Compreendendo a Poesia Barroca Através de 6 Poemas


Escrito por Rebeca Fuks

A produção da poesia barroca deu início no início do século XV, período marcado pelo Renascimento na Europa. Já, no Brasil, foi introduzido pelos jesuítas no começo do século XVI.

Gregório de Matos (1636-1696) foi o principal representante da poesia barroca no Brasil.

1. Descrição da Bahia por Gregório de Matos

A cada canto um grande conselheiro,

Que nos quer governar cabana e vinha;

Não sabem governar sua cozinha

E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um bem frequente olheiro,

Que a vida do vizinho e da vizinha

Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,

Para o levar à praça e ao terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,

Trazidos sob os pés os homens nobres,

Posta nas palmas toda a picardia,

Estupendas usuras nos mercados,

Todos os que não furtam muito pobres:

E eis aqui a cidade da Bahia.

Gregório de Matos (1636-1696) é reconhecido como o maior nome da literatura barroca brasileira. Sua obra reúne poemas satíricos, líricos-amorosos e religiosos. Entre suas criações satíricas destaca-se O Poeta Descrivo a Bahia, na qual predomina o uso de ironia e deboche.

O sujeito expõe uma série de atitudes censuráveis no lugar em que residia em seus versos.

Muitas vezes, esta poética, caracterizada por um tom de denúncia social, foi recebida com desaprovação por desvelar as personalidades importantes da época através dos versos.

No início do poema, é possível notar um tom sincero, como se alguém estivesse sem receio de revelar a incompetência de políticos da comunidade.

Gregório de Matos, ao escrever sobre a camada governante, também aborda o cotidiano dos baianos, seu estilo de vida e até mesmo a grande desigualdade social entre as pessoas de classes sociais mais elevadas e aquelas de condições financeiras mais modestas. Além disso, retrata os hábitos e costumes curiosos dos vizinhos.

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2. Bento Teixeira e a Descrição do Recife

Para a parte do Sul onde a pequena

Ursa se vê de guardas rodeada,

Onde o Céu luminoso, mais serena,

Tem sua influição, e temperada,

Junto da nova Lusitânia ordena,

A natureza, mãe bem atentada,

Um porto tão quieto, e tão seguro,

Que para as curvas Naus serve de muro.

É este porto tal, por estar posta,

Uma cinta de pedra, inculta, e viva,

Ao longo da soberba, e larga costa,

Onde quebra Neptuno a fúria esquiva,

Entre a praia, e pedra descomposta,

O estranhado elemento se deriva,

Com tanta mansidão, que uma fateixa,

Basta ter à fatal Argos aneixa.

Em o meio desta obra alpestre, e dura,

Sua boca rompeu o Mar inchado,

Que na língua dos bárbaros escura,

Paranambuco, de todos é chamado

De Paraná que é Mar, Puca - rotura,

Feita em fúria desse Mar salgado,

Que sem no derivar cometer míngua,

Cova do Mar se chama em nossa língua.

Embora o grande público não o conheça, Bento Teixeira Pinto (1561-1600) teve um papel significativo na literatura brasileira ao ser o criador do primeiro poema épico produzido no país. Escrito inteiramente com versos barrocos, a obra de Pinto trouxe importantes contribuições para a história literária do Brasil.

Os versos barrocos costumam apresentar uma linguagem muito rebuscada e cheia de detalhes, muitas vezes usando figuras de linguagem para criar jogos com as palavras. Seu principal objetivo é louvar a pátria com esse estilo poético elaborado.

Prosopopeia, de Bento (1601), é sua única obra publicada. Esta foi escrita entre 1584 e 1594 e dedicada a Jorge d’Albuquerque Coelho, que na época era capitão e governador da capitania de Pernambuco. Os Lusíadas (1571), de Luís de Camões, foi uma importante fonte de inspiração para esta obra.

Buscando uma inspiração no poema de Camões, Bento compôs um poema de estrutura formal rigorosa, ao incorporar muitos personagens mitológicos.

Os poemas épicos são conhecidos por se esforçarem para louvar um determinado território. Em Descrição do Recife, é possível notar este tipo de elogio poético ao Recife, à natureza e ao povo brasileiro. Os versos aqui presentes contam a história de um povo e dos seus heróis principais.

O poema não só celebra a nossa terra, mas também serve como uma marca do momento histórico em que foi escrito, tornando-se assim um exemplar significativo da literatura produzida durante o século XVI na colônia.

3. A Morte do Poeta Gregório de Matos na Última Hora

Meu Deus, que estais pendente em um madeiro,

Em cuja lei protesto de viver,

Em cuja santa lei hei de morrer

Animoso, constante, firme e inteiro.

Neste lance, por ser o derradeiro,

Pois vejo a minha vida anoitecer,

É, meu Jesus, a hora de se ver

A brandura de um Pai manso Cordeiro.

Mui grande é vosso amor, e meu delito,

Porém, pode ter fim todo o pecar,

E não o vosso amor que é infinito.

Esta razão me obriga a confiar,

Que por mais que pequei, neste conflito

Espero em vosso amor de me salvar.

Gregório de Matos (1636-1696), um poeta exemplar, escreveu muitos poemas religiosos durante sua vida, especialmente na sua última hora. Estes poemas retratam o pensamento cristão da época, o que era muito comum em um Brasil onde a Igreja Católica detinha forte influência social e política.

Muitos poemas do Barroco se inscrevem em temáticas religiosas e profanas. Estes versos tratam do amor a Deus e da busca da comunhão com o sobrenatural. O poeta cria uma dualidade entre Deus e o homem, unindo-se a essa relação através da poesia. Esta característica se manifesta tanto no Brasil quanto em Portugal.

O sujeito, em O poeta na última hora da sua vida, expressa sua profunda devoção a Jesus, imaginando o final de sua vida e pedindo perdão pelos pecados que cometeu. Ele se declara confiante no Pai Eterno e esperançoso na salvação, mesmo reconhecendo ter errado na terra.

4. Qual o Amor a Que Devo Seguir?, de Francisco Rodrigues Lobo

Que amor sigo? Que busco? Que desejo?

Que enleo é este vão da fantasia?

Que tive? Que perdi? Quem me queria?

Quem me faz guerra? Contra quem pelejo?

Foi por encantamento o meu desejo,

e por sombra passou minha alegria;

mostrou-me Amor, dormindo, o que não via,

e eu ceguei do que vi, pois já não vejo.

Fez à sua medida o pensamento

aquela estranha e nova fermosura

e aquele parecer quase divino.

Ou imaginação, sombra ou figura,

é certo e verdadeiro meu tormento:

Eu morro do que vi, do que imagino.

Com a morte de Camões, em 1580, começou o período barroco em Portugal. Francisco Rodrigues Lobo, nascido em Leiria nesse mesmo ano, foi um dos grandes discípulos do autor, destacando-se na poesia barroca portuguesa; falecendo em Lisboa em 1622.

Em seu poema A Primavera, de 1601, Francisco Rodrigues Lobo retrata o amor como uma fonte de sofrimento. Expressando seu sentimento triste a partir de uma dramática linguagem barroca, o poema começa com uma série de indagações sem resposta até o eu-lírico descrever o seu caso pessoal de amor. O trecho "Que amor sigo?" expressa de modo muito intenso a dor e o sofrimento sentidos pelo autor.

Ao longo dos versos, vemos o amor como algo complexo, contraditório e dual. Não há nenhuma informação sobre o objeto desse sentimento, mas a profunda angústia do eu-lírico é evidente, refletindo o poder de enlevo que o amor possui.

5. Explorando a Ilha de Maré com Manuel Botelho de Oliveira

Jaz oblíqua forma e prolongada

a terra de Maré toda cercada

de Netuno, que tendo o amor constante, lhe dá muitos abraços por amante,

e botando-lhe os braços dentro dela

a pretende gozar, por ser mui bela. Nesta assistência tanto a senhoreia,

e tanto a galanteia,

que, do mar, de Maré tem o apelido, como quem preza o amor de seu querido: e por gosto das prendas amorosas

fica maré de rosas,

e vivendo nas ânsias sucessivas,

são do amor marés vivas;

e se nas mortas menos a conhece, maré de saudades lhe parece.

Vista por fora é pouco apetecida, porque aos olhos por feia é parecida; porém dentro habitada

é muito bela, muito desejada,

é como a concha tosca e deslustrosa, que dentro cria a pérola formosa.

O autor baiano Manuel Botelho de Oliveira (1636-1711), conhecido também como advogado e político, é um dos principais nomes do Barroco no Brasil. Sua primeira obra publicada foi À Ilha de Maré, e lemos um pequeno trecho do poema.

Ao longo dos versos de Manuel Botelho de Oliveira, percebe-se um uso extenso de figuras de estilo, um elemento recorrente na literatura da época barroca, famosa por sua linguagem rebuscada e estética peculiar.

A poesia de À Ilha de Maré apresenta características marcantes do estilo barroco, como o uso de hipérboles, antíteses, paradoxos e metáforas, conferindo-lhe um preciosismo vocabular bastante elaborado.

6. A Trágica Morte de F

Esse jasmim que arminhos desacata,

Essa aurora que nácares aviva,

Essa fonte que aljôfares deriva,

Essa rosa que púrpuras desata;

Troca em cinza voraz lustrosa prata,

Brota em pranto cruel púrpura viva,

Profana em turvo pez prata nativa,

Muda em luto infeliz tersa escarlata.

Jasmim na alvura foi, na luz Aurora,

Fonte na graça, rosa no atributo,

Essa heroica deidade que em luz repousa.

Porém fora melhor que assim não fora,

Pois a ser cinza, pranto, barro e luto,

Nasceu jasmim, aurora, fonte, rosa.

Nascido no Funchal, Francisco de Vasconcelos (1665-1697) foi um influente poeta de estilo barroco português. Após a conclusão de seus estudos na Universidade de Coimbra, ele foi nomeado Ouvidor da Capitania do Funchal.

Com belos jogos de palavras e imagens, A morte de F., um soneto, trata da efemeridade da vida. O poema apresenta uma linguagem rebuscada e uma construção poética elaborada, abordando a reta final da vida de maneira poética.

Ao longo dos versos, percebe-se um tom dramático e um uso intenso de antíteses e figuras de linguagem, que são elementos habituais da poética do Barroco.

Rebeca Fuks
Escrito por Rebeca Fuks

É graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), possui mestrado em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutorado em Estudos de Cultura pelas Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).