Sete Poemas Inspirados na Amazônia - O Pulmão do Mundo


Escrito por Sónia Cunha

A floresta Amazônica está recebendo mais atenção do que nunca, infelizmente devido aos piores motivos. Seu valor é inestimável e o mundo inteiro está começando a perceber isso.

A preservação da Amazônia é fundamental para a sobrevivência da biodiversidade existente ali e para o nosso próprio planeta. Seria impensável perder essa maravilha da natureza.

Como homenagem, reunimos alguns poemas de autores da região para mostrar o seu encanto. Essas obras nos permitem conhecer melhor elementos da fauna, da flora, lendas e costumes por meio de versos de várias gerações. Venha conferir!

1. A Vida de Iara, de Benjamin Sanches (1915-1978)

Surgiu do leito do rio sem margens

Cantando a serenata do silêncio,

Do mar de desejos que a pele esconde,

Trazia sal no corpo inviolável.

Banhando-se no sol da estranha tarde

Cabelo aos pés mulher completamente,

Tatuou nas retinas dos meus olhos,

A forma perfeita da tez morena.

Com a lâmina dos raios penetrantes,

Arando fortemente as minhas carnes,

Espalhou sementes de dor e espanto.

Deixando-me abraçado à sua sombra,

Desceu no hálito da boca da argila

E, ali, adormeceu profundamente.

Benjamin Sanches foi um escritor amazonense que integrou o Clube da Madrugada, uma associação artística e literária dos anos 50. A obra mais conhecida desse autor é "Iara", a qual conta a lenda de origem indígena com o mesmo nome, também chamada de lenda da Mãe d'água.

O poema relata o encontro do sujeito lírico com uma criatura aquática, que se assemelha às lendárias sereias. A beleza desta mulher é tanta que chamou-lhe a atenção quando encontrou-a nas águas de um rio. A Iara foi, então, sua incrível visão.

A imagem, parte das tradições locais com as quais cresceu, ficou bem guardada na memória dele. De acordo com o folclore, era comum os homens ficarem hipnotizados quando vissem a Iara, terminando no fundo do rio.

Mesmo sobrevivendo ao seu encontro com a entidade, o sujeito ficou sob o seu feitiço, como se estivesse abraçado pela sua sombra.

2. A Árvore Bertholetia Excelsa de Jonas da Silva (1880 - 1947)

Se há uma árvore feliz, decerto é a castanheira:

No bosque ela resplende alta e dominadora.

A árvore da balata essa é tão sofredora,

Inspira compaixão a hevea, a seringueira!

Ela sozinha é um bosque e enche toda a clareira...

No ouriço a natureza o seu fruto entesoura

E a colheita presente e a colheita vindoura

Ei-las todas na fronde augusta e sobranceira.

Na casca não se vê sinal de cicatrizes,

De feridas cruéis por onde escorre o látex...

No seu orgulho é assim como as imperatrizes!

Se a posse é disputada entre explosões de nitro,

Na luta em que se queima a pólvora aos arráteis,

— O fruto é quase o sangue: é negociado a litro!

No poema, Jonas da Silva faz um relato da variada riqueza natural da Amazônia, destacando a Bertholetia Excelsa, também conhecida como Castanheira do Pará ou Castanheira do Brasil. Esta árvore de grande porte é muito frequente na região, sendo citada logo no título da obra.

O sujeito dá uma descrição forte e imponente das árvores, contrastando com outras, como balata, hevea e seringueira, que são exploradas pelo homem. Ele expressa seu pesar por causa da exploração, descrevendo os golpes nos troncos, dos quais as substâncias são retiradas, como "feridas cruéis".

A castanheira Bertholetia Excelsa era conhecida por seus frutos comerciais que eram explorados pelos homens. Infelizmente, atualmente ela se encontra ameaçada pelo desmatamento, reduzindo assim sua presença grandiosa.

3. Ritual: Uma Obra de Astrid Cabral (1936)”

Todas as tardes

rego as plantas de casa.

Peço perdão às árvores

pelo papel em que planto

palavras de pedra

regadas de pranto

Astrid Cabral, natural de Manaus, é uma poeta e contista cujos escritos refletem sua proximidade com a natureza. Seu livro de poesia, Ritual, descreve o sujeito lírico em seu ambiente doméstico, regando as plantas.

Em seu poema, "Ritual" parece ter sido escrito para ser intencionalmente ambíguo: podendo ser interpretado tanto como um hábito, parte da rotina, ou como uma cerimônia religiosa ou mágica.

Enquanto cuida de suas plantas, o eu lírico sente-se culpado por escrever livros de poesia impressos em papel, sabendo que isso resulta na abate de mais árvores. Em despedida, ele pede perdão.

Em poucas palavras, é essencial que consigamos ter uma visão de consciência, pois o bem-estar do nosso planeta depende das nossas ações. Precisamos nos esforçar para preservar e apreciar os recursos naturais que o mundo nos oferece.

4. A Guerra do Silêncio - Uma Obra de Márcia Wayna Kambeba (1979)

No território indígena,

O silêncio é sabedoria milenar,

Aprendemos com os mais velhos

A ouvir, mais que falar.

No silêncio da minha flecha,

Resisti, não fui vencido,

Fiz do silêncio a minha arma

Pra lutar contra o inimigo.

Silenciar é preciso,

Para ouvir com o coração,

A voz da natureza,

O choro do nosso chão,

O canto da mãe d’água

Que na dança com o vento,

Pede que a respeite,

Pois é fonte de sustento.

É preciso silenciar,

Para pensar na solução,

De frear o homem branco,

Defendendo nosso lar,

Fonte de vida e beleza,

Para nós, para a nação!

Márcia Wayna Kambeba é uma geógrafa e escritora brasileira de origem Omágua / Kambeba. Ela dedica-se ao estudo dessas identidades e seus respectivos territórios.

Em sua obra literária, é claro o ativismo em defesa dos direitos dos povos indígenas e a condenação das violências que são infligidas e que continuam acontecendo.

O poema Silêncio Guerreiro é um apelo à resistência pacífica, pois os valores da cultura a serem defendidos são apontados como fundamentais. Às vezes, é indispensável calar e atender ao clamor da terra.

O eu lírico sugere que é necessário manter a tranquilidade e pensar com mais profundidade, almejando meios de resistência e preservação dos territórios indígenas e seus tesouros naturais.

Descubra mais sobre a autora, seus escritos e história de vida, ao assistir o vídeo abaixo:

5. Lembranças do Amazonas de Petrarca Maranhão (1913-1985)

Desde que te deixei, ó terra minha,

Jamais pairou em mim consolação,

Porque, se eu longe tinha o coração,

Perto de ti minh’alma se mantinha.

Em êxtase minh’alma se avizinha

De ti, todos os dias, com emoção,

Vivendo apenas dentro da ilusão

De voltar, tal qual vive quando vinha.

Assim, minh’alma vive amargurada

Sem que eu a veja em ti bem restaurada

Das comoções que teve em outras zonas,

Mas para torná-las em felicidade,

É preciso matar toda a saudade,

Fazendo-me voltar ao Amazonas!

Nascido em Manaus, Petrarca Maranhão foi um escritor brasileiro que, durante a juventude, se mudou para o Rio de Janeiro. Suas obras eram permeadas por saudades da terra natal e pelo desejo de retornar.

O sujeito, embora distante, se sente preso ao Amazonas. Esta conexão o faz sentir-se incompleto, sonhando com o lugar da sua infância como sendo o local perfeito para alcançar a felicidade.

6. Tacacá: Uma Receita de Luiz Bacellar (1928 - 2012)

Ponha, numa cuia açu

ou numa cuia mirim

burnida de cumatê:

camarões secos, com casca,

folhas de jambu cozido

e goma de tapioca.

Sirva fervendo, pelando,

o caldo de tucupi,

depois tempere a seu gosto:

um pouco de sal, pimenta

malagueta ou murupi.

Quem beber mais de 3 cuias

bebe fogo de velório.

Se você gostar me espere

na esquina do purgatório.

Luiz Bacellar, nascido em Manaus, é considerado um dos maiores poetas da literatura amazonense. Em seu poema, ele apresenta ao leitor como preparar o tradicional tacacá, prato típico da Amazônia.

Para quem não está familiarizado com os termos usados, o poema pode soar como um mistério, pois contém muitos regionalismos. Refere-se a um prato preparado com ingredientes locais, que se cree ter sido inspirado em uma sopa feita pelos indígenas.

Com uma dose de humor, o sujeito alerta que a iguaria é muito picante e não deve ser consumida em excesso. Como uma ode à gastronomia e costumes locais, a composição está estruturada como uma receita.

Você está curioso? Aqui você pode aprender a fazer isso!

7. Rogel Samuel e o Rio Negro (1943)

Na terra em que eu nasci, desliza um rio

ingente, caudaloso,

porém triste e sombrio;

como noite sem astros, tenebroso;

oual negra serpe, sonolento e frio.

Parece um mar de tinta, escuro e feio:

nunca um raio de sol, vitorioso

penetrou-lhe no seio;

no seio, em cuja profundeza enorme,

coberta de negror,

habitam monstros legendários, dorme

toda a legião fantástica do horror!

Mas, dum e doutro lado,

nas margens, como o Quadro é diferente!

Sob o dossel daquele céu ridente

dos climas do equador,

há tanta vida, tanta,

ó céus! e há tanto amor!

Desde que no horizonte o sol é nado

até que expira o dia,

é toda a voz da natureza um brado

imenso de alegria;

e voa aquele sussurrar de festas,

vibrante de ventura,

desde o seio profundo das florestas

até as praias que cegam de brancura!

Mas o rio letal,

como estagnado e morto,

arrasta entre o pomposo festival

lentamente, o seu manto perenal

de luto e desconforto!

Passa - e como que a morte tem no seio!

Passa - tão triste e escuro, que disséreis,

vendo-o, que ele das lágrimas estéreis

de Satanás proveio;

ou que ficou, do primitivo dia,

quando ao - "faça-se!" - a luz raiou no espaço,

esquecido, da terra no regaço,

um farrapo do caos que se extinguia!

Para acordá-lo, a onça dá rugidos

Que os bosques ouvem de terror transidos!

Para alegrá-lo, o pássaro levanta

voz com Que a própria penha se quebranta!

Das flores o turíbulo suspenso

manda-lhe eflúvios de perene incenso!

Mas debalde rugis, brutos ferozes!

Mas debalde cantais, formosas aves!

Mas debalde incensais, mimosas flores!

Nem cânticos suaves,

nem mágicos olores,

nem temerosas vozes

o alegrarão jamais!... Para a tristeza

atroz, profunda, imensa, que o devora,

nem todo o rir que alegra a natureza!

nem toda a luz com que se enfeita a aurora!

Ó meu rio natal!

Quanto, oh! Quanto eu pareço-me contigo!

eu que no fundo do meu ser abrigo

uma noite escuríssima e fatal!

Como tu, sob um céu puro e risonho,

entre o riso, o prazer, o gozo e a calma,

passo entregue aos fantasmas do meu sonho,

e às trevas de minha alma!

Nascido em Manaus, Rogel Samuel é um escritor, ensaísta e crítico literário. Seu poema Rio Negro aborda um dos maiores afluentes do Rio Amazonas e suas margens, servindo como cenário e tema central.

O mais extenso rio do mundo, cujo nome nos remete a águas negras, circunda paisagens de incrível beleza. O eu lírico, no poema, expressa sua admiração por tudo aquilo que pode observar na terra e nas águas.

O rio, visto como algo obscuro e cheio de mistérios contrasta diretamente com a fauna local, que é vista como sinônimo de vida e alegria. Esses bichos são o que dão encanto ao lugar.

Ao observar o rio, o sujeito sente-se conectado ao seu tom sombrio e triste. Suas águas correndo e invadindo as margens, oferecem uma profunda sensação de melancolia.

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Sónia Cunha
Escrito por Sónia Cunha

É licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003) e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006). Ao longo da carreira profissional, exerceu vários cargos em diferentes áreas, como técnico superior de Conservação e Restauro, assistente a tempo parcial na UPT e professora de História do 3º ciclo e ensino secundário. A arte e as letras sempre foram a sua grande paixão.