.

Enquanto isso o tucano se deliciava com a comida e disse:

— Raposa, a senhora teve o que mereceu, pois fez o mesmo comigo. Fiz isso para te mostrar que não deve querer ser mais esperta do que os outros.

O conto brasileiro "A raposa e o tucano" é uma narrativa que nos apresenta uma análise profunda sobre o comportamento humano, usando a figura de animais.

Sentimentos como soberba e raiva são tratados, e o texto nos mostra como tais atitudes, que não deveriam ser tomadas com o próximo, podem ser desagradáveis.

A raposa achando-se muito esperta, propôs uma "brincadeira" ao tucano, contudo, não imaginava que também passaria pela mesma experiência.

Este conto nos serve de alerta: Trate os outros com o mesmo respeito que você gostaria de receber.

2. Cozinhando sem Fogo com Malazarte

Chegando à cidade, Pedro Malazarte foi se divertir em festas e bares e gastou suas economias. Mas antes de ficar de todo pobre, comprou uma panela e um pouco de comida seguiu seu rumo.

No meio do caminho, viu uma casa abandonada e parou para descansar. Acendeu um fogo e colocou a comida na panela para aquecer.

Percebendo que chegava uma tropa, Pedro apagou rapidamente o fogo. A comida já estava quente e fumegante. Os homens observaram curiosos e perguntaram:

— Que coisa engraçada, você está cozinhando sem fogo?

E Pedro logo respondeu:

— Sim, mas isso é porque a minha panela é especial, ela é mágica!

— E como é isso? Não é preciso de fogo para cozinhar nela?

— Pois é como estão vendo. Aliás, estou pensando em vendê-la. Vocês querem?

Os homens ficaram satisfeitos e pagaram uma boa quantia.

Mais tarde, quando foram usar a panela sem fogo, perceberam que foram enganados, mas a essa altura Pedro Malazarte já estava bem longe.

Pedro Malazarte é extremamente conhecido no Brasil e em Portugal. Sua personalidade astuta, enganadora e cínica é muito bem conhecida.

Neste conto, vemos que ele possui a habilidade de enganar um grupo de homens e persuadi-los a comprar um objeto por um preço bem acima do seu valor real.

A história demonstra tanto a astúcia e a desonestidade de Pedro quanto a inocência de diversas outras pessoas.

3. A Viagem de Malazarte ao Céu

Quando Malazarte morreu e chegou ao céu, disse a São Pedro que queria entrar.

O santo respondeu:

— Estás louco! Pois tens coragem de querer entrar no céu, depois que tantas fizeste pelo mundo?!

— Quero, São Pedro, pois o céu é dos arrependidos, e tudo quanto acontece é por vontade de Deus.

— Mas teu nome não está no livro dos justos e portanto não entras.

— Mas então eu desejava falar com o Padre Eterno.

São Pedro se zangou com aquela proposta. E disse:

— Não, para falares a Nosso Senhor, precisavas entrar no céu, e quem entra no céu dele não pode mais sair.

Malazarte se pôs a lamentar e pediu que o santo ao menos o deixasse espiar o céu, só pela frestinha da porta, para tivesse uma ideia do que fosse o céu e lamentasse o que havia perdido por causa das más artes.

São Pedro, já amolado, abriu uma fresta da porta e Pedro meteu por ela a cabeça.

Mas de repente gritou:

— Olha, São Pedro, Nosso Senhor, que vem falar comigo. Eu não te dizia!

São Pedro voltou-se com o todo o respeito para dentro do céu, a fim de render as suas homenagens ao Padre Eterno que supunha ali vir.

E Pedro Malazarte então pulou para dentro do céu.

O santo viu que tinha sido enganado. Quis pôr Malazarte para fora, mas ele contrariou:

— Agora é tarde! São Pedro, lembre-se que me disse que do céu, uma vez entrando, ninguém pode mais sair. É a eternidade!

E São Pedro não teve remédio senão deixar Malazarte lá ficar.

Uma das obras de Flávio Moreira da Costa, Os grandes contos populares do mundo, conta a história do icônico Pedro Malazarte.

Neste conto podemos imaginar a cena e apreciar o talento de Malazarte, que consegue enganar até mesmo os mais santos.

Desse modo, o personagem possui características que despertam empatia e identificação, como o bom humor e a inteligência. Apesar de seus truques, é possível admirá-lo.

4. O Tesouro de Ouro e os Marimbondos

Um homem rico e um homem pobre viviam pregando peças um ao outro.

um dia, o pobre foi até o rico e lhe pediu um pedaço de terra para começar uma plantação. O rico ofereceu a ele uma terra bem ruim.

O pobre conversou com sua mulher e os dois foram ver o lugar. Quando chegaram, o pobre encontrou uma cumbuca de ouro. O pobre foi honesto e disse ao rico que nas suas terras tinha uma riqueza.

O rico mandou o pobre embora e foi com sua esposa ver a tal riqueza, mas ao chegar, o que encontrou foi uma grande casa de marimbondos. Ele enfiou a casa num saco e foi até a casa do pobre. Lá chegando, gritou:

— Compadre, fecha as portas da sua casa e deixa só uma janela aberta!

O pobre obedeceu e o rico jogou a casa de marimbondos dentro do casebre. Logo em seguida, disse gritando:

— Fecha a janela!

Os marimbondos ao entrarem na casa logo se transformaram em moedas de ouro. O pobre e a família ficaram muito felizes e começaram a juntar a riqueza.

O rico, percebendo a euforia, gritou:

— Abra a porta, compadre!

Mas ouviu como resposta:

— Me deixe aqui, os marimbondos estão me matando!

E foi assim que o rico passou vergonha enquanto o pobre ficou rico.

Neste conto, são abordadas questões de honestidade, soberba e justiça, pondo em evidência a desigualdade social. Ao mesclar a fantasia e a realidade, o autor reflete sobre os temas abordados.

O homem rico, simula ser um amigo do pobre e lhe oferece a porção mais inadequada da terra, contudo, como o pobre era uma pessoa bondosa, ele é recompensado com moedas de ouro.

O conto mostra que ter uma boa índole e ser verdadeiro são fatores que atraem o bem.

5. A Amizade Entre o Macaco e o Coelho

O coelho e o macaco combinaram o seguinte: o macaco estava encarregado de matar borboletas e o colho de matar cobras.

Quando o coelho dormiu, o macaco chegou perto e puxou suas orelhas, dizendo que havia se confundido pensando ser borboletas.

O coelho não gostou nada e devolveu a brincadeira.

Um dia, quando adormeceu o macaco, o coelho lhe deu uma paulada no rabo.

O macaco acordou assustado e com dor. E o coelho lhe disse:

— Agora, por via das dúvidas, preciso me proteger. Embaixo de folhas vou viver.

Esta história curta apresenta os animais como protagonistas e mostra um jogo desagradável entre macaco e coelho. As diferenças físicas entre eles são usadas como desculpa para serem desleais um com o outro.

Dessa forma, a confiança se torna abalada e os envolvidos precisam andar com cautela para que não se sintam desconfortáveis.

6. A Medo da Água do Sapo

Em um dia de sol, dois amigos resolveram descansar numa lagoa.

Viram um sapo dormindo e forma mexer com ele. Seguraram o bicho e zombaram dele, chamando-o de desengonçado e nojento. Resolveram então fazer mais maldade, combinando de jogá-lo no formigueiro.

O sapo então tremeu de medo, mas se conteve e deu um sorriso. Percebendo que o bicho não demostrava medo, um deles disse:

— Ah, não! Vamos cortá-lo em pedacinhos.

O sapo se manteve aparentemente tranquilo e começou a assobiar. Os meninos viram que nada assustava o sapo e então um falou para o outro subir em uma árvore e jogar o animal lá de cima.

O outro ameaçou fazer um churrasco com o sapo. Mas nada tirava a paz do bicho.

Até que um deles disse:

— Vamos jogar esse bicho na lagoa então.

Ao ouvir isso, o sapo gritou desesperado:

— Não! Por favor, façam qualquer coisa, mas não me joguem na lagoa!

Os garotos ficaram satisfeitos por deixar o animal descontrolado e disseram:

— Ah! Então é isso, vamos jogar o sapo na água sim!

O sapo disse que não sabia nadar, mas os meninos o atiraram na lagoa e deram risada.

O bicho então caiu na água e saiu nadando e dando risada. Os garotos ficaram envergonhados e o sapo se salvou!

Mesmo diante de uma situação de grande desigualdade e ameaça, o sapo deste conto não trai suas emoções, o que sugere que sua esperteza e serenidade não são apenas destacáveis, mas também fundamentais para se manterem firmes diante de tão grande maldade e sadismo. Embora ao mesmo tempo confiando que, de alguma forma, algo de bom acontecerá.

Os meninos estavam tão desejosos de infligir sofrimento ao animal que não se deram conta de que estavam libertando-o.

7. O Homem e a Raposa

Uma raposa parou para descansar na estrada em que um homem precisava passar. Esperta, ela se fez de morta. O homem apareceu e falou:

— Que dó da raposa! Fizeram um buraco, deixaram a raposa e foram embora.

Depois que o homem passou, a raposa saiu correndo de novo, foi mais rápida que o homem e deitou-se mais a frente no caminho, fingindo-se morta.

Assim que o homem viu, disse:

— Que coisa! Outra raposa está morta!

Assim, afastou o bicho e colocou folhas sobre ele, seguindo em frente.

A raposa mais uma vez fez o mesmo e fingiu que estava morta na estrada.

O homem chegou e disse:

— Será que alguém fez isso com tantas raposas?

O homem a afastou da estrada e seguiu.

A raposa novamente pregou a mesma peça no pobre homem, que chegando e vendo a mesma cena, disse:

— Que o diabo leve tanta raposa morta!

Segurou o animal pelo rabo e o jogou para o meio do mato.

A raposa então conclui:

— Não podemos abusar das pessoas que nos fazem o bem.

Um conto de fadas comum mostra uma narrativa onde uma pessoa é vítima dos atos negativos de outra, sem compreender a motivação maliciosa por trás dessa ação.

Ao longo do tempo, o homem percebe que algo não está certo. A raposa aprende que não deve abusar da bondade de alguém e da boa natureza do homem. No fim, ela entende que não há nada de errado em ser gentil.

8. O Cancão da Raposa

Em uma manhã chuvosa, o pássaro cancão estava encharcado e triste pousado em uma estrada. Chegou uma raposa e pegou-lhe pela boca para levar aos filhotes.

A raposa estava longe de casa e cansada. Até que chega a um vilarejo, onde alguns meninos começaram a zombar dela. Eis que o pássaro fala:

— Como a senhora vai aceitar calada esses insultos? Isso é um desaforo! Se fosse eu não ficaria quieto.

A raposa então abre a boca para responder aos meninos e assim o cancão sai voando, pousa em um galho e ajuda os garotos a vaiá-la.

Assim como as fábulas de Esopo, este conto traz uma adaptação para os costumes brasileiros.

Neste conto, o tema da esperteza é particularmente enfatizado. O pássaro, aparentemente condenado à morte, tem a perspicácia de aguardar pacientemente a oportunidade de fugir, que se apresenta no momento em que a raposa se deixa envolver por seu próprio orgulho. Assim, o pássaro tem a chance de salvar a própria vida.

9. Qual é a Relação Entre o Cachorro, o Gato e o Rato?”

Havia um tempo em que os animais eram todos amigos e quem os governava era o leão. Um dia, Deus ordenou que o leão libertasse os animais, para que escolhessem onde ir. Todos ficaram felizes.

Assim, o leão entregou as cartas de liberdades para os animais mais rápidos, para que entregassem aos demais.

Foi assim que ele deixou com o gato a carta do cachorro. O gato saiu correndo e no meio do caminho encontrou o rato bebendo mel das abelhas.

O rato então perguntou:

— Amigo gato, onde vai assim com pressa?

— Vou entregar a carta ao cachorro.

— Espere um pouco, venha também beber esse mel gostoso.

O gato concordou com o rato, se fartou de mel e acabou adormecendo. O rato, muito curioso, resolveu mexer nas coisas do gato. Acabou roendo todos os papéis que o colega levava, mas deixou-os na bolsa. Vendo o que fez, resolveu correr para a mata.

Ao acordar, o gato saiu em disparada para entregar a carta ao cachorro. Encontrando o cão, o gato entregou a carta toda carcomida. Não se podia lê-la, nem comprovar ao homem que o cão era bicho livre.

Assim, o cachorro passou a perseguir o gato. O gato, por sua vez, sabendo que aquilo era confusão do rato, também passou a perseguí-lo.

É por isso que os três animais até hoje não se entendem.

Este conto brasileiro explica o surgimento, características e razão de ser de um evento ou criatura. É uma versão regional de histórias semelhantes da Europa, caracterizada como conto etiológico.

No conto, é possível observar a rivalidade entre animais. Isso, aliado à domesticidade dos cães, demonstra como os seres humanos podem influenciar outras espécies.

Quer saber mais? Veja

10. O Caboclo e o Raio de Sol

Um fazendeiro e um caboclo apostaram quem veria em primeiro lugar o primeiro raio de sol nascente. Foram de madrugada para um lugar aberto na fazenda. O fazendeiro ficou de pé, olhando na direção que sol nasce, à espera.

O caboclo se sentou em uma pedra de costas para ele, olhando em direção oposta.

O fazendeiro achou graça da burrice do outro. Então o caboclo grita:

Meu amo, o sol! O sol!

Curioso e espantado que o caboclo visse o sol nascer no poente, o fazendeiro se virou e, assim, um brilho de luz clareava ao longe, vindo do nascente por sobre as nuvens amontoadas, as serras. Era o primeiro raio de sol e o caboclo ganhou a aposta.

Gustavo Barroso, folclorista nacional, narrou este antigo conto brasileiro no livro Contos Tradicionais do Brasil, de Câmara Cascudo.

O homem simples era muito perspicaz, pois conseguiu enganar seu chefe, um fazendeiro que se achava muito esperto. Ele mostrou que, às vezes, a astúcia e a simplicidade são mais poderosas do que a presunção.

11. A Tentadora Preguiça

Estando a filha com dor de parir, saiu a preguiça em busca da parteira.

Setes ano depois ainda se achava em viagem, quando deu uma topada. Gritou muito zangada:

Está no que deu o diabo das pressas...

Afinal, quando chegou em casa com a parteira, encontrou os netos da filha brincando no quintal.

No livro Contos Tradicionais do Brasil, compilado pelo pesquisador Luís da Câmara Cascudo, há histórias contadas desde tempos antigos.

Neste conto, a preguiça é retratada através de uma figura animal com o mesmo nome. Os sete pecados capitais são exibidos a partir deste animal, que é o personagem principal do enredo.

A preguiça levou tanto tempo para chegar à conclusão de uma questão, que quando ela apresentou sua “resposta” já era tarde demais.

12. A Banana Foi Perdida Pelo Macaco

O macaco estava comendo uma banana num galho de pau quando a fruta lhe escorregou da mão e caiu num oco da árvore. O macaco desceu e pediu que o pau lhe desse a banana:

— Pau, me dá a banana!

O pé de pau não deu. O macaco foi falar com o ferreiro e pediu que viesse com o machado cortar o pau.

— Ferreiro, traga o machado para cortar o pau que ficou com a banana!

O ferreiro nem se importou. O macaco procurou o soldado a quem pediu que prendesse o ferreiro. O soldado não quis. O macaco foi ao rei para mandar o soldado prender o ferreiro para este ir com o machado cortar o pau que tinha a banana. O rei não prestou atenção. O macaco apelou para a rainha. A rainha não ouviu. O macaco foi ao rato para roer a roupa da rainha. O rato recusou. O macaco recorreu ao gato para comer o rato. O gato nem ligou. O macaco foi ao cachorro para morder o gato. O cachorro recusou. O macaco procurou a onça para comer o cachorro. A onça não quis. O macaco foi ao caçador para matar a onça. O caçador se negou. O macaco foi até a Morte.

A morte ficou com pena do macaco e ameaçou o caçador, este procurou a onça, que perseguiu o cachorro, que seguiu o gato, que correu o rato, que quis roer a roupa da rainha, que mandou o rei, que ordenou ao soldado que quis prender o ferreiro, que cortou com o machado o pau, de onde o macaco tirou a banana e comeu.

No livro Contos Tradicionais do Brasil, de Câmara Cascudo, está presente o conto em questão.

Os contos acumulativos são muito populares em diferentes regiões da América, não somente no Brasil. Essa tipo de narrativa começa com um evento e leva o ouvinte através de uma série de situações adicionais.

Um exemplo de "capricho" é quando um macaco está tão teimoso que fará de tudo para comer a banana que foi deixada cair de sua própria mão.

Rebeca Fuks
Escrito por Rebeca Fuks

É graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), possui mestrado em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutorado em Estudos de Cultura pelas Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).