Álvares de Azevedo (1831 - 1852) foi um importante escritor brasileiro que pertencia à segunda geração do Movimento Romântico, também conhecida como fase ultrarromântica ou a "doença do século".
O autor, que viveu por apenas 20 anos, deixou marca profunda na história brasileira. Seu universo literário sombrio e melancólico foi profundamente reconhecido e incorporado ao cânone nacional.
1. A Magia do Amor
Amemos! quero de amor
Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão!
Na tu'alma, em teus encantos
E na tua palidez
E nos teus ardentes prantos
Suspirar de languidez!
Quero em teus lábios beber
Os teus amores do céu!
Quero em teu seio morrer
No enlevo do seio teu!
Quero viver d'esperança!
Quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança
Quero sonhar e dormir!
Vem, anjo, minha donzela,
Minh'alma, meu coração...
Que noite! que noite bela!
Como é doce a viração!
E entre os suspiros do vento,
Da noite ao mole frescor,
Quero viver um momento,
Morrer contigo de amor!
O autor deste poema é conhecido por exaltar e idealizar a emoção do amor. É um poema muito famoso.
O sujeito relaciona o amor ao sofrimento, usando palavras que evocam a fragilidade e a tristeza. No entanto, ele vê o relacionamento como a única alternativa para se salvar.
A dor é algo que o eu-lírico deseja evitar a todo custo. Por isso, a melhor opção parece ser um "descanso eterno" ao lado da amada. Ele não se esconde ao expressar seu desejo de compartilhar uma morte romântica, como a dos amantes de Romeu e Julieta.
2. O Meu Sonho
Meu desejo? era ser a luva branca
Que essa tua gentil mãozinha aperta:
A camélia que murcha no teu seio,
O anjo que por te ver do céu deserta....
Meu desejo? era ser o sapatinho
Que teu mimoso pé no baile encerra....
A esperança que sonhas no futuro,
As saudades que tens aqui na terra....
Meu desejo? era ser o cortinado
Que não conta os mistérios do teu leito;
Era de teu colar de negra seda
Ser a cruz com que dormes sobre o peito.
Meu desejo? era ser o teu espelho
Que mais bela te vê quando deslaças
Do baile as roupas de escomilha e flores
E mira-te amoroso as nuas graças!
Meu desejo? era ser desse teu leito
De cambraia o lençol, o travesseiro
Com que velas o seio, onde repousas,
Solto o cabelo, o rosto feiticeiro....
Meu desejo? era ser a voz da terra
Que da estrela do céu ouvisse amor!
Ser o amante que sonhas, que desejas
Nas cismas encantadas de languor!
Este poema de amor é uma manifestação de adoração e devoção por parte do autor à pessoa que ama. Ao longo de sua composição, ele expressa intenso desejo de estar com ela em todas as ocasiões.
O eu-lírico absorveu o desejo de estar próximo do corpo da outra pessoa de forma quase artificial. O erotismo está presente de forma sutil, como no desejo de ser os lençóis na qual ela se deita.
É evidente que a composição expressa emoções antagônicas, como o amor próprio: enquanto há referências a sentimentos disfóricos, também aparecem referências à felicidade e à esperança.
3. Uma Noite Passada Juntos dela
Passei ontem a noite junto dela.
Do camarote a divisão se erguia
Apenas entre nós — e eu vivia
No doce alento dessa virgem bela...
Tanto amor, tanto fogo se revela
Naqueles olhos negros! Só a via!
Música mais do céu, mais harmonia
Aspirando nessa alma de donzela!
Como era doce aquele seio arfando!
Nos lábios que sorriso feiticeiro!
Daquelas horas lembro-me chorando!
Mas o que é triste e dói ao mundo inteiro
É sentir todo o seio palpitando...
Cheio de amores! E dormir solteiro!
O sujeito desse soneto revela que passou a noite próximo à amada. Com sua descrição, ficamos a perceber o olhar dele sobre ela, contemplando a beleza que é alvo de exaltação.
O eu-lírico parece estar encantado pelo sorriso da donzela, que revela o fogo da sua paixão. Dominado por esse sentimento, ele chora de saudade no dia seguinte. Com um tom dramático, ele expressa seu desgosto por querer tanto alguém e a tristeza de estar sozinho.
4. Despedida aos Meus Sonhos!
Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!
Misérrimo! Votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto,
E minh’alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.
Que me resta, meu Deus? Morra comigo
A estrela de meus cândidos amores,
Já não vejo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!
O sentimento pessimista e desanimador desta composição já é estabelecido desde o título. O sujeito poético revela uma apatia emocional, incapaz de sentir mesmo saudades. A esperança é totalmente negligenciada aqui.
Ele se encontra em meio à tristeza e depressão, pois o tempo afastou todas as suas felicidades e faz com que questione a própria existência, desejando a morte. O sentimento de solitária e de desgaste é consequência de toda a entrega a um amor que não é devolvido.
5. Se Amanhã Fosse o Meu Último Dia
Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!
Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que amanhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!
Que sol! que céu azul! que doce n'alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!
Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o doloroso afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!
Aproximadamente, um mês antes de sua morte, o poeta compôs uma poesia que foi lida em seu velório. Refletindo sobre o que ocorreria após sua partida, o autor enumera as vantagens e desvantagens da morte.
Pensando no sofrimento da família e na possibilidade de perder o futuro, ele ainda alimentava esperanças e curiosidade. Contudo, desejando ver as belezas naturais deste mundo, mesmo que isso significasse nunca mais poder ver tais maravilhas, ao final, ele concluiu que seria um alívio para ele, pois assim poderia acabar com o seu sofrimento constante.
6. A Minha Tristeza
Minha desgraça, não, não é ser poeta,
Nem na terra de amor não ter um eco,
E meu anjo de Deus, o meu planeta
Tratar-me como trata-se um boneco....
Não é andar de cotovelos rotos,
Ter duro como pedra o travesseiro....
Eu sei.... O mundo é um lodaçal perdido
Cujo sol (quem mo dera!) é o dinheiro....
Minha desgraça, ó cândida donzela,
O que faz que o meu peito assim blasfema,
É ter para escrever todo um poema,
E não ter um vintém para uma vela.
No início do poema, o sujeito lírico expressa sua triste realidade, anunciando que contará a sua desventura. Na primeira parte, se apresenta como um poeta cujo amor é não correspondido pela mulher, sendo tratado por ela como se fosse "mero boneco".
Na segunda estrofe, o sujeito expressa sua pobreza, mostrando as roupas rasgadas e a falta de conforto que vive.
Ele demonstra grande desânimo e decepção com relação ao mundo, descrevendo-o como "um lamaçal perdido". Ele critica a forma como vivemos, como se fossemos guiados pela busca incessante por dinheiro, como se tivéssemos tornado o dinheiro uma espécie de deus ou próprio sol. Expressando toda sua miséria, cita o momento onde queria escrever um poema, mas não tinha condições financeiras para comprar uma vela para iluminar.
7. Recordações da Morte
Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro,
- Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;
Como o desterro de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade - é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.
Só levo uma saudade - é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas.
De ti, ó minha mãe, pobre coitada,
Que por minha tristeza te definhas!
Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei, que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!
Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores.
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.
Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo.
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!
Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
Foi poeta - sonhou - e amou na vida.
Neste poema, o sujeito poético parece estar se despedindo. Ele associa sua jornada às imagens disfóricas de "tédio", "deserto" e "pesadelo". Ao percorrer suas memórias, ele dá a entender que lhe faltará o carinho de sua mãe, bem como os tempos de felicidade vivenciados quando alimentava seus sonhos de amor.
O eu-lírico reconhece que a mulher pela qual suspirou e que nunca lhe pertenceu sempre foi a única fonte de alegria e esperança. Contemplando seu próprio epitáfio e a maneira com que deseja ser recordado no futuro, ele se define como poeta, sonhador e um amante para todo o sempre.
A Segunda Geração do Romantismo
Durante os séculos XVIII e XIX, o romantismo emergiu na Europa, na Alemanha especificamente, como um movimento artístico e filosófico. Ao longo desse período, a corrente passou por algumas transformações.
Os românticos buscavam fugir da realidade, quebrando os limites impostos por ela e aproveitando a idealização do amor como forma de escapismo. O sentimentalismo era uma das ferramentas utilizadas para se aproximar dessa realidade distinta.
Eles se concentravam na sua própria experiência, contando suas histórias internas, dando voz às emoções mais profundas, como o sofrimento, a solidão e o sentimento de não pertencimento.
Na segunda geração da literatura romântica, conhecida como ultrarromântica, o pessimismo é ainda mais acentuado. Estes sujeitos eram "marcados pelo mal-do-século", ou seja, havia uma tristeza profunda e melancolia que se refletia em seus poemas. Assim, temas recorrentes eram o sofrimento, a saudade e a morte, assim como sentimentos de tédio, isolamento e falta de esperança.
Álvares de Azevedo foi grandemente influenciado por Lord Byron, um dos maiores representantes do Romantismo. Desta forma, tornou-se um dos líderes do chamado Ultra-Romantismo no Brasil ao lado de Casimiro de Abreu. Tinha grande interesse pela leitura de obras de autores românticos.
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A Vida e a Obra de Álvares de Azevedo
Nascido em São Paulo no dia 12 de setembro de 1831, Manoel Antônio Álvares de Azevedo logo foi levado para o Rio de Janeiro, onde se criou. Dotado de grande inteligência e talento, ele se destacou não só como aluno, mas também como escritor.
Após uma viagem prolongada, o jovem retornou a São Paulo para se matricular na Faculdade de Direito localizada no Largo de São Francisco. Durante o seu período de estudos, conheceu inúmeras celebridades pertencentes ao movimento romântico brasileiro.
Durante esse tempo, Álvares de Azevedo começou a trabalhar como autor e tradutor no campo literário. Além disso, ele fundou a revista Sociedade Ensaio Filosófico Paulistano.
Álvares de Azevedo foi um estudioso de línguas como inglês e francês, além de traduzir obras de renomados autores como Byron e Shakespeare. Porém, ainda não teve oportunidade de publicar seus próprios textos, pois faleceu prematuramente.
O poeta sofreu de tuberculose e após uma queda de cavalo, desenvolveu um tumor que acabou por vitimá-lo. Infelizmente, aos 20 anos, falecendo em 25 de abril de 1852.
Álvares de Azevedo teve suas obras publicadas após seu falecimento, tendo um grande destaque no início do século XX por seu alto número de vendas. Além disso, o autor foi incluído na Academia Brasileira de Letras.
Entre as suas obras mais conhecidas encontramos a antologia poética Lira dos Vinte Anos (1853), a peça teatral Macário (1855) e Noite na Taverna (1855), uma coletânea de narrativas.