Análise e Comentários dos 17 Melhores Poemas de Manoel de Barros


Escrito por Sónia Cunha

Manoel de Barros, considerado um dos maiores poetas brasileiros, viveu entre 1916 e 2014.

Utilizando uma poesia de pequenas coisas e simplicidade, contada do mundo interior, a lírica do artista de Mato Grosso foi formada.

Veja as quinze criações incríveis que fez!

1. Uma Ode ao Bocó

Quando o moço estava a catar caracóis e pedrinhas

na beira do rio até duas horas da tarde, ali

também Nhá Velina Cuê estava. A velha paraguaia

de ver aquele moço a catar caracóis na beira do

rio até duas horas da tarde, balançou a cabeça

de um lado para o outro ao gesto de quem estivesse

com pena do moço, e disse a palavra bocó. O moço

ouviu a palavra bocó e foi para casa correndo

a ver nos seus trinta e dois dicionários que coisa

era ser bocó. Achou cerca de nove expressões que

sugeriam símiles a tonto. E se riu de gostar. E

separou para ele os nove símiles. Tais: Bocó é

sempre alguém acrescentado de criança. Bocó é

uma exceção de árvore. Bocó é um que gosta de

conversar bobagens profundas com as águas. Bocó

é aquele que fala sempre com sotaque das suas

origens. É sempre alguém obscuro de mosca. É

alguém que constrói sua casa com pouco cisco.

É um que descobriu que as tardes fazem parte de

haver beleza nos pássaros. Bocó é aquele que

olhando para o chão enxerga um verme sendo-o.

Bocó é uma espécie de sânie com alvoradas. Foi

o que o moço colheu em seus trinta e dois

dicionários. E ele se estimou

Na poesia de Manoel de Barros, é possível identificar um olhar sereno e inocente sobre o mundo, refletido pelo uso de palavras características como 'moço' e pela sua ingenuidade expressa nas linhas.

A natureza frequentemente é destacada nos textos escritos, seja por meio de elementos como pedras, caracóis, árvores, rios ou pássaros.

Em Bocó, o sujeito vai aprendendo gradativamente o uso das palavras e a língua. Ele o faz de maneira simples.

O autor não especifica quem são o homem e a velha que aparecem no poema; ele conta o episódio da descoberta da palavra "bocó" de forma algo distante.

Terminamos também com uma nota de humor sobre a maneira como a questão foi resolvida (ele foi à procura das definições de Bocó em todos os seus 32 dicionários antes de admirar-se!).

2. A Beleza da Poesia

Todas as coisas cujos valores podem ser

disputados no cuspe à distância

servem para poesia

O homem que possui um pente

e uma árvore serve para poesia

Terreno de 10 x 20, sujo de mato — os que

nele gorjeiam: detritos semoventes, latas

servem para poesia

Um chevrolé gosmento

Coleção de besouros abstêmios

O bule de Braque sem boca

são bons para poesia

As coisas que não levam a nada

têm grande importância

Cada coisa ordinária é um elemento de estima

Cada coisa sem préstimo tem seu lugar

na poesia ou na geral

O trecho acima faz parte do poema "Matéria de Poesia", de Manoel de Barros. Esta obra versa sobre a escolha das palavras e o processo de criação literária, refletindo sobre a arte de compor poesia.

O sujeito aqui tenta descobrir o que constitui material digno de poesia. Ao explicar ao leitor o que deve ser incluído na escrita poética, descobre que a poesia é a arte daquilo que não precisa ter valor material, ou seja, aquilo que não pode ser medido pelo dinheiro. Em resumo: é aquilo que pode ser disputado no cuspe a distância.

A poesia pode ser criada com o que sobra, mas infelizmente o mundo contemporâneo não dá o devido valor. Entretanto, isso revela-se, na verdade, como uma excelente matéria-prima para a composição poética. Desde os elementos mais variados (um carro, um bule, um besouro, etc.), todos podem ser usados para a criação poética.

3. Nada sobre o Livro

É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.

Tudo que não invento é falso.

Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.

Tem mais presença em mim o que me falta.

Melhor jeito que achei para me conhecer foi fazendo o contrário.

Estes cinco versos são parte do Livro sobre nada. Estas palavras de sabedoria são da mente de um poeta do interior, oferecendo profundo conhecimento, porém fragmentado.

Pequenas frases, apesar de curtas e desconectadas, nos provocam e nos incentivam a pensar.

À primeira vista, a simplicidade se apresenta como um véu que esconde as profundas reflexões filosóficas. Porém, quando se termina a leitura, essas frases se tornam um eco persistente.

4. A Remoção da Borra

Prefiro as palavras obscuras que moram nos

fundos de uma cozinha — tipo borra, latas, cisco

Do que as palavras que moram nos sodalícios —

tipo excelência, conspícuo, majestade.

Também os meus alter egos são todos borra,

ciscos, pobres-diabos

Que poderiam morar nos fundos de uma cozinha

— tipo Bola Sete, Mário Pega Sapo, Maria Pelego

Preto etc.

Todos bêbedos ou bocós.

E todos condizentes com andrajos.

Um dia alguém me sugeriu que adotasse um

alter ego respeitável — tipo um príncipe, um

almirante, um senador.

Eu perguntei:

Mas quem ficará com os meus abismos se os

pobres-diabos não ficarem?

O poema já sugere o que leremos logo em seguida: "A Borra" é o que resta no fundo de um recipiente após o preparo de um líquido, tal como o café ou o vinho.

O poeta cria seus versos a partir do que é geralmente ignorado ou considerado dispensável, materiais que ninguém parece se importar.

Um poema autocentrado, a borra, retrata a escrita a partir de um vocabulário cotidiano e acessível. O leitor pode estabelecer uma ligação imediata com os exemplos que são apresentados ao longo do texto.

5. Olhar Inerte

Olhar, reparar tudo em volta, sem a menor intenção de poesia.

Girar os braços, respirar o ar fresco, lembrar dos parentes.

Lembrar da casa da gente, das irmãs, dos irmãos e dos pais da gente.

Lembrar que estão longe e ter saudades deles…

Lembrar da cidade onde se nasceu, com inocência, e rir sozinho.

Rir de coisas passadas. Ter saudade da pureza.

Lembrar de músicas, de bailes, de namoradas que a gente já teve.

Lembrar de lugares que a gente já andou e de coisas que a gente já viu.

Lembrar de viagens que a gente já fez e de amigos que ficaram longe.

Lembrar dos amigos que estão próximos e das conversas com eles.

Saber que a gente tem amigos de fato!

Tirar uma folha de árvore, ir mastigando, sentir os ventos pelo rosto…

Sentir o sol. Gostar de ver as coisas todas.

Gostar de estar ali caminhando. Gostar de estar assim esquecido.

Gostar desse momento. Gostar dessa emoção tão cheia de riquezas íntimas.

Os versos citados são retirados da primeira parte do poema Olhos parados.

Aqui, o sujeito busca parar e refletir sobre a vida. Ele deseja olhar para o passado e ponderar sobre as experiências que já teve.

O autor expressa uma profunda gratidão pelos momentos bons vividos e pelos encontros felizes. Ele reconhece a beleza de sentir-se vivo e pleno, e aprecia a completude que a isso se segue.

Há uma conexão muito íntima entre "Olhos parados" e os seus leitores, permitindo-lhes observar de perto esse momento particular de reflexão e avaliação da vida pessoal.

Veja a leitura deste inestimável poema abaixo:

6. A Beleza dos Caramujos-Flores

Os caramujos-flores são um ramo de caramujos que

só saem de noite para passear

De preferência procuram paredes sujas onde se

pregam e se pastam

Não sabemos ao certo, aliás, se pastam eles

essas paredes ou se são por elas pastados

Provavelmente se compensem

Paredes e caramujos se entendem por devaneios

Difícil imaginar uma devoração mútua

Antes diria que usam de uma transubstanciação:

paredes emprestam seu musgo aos caramujos-flores

e os caramujos-flores às paredes sua gosma

Assim desabrocham como os bestegos

Nessa lírica de Manoel de Barros, a natureza é o tema principal e a composição linguística é usada para criar um efeito lúdico. O poema cujo protagonista é o caramujo-flor é uma representação desse estilo único de escrita.

A questão do ponto de vista é especulada pelo autor: serão os caramujos que pastam na parede ou a parede que é pastada pelo caramujo?

A parede e o caramujo formam um par complementar e indissociável, que constitui o núcleo central do poema. Ambos os elementos estão em perfeita harmonia.

7. Uma História do Orvalho

A maior riqueza do homem é a sua incompletude.

Nesse ponto sou abastado.

Palavras que me aceitam como sou — eu não

aceito.

Não aguento ser apenas um sujeito que abre

portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que

compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora,

que aponta lápis, que vê a uva etc. etc.

Perdoai.

Mas eu preciso ser Outros.

Eu penso renovar o homem usando borboletas.

O intrigante título deste poema nos faz perguntar: como poderíamos contar a história de um orvalho? Seria possível um orvalho ter uma biografia?

A palavra "biografia" geralmente não é associada ao orvalho, um fenômeno natural da natureza. Esta palavra refere-se normalmente à vida de alguém.

Neste poema, vemos um sujeito poético que não se conforma com a figura convencional. Busca mais do que aquilo que é comum: comprar pão, abrir portas e olhar o relógio. Ele deseja se sentir diferente e ser capaz de experimentar novos olhares sobre o que é cotidiano.

A inquietação transparece através da necessidade de criar uma nova linguagem - como o último verso "Eu penso renovar o homem usando borboletas." - que só é possível compreender através dos afetos, não sendo acessível ao raciocínio.

8. A Didática da Invenção

O rio que fazia uma volta

atrás da nossa casa

era a imagem de um vidro mole...

Passou um homem e disse:

Essa volta que o rio faz...

se chama enseada...

Não era mais a imagem de uma cobra de vidro

que fazia uma volta atrás da casa.

Era uma enseada.

Acho que o nome empobreceu a imagem.

No maravilhoso Uma didática da invenção, percebemos como a poesia pode transformar a maneira como interpretamos uma paisagem.

A maioria de nós olharia o contorno do rio e veria uma enseada, designação que condensa de maneira sucinta a configuração da paisagem. No entanto, para o poeta, isso não é suficiente para descrever a beleza da paisagem que se lhe apresenta.

O homem do poema se opõe ao sujeito poético, que se recusava a identificar a formação do rio como uma enseada. Em vez disso, com um olhar cheio de poesia, ele optou por batizar aquela paisagem natural de "Cobra de Vidro", expressão que reflete muito mais beleza que o termo técnico "enseada".

Veja o poeta Manoel de Barros lendo seu poema neste vídeo.

9. A Beleza de um Poema

A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.

Meu fado é o de não saber quase tudo.

Sobre o nada eu tenho profundidades.

Não tenho conexões com a realidade.

Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.

Para mim poderoso é aquele que descobre as

insignificâncias (do mundo e as nossas).

Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.

Fiquei emocionado e chorei.

Sou fraco para elogios.

Ao tratar de poesia, Manoel de Barros nos provoca a refletir sobre nós mesmos. Em "Poema", nos apresentado por meio de dez versos as principais características da sua lírica.

O primeiro verso sobre a origem da poesia logo nos levou a um questionamento mais extenso a respeito das fronteiras do sujeito. As afirmações diferentes que podem parecer desconectadas, mas que, na verdade, ajudam a formar o difícil quebra-cabeça do olhar poético sobre o mundo.

Por meio da sua compreensão ímpar, o poeta atribuía importância a aquilo que era tido como desprezível na visão da maioria. Em decorrência deste fato, alguém o julgou de forma equivocada e o rotulou de imbecil. Contudo, ao invés de se revoltar, ele foi sensibilizado com o adjetivo, dando a ele outro significado.

10. Deslumbrado na Enseada de Botafogo

Como estou só: Afago casas tortas,

Falo com o mar na rua suja…

Nu e liberto levo o vento

No ombro de losangos amarelos.

Ser menino aos trinta anos, que desgraça

Nesta borda de mar de Botafogo!

Que vontade de chorar pelos mendigos!

Que vontade de voltar para a fazenda!

Por que deixam um menino que é do mato

Amar o mar com tanta violência?

Manoel de Barros expressou em sua escrita autobiográfica muitas das suas experiências pessoais. É o que se nota no poema Na enseada de Botafogo, que mostra o encantamento de um sujeito do interior diante da linda paisagem do litoral carioca.

Manoel de Barros, natural de Cuiabá (Mato Grosso), decidiu se mudar para o Rio de Janeiro para cursar a graduação em Direito. Após se formar, voltou ao interior para desenvolver sua carreira.

Apesar de todos os conflitos, o poema mostra a angústia de alguém dividido: o amor pela terra natal e o encantamento pela paisagem da cidade do Rio de Janeiro. Uma contradição entre a fartura da fazenda e a tristeza com a vista dos mendigos é o que move essa pessoa a questionar como ela é capaz de amar com tanta intensidade o oceano.

11. A Palavra de Deus

Deus disse: Vou ajeitar a você um dom:

Vou pertencer você para uma árvore.

E pertenceu-me.

Escuto o perfume dos rios.

Sei que a voz das águas tem sotaque azul.

Sei botar cílio nos silêncios.

Para encontrar o azul eu uso pássaros.

Só não desejo cair em sensatez.

Não quero a boa razão das coisas.

Quero o feitiço das palavras.

Manoel de Barros nos apresenta aqui uma espiritualidade vinculada aos elementos da natureza.

O poeta sugere que Deus o dotou de um "dom": o de ser parte da vida orgânica. Ele observa árvores, rios e pássaros não apenas com admiração, mas também com a sensação de pertencimento.

Explora as palavras e os ideais vazios – como o silêncio – transformando-os em algo tangível, criando imagens mentais que suscitam uma sensação mais profunda do que a mera racionalização.

12. Aprendendo com a Vida

O filósofo Kierkegaard me ensinou que cultura

é o caminho que o homem percorre para se conhecer.

Sócrates fez o seu caminho de cultura e ao fim

falou que só sabia que não sabia de nada.

Não tinha as certezas científicas. Mas que aprendera coisas

di-menor com a natureza. Aprendeu que as folhas

das árvores servem para nos ensinar a cair sem

alardes. Disse que fosse ele caracol vegetado

sobre pedras, ele iria gostar. Iria certamente

aprender o idioma que as rãs falam com as águas

e ia conversar com as rãs.

E gostasse mais de ensinar que a exuberância maior está nos insetos

do que nas paisagens. Seu rosto tinha um lado de

ave. Por isso ele podia conhecer todos os pássaros

do mundo pelo coração de seus cantos. Estudara

nos livros demais. Porém aprendia melhor no ver,

no ouvir, no pegar, no provar e no cheirar.

Chegou por vezes de alcançar o sotaque das origens.

Se admirava de como um grilo sozinho, um só pequeno

grilo, podia desmontar os silêncios de uma noite!

Eu vivi antigamente com Sócrates, Platão, Aristóteles —

esse pessoal.

Eles falavam nas aulas: Quem se aproxima das origens se renova.

Píndaro falava pra mim que usava todos os fósseis linguísticos que

achava para renovar sua poesia. Os mestres pregavam

que o fascínio poético vem das raízes da fala.

Sócrates falava que as expressões mais eróticas

são donzelas. E que a Beleza se explica melhor

por não haver razão nenhuma nela. O que mais eu sei

sobre Sócrates é que ele viveu uma ascese de mosca.

Manoel, em Aprendimentos, oferece-nos um poético texto que lhe permite expressar gratidão por ter adquirido sabedoria a partir das reflexões filosóficas de eminentes pensadores, tal como Sócrates, Kierkegaard e Aristóteles, que faz parte de Memórias Inventadas.

O poeta traduz os pensamentos de filósofos, transformando ideias difíceis ou abstratas em uma linguagem presente na sua poesia. Assim, consegue aproximar esses conceitos ao leitor.

A poesia de Manoel falava com os animais, preenchendo os vazios e o silêncio. Nesse poema, como em todos os outros, encontramos essa mesma linguagem.

13. A Arte do Fotógrafo

Difícil fotografar o silêncio.

Entretanto tentei. Eu conto:

Madrugada a minha aldeia estava morta.

Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.

Eu estava saindo de uma festa.

Eram quase quatro da manhã.

Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.

Preparei minha máquina.

O silêncio era um carregador?

Estava carregando o bêbado.

Fotografei esse carregador.

Tive outras visões naquela madrugada.

Preparei minha máquina de novo.

Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.

Fotografei o perfume.

Vi uma lesma pregada na existência mais do que na

pedra.

Fotografei a existência dela.

Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.

Fotografei o perdão.

Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.

Fotografei o sobre.

Foi difícil fotografar o sobre.

Por fim eu enxerguei a ‘Nuvem de calça’.

Representou para mim que ela andava na aldeia de

braços com Maiakowski – seu criador.

Fotografei a ‘Nuvem de calça’ e o poeta.

Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa

mais justa para cobrir a sua noiva.

A foto saiu legal.

Com um título curto, o poema presente em Ensaios fotográficos resume a tarefa do eu-lírico: O fotógrafo. No entanto, o que o poeta busca capturar não corresponde exatamente ao conceito convencional de fotógrafo. Isso se torna evidente ao ler os primeiros versos do poema.

Manoel de Barros dá um novo sentido à prática da fotografia. Ele não apenas busca eternizar um momento, mas ultrapassar todo e qualquer registro, se permitindo sonhar.

O poema tem um final inesperado, porém isso se encaixa naturalmente com a jornada imaginária e conceitual que foi feita nos versos anteriores.

14. Uma Canção

Aquele homem falava com as árvores e com as águas

ao jeito que namorasse.

Todos os dias

ele arrumava as tardes para os lírios dormirem.

Usava um velho regador para molhar todas as

manhãs os rios e as árvores da beira.

Dizia que era abençoado pelas rãs e pelos

pássaros.

A gente acreditava por alto.

Assistira certa vez um caracol vegetar-se

na pedra.

mas não levou susto.

Porque estudara antes sobre os fósseis lingüísticos

e nesses estudos encontrou muitas vezes caracóis

vegetados em pedras.

Era muito encontrável isso naquele tempo.

Ate pedra criava rabo!

A natureza era inocente.

Em A Biblioteca de Manoel de Barros há um sonho que conta sobre um personagem anônimo, que observava e interagia com o mundo de uma maneira única.

Características importantes na lírica de Manoel de Barros incluem sua relação com a natureza e sua linguagem reimaginada. Estas são bem evidentes nos versos acima.

15. Criador do Nascer do Sol

Sou leso em tratagens com máquina.

Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis.

Em toda a minha vida só engenhei

3 máquinas

Como sejam:

Uma pequena manivela para pegar no sono.

Um fazedor de amanhecer

para usamentos de poetas

E um platinado de mandioca para o

fordeco de meu irmão.

Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias

automobilísticas pelo Platinado de Mandioca.

Fui aclamado de idiota pela maioria

das autoridades na entrega do prêmio.

Pelo que fiquei um tanto soberbo.

E a glória entronizou-se para sempre

em minha existência.

No livro O fazedor de amanhecer, vemos a capacidade de se criar máquinas que não existem ainda, sem necessidade de um propósito específico, desafiando assim a lógica do mundo.

Nos versos de Manoel de Barros, somos desafiados a enxergar o mundo de outra maneira, mais precisamente a partir da ordem do sentido. É o que nos sugere a lírica de toda a sua obra.

O inventor de mãos cheias cria máquinas que fogem às normas culturais de utilitarismo. Estas maquinarias inventadas respondem a necessidades subjetivas, abstratas e que não estão vinculadas às expectativas sociais.

16. Canto dos Passarinhos

Para compor um tratado de passarinhos

É preciso por primeiro que haja um rio com árvores

e palmeiras nas margens.

E dentro dos quintais das casas que haja pelo menos

goiabeiras.

E que haja por perto brejos e iguarias de brejos.

É preciso que haja insetos para os passarinhos.

Insetos de pau sobretudo que são os mais palatáveis.

A presença de libélulas seria uma boa.

O azul é muito importante na vida dos passarinhos

Porque os passarinhos precisam antes de belos ser

eternos.

Eternos que nem uma fuga de Bach.

Na poesia de Manoel de Barros, a natureza é um tema recorrente. Em De passarinhos, ele descreve as condições necessárias para que os passarinhos possam existir: rios, árvores, frutas, brejos e insetos.

Manoel ilustra a necessidade de preservar o equilíbrio ecológico para a sobrevivência de uma espécie. Ele mostra a interdependência entre todos os seres vivos, enfatizando que uma cadeia de biodiversidade tem que ser conservada para a manutenção da vida. Assim, é fundamental estabelecer uma relação harmoniosa entre a fauna, a flora e o meio ambiente.

17. Importância: Uma Análise

Um fotógrafo-artista me disse outra vez: veja que pingo de sol no couro de um lagarto é para nós mais importante do que o sol inteiro no corpo do mar. Falou mais: que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem com barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós. Assim um passarinho nas mãos de uma criança é mais importante para ela do que a Cordilheira dos Andes. Que um osso é mais importante para o cachorro do que uma pedra de diamante. E um dente de macaco da era terciária é mais importante para os arqueólogos do que a Torre Eifel. (Veja que só um dente de macaco!) Que uma boneca de trapos que abre e fecha os olhinhos azuis nas mãos de uma criança é mais importante para ela do que o Empire State Building.

Manoel de Barros nos convida a explorar as coisas de maneiras diferentes, oferecendo múltiplas perspectivas e experiências.

Destaca-se, assim, que tudo é relativo e que não é possível classificar algo como sendo "superior" ou "mais importante" do que outro. É necessário levar em consideração o contexto de cada ser para compreender seu comportamento e suas escolhas.

O poeta é inclusivo, reconhecendo a dignidade de todos, sejam eles crianças, artistas ou cachorros. Todos eles são capazes de determinar o que é mais ou menos significativo para si.

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Em 2010, o documentário intitulado “Manoel de Barros: A poética do escritor mato-grossense”, dirigido por Pedro Cezar, foi lançado para homenagear a produção literária de Manoel de Barros. O trabalho audiovisual é inteiramente dedicado ao seu legado poético.

Aproveite para assistir o filme inteiro!

A Vida de Manoel de Barros

Manoel Wenceslau Leite de Barros, nascido em Cuiabá, Mato Grosso, no dia 19 de dezembro de 1916, tornou-se bastante conhecido pelo grande público pelo uso de seu primeiro e último nome.

Seu trabalho é visto como parte da terceira geração do modernismo, conhecida como "Geração de 45".

Manoel Barros passou sua infância em uma fazenda no Pantanal, que pertencia a seu pai, João Venceslau Barros. Quando adolescente, mudou-se para Campo Grande para estudar em um Colégio Interno.

Em 1937, seu primeiro livro, intitulado Poemas Concebidos Sem Pecados, foi publicado.

Manoel de Barros

No ano de 1941, o poeta se formou ao cursar Direito no Rio de Janeiro. Durante essa época, também se filiou ao Partido Comunista.

Manoel teve a oportunidade de conhecer novas culturas, quando, ansioso pelas novas experiências, ele visitou os Estados Unidos, a Bolívia e o Peru.

No início da década de 1960, decidiu retornar à fazenda que possuía no Pantanal, a fim de criar gado.

A partir dos anos oitenta, o escritor começou a ser consagrado pela crítica, mesmo tendo nunca deixado de escrever. Em 1989, ele recebeu o Prêmio Jabuti com o livro O guardador de águas e, em 2002, foi agraciado novamente com o título O fazedor de amanhecer.

No dia 13 de novembro de 2014, aconteceu o falecimento de alguém em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.

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Sónia Cunha
Escrito por Sónia Cunha

É licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003) e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006). Ao longo da carreira profissional, exerceu vários cargos em diferentes áreas, como técnico superior de Conservação e Restauro, assistente a tempo parcial na UPT e professora de História do 3º ciclo e ensino secundário. A arte e as letras sempre foram a sua grande paixão.