Poesia de Amor de Fernando Pessoa


Escrito por Carolina Marcello

O poeta português Fernando Pessoa e seus três heterônimos mais famosos, Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis, contribuíram com uma grande quantidade de poesias para a literatura, diversas delas escritas sobre o amor.

O poeta português criou verdadeiras declarações de amor, bem como poemas que abordam a difícil arte de expressar o carinho por meio das palavras.

Cada heterônimo, com seu estilo distintivo, exprimiu ao seu jeito o sentimento de êxtase nos versos.

1. Ridículas são todas as cartas de amor (heterônimo Álvaro de Campos)

Todas as cartas de amor são

Ridículas.

Não seriam cartas de amor se não fossem

Ridículas. Também escrevi em meu tempo cartas de amor,

Como as outras,

Ridículas. As cartas de amor, se há amor,

Têm de ser

Ridículas. Mas, afinal,

Só as criaturas que nunca escreveram

Cartas de amor

É que são

Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia

Sem dar por isso

Cartas de amor

Ridículas.

A verdade é que hoje

As minhas memórias

Dessas cartas de amor

É que são

Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,

Como os sentimentos esdrúxulos,

São naturalmente

Ridículas.)

O poema de Fernando Pessoa sobre amor mais famoso é "Todas as cartas de amor são ridículas". Repetição é usada com eficácia para conduzir os versos, a atmosfera e o leitor a um clímax surpreendente.

O sujeito do poema começa por zombar das cartas de amor, mas, ao concluir, reconhece que é mais ridículo aqueles que não se deixaram seduzir pela paixão.

O poema começa desdenhando as cartas de amor, as considerando uma obra menor e desastrada, típica da juventude. No entanto, de repente, o poeta muda de opinião e passa a o elogiar aqueles que tiveram coragem de enfrentar os seus sentimentos e registrar o amor por meio da escrita.

2. Alberto Caeiro, o Pastor Amoroso

Agora que sinto amor

Tenho interesse nos perfumes.

Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.

Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova.

Sei bem que elas cheiravam, como sei que existia.

São coisas que se sabem por fora.

Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça.

Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira.

Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver.

Ao longo de O pastor amoroso, o poeta descreve como o sentimento de amor revolucionou sua vida e práticas cotidianas. Nesta breve passagem, ele evoca essa transformação ao nos compartilhar os versos acima.

O poema escrito em julho de 1930 não contém rimas e possui uma linguagem simples, uma linguagem com a qual todos nós podemos identificar-nos.

Os versos de Alberto Caeiro nos transportam ao passado, quando o sujeito não percebia que as flores possuíam cheiro. Entretanto, quando ele se apaixonou, a vida ganhou um novo sentido, pois sua perspectiva sobre o mundo se modificou profundamente.

Retratando o sentimento de estar apaixonado, os versos captam exatamente aqueles momentos quando nosso olhar para a rotina se transforma.

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3. Presságio de Fernando Pessoa

O amor, quando se revela,

Não se sabe revelar.

Sabe bem olhar p'ra ela,

Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente

Não sabe o que há de dizer.

Fala: parece que mente...

Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,

Se pudesse ouvir o olhar,

E se um olhar lhe bastasse

P'ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;

Quem quer dizer quanto sente

Fica sem alma nem fala,

Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe

O que não lhe ouso contar,

Já não terei que falar-lhe

Porque lhe estou a falar...

Fernando Pessoa assinou o poema que foi criado em abril de 1928. Ele aborda a complexidade de construir e preservar um relacionamento amoroso.

Nos versos o sujeito expõe o seu desconforto diante da desconexão com a amada, revelando um estado de ânimo pessimista e a incapacidade de lidar com os sentimentos profundos que possui.

A obra poética trata da incerteza em torno do amor, não sendo possível transmitir o sentimento a outra pessoa e o temor de não ter o afecto correspondido.

O maior medo de se apaixonar é a de não ser correspondido. Esta fragilidade expõe quem se envolveu sentimentalmente.

4. A Companhia do Amor: Alberto Caeiro

O amor é uma companhia.

Já não sei andar só pelos caminhos,

Porque já não posso andar só.

Um pensamento visível faz-me andar mais depressa

E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.

Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.

E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.

Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.

Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.

Todo eu sou qualquer força que me abandona.

Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

"O amor é uma companhia" - essa é a mensagem central do poema O pastor amoroso. Essa frase aborda o companheirismo, a convivência e a partilha entre um casal apaixonado. É uma lembrança de que, quando se compartilha o amor, se torna mais forte.

O sujeito afirma que não consegue mais andar sozinho, pois a presença da amada tornou-se uma parte essencial de sua vida, mesmo em sua ausência.

O poema contempla sentimentos e considerações sobre o mundo imaterial, mas termina com uma descrição linda e significativa: a imagem de um girassol com o rosto da amada no meio. Esta representação evidencia o quanto o amoroso valoriza os traços físicos daquela que ama.

5. É Amor o que Tens? (heterônimo Ricardo Reis)

Não sei se é amor que tens, ou amor que finges,

O que me dás. Dás-mo. Tanto me basta.

Já que o não sou por tempo,

Seja eu jovem por erro.

Pouco os Deuses nos dão, e o pouco é falso.

Porém, se o dão, falso que seja, a dádiva

É verdadeira. Aceito,

E a te crer me resigno.

O poema de Fernando Pessoa começa com uma pergunta sobre a autenticidade do afeto recebido, característica presente em suas criações. Porém, rapidamente ele muda de ideia, afirmando que isso não é importante; o que importa é sentir o amor.

É evidente que o mais importante para aquele que escreve é se sentir profundamente amado. Isso é transmitido por seus versos.

Num outro ajuste no poema, o último verso “E a te crer me resigno” é substituído por “Cerro os olhos: que mais quero?”. Esta segunda versão torna ainda mais nítida a aspiração do sujeito ao amor, manifestando que o seu único desejo é ser amado (seja afeição real ou suposta).

6. Talvez Quem Vê Bem Seja Incapaz de Sentir (Heterônimo Alberto Caeiro)

Talvez quem vê bem não sirva para sentir

E não agrade por estar muito antes das maneiras.

É preciso ter modos para todas as cousas,

E cada cousa tem o seu modo, e o amor também.

Quem tem o modo de ver os campos pelas ervas

Não deve ter a cegueira que faz fazer sentir.

Amei, e não fui amado, o que só vi no fim,

Porque não se é amado como se nasce mas como acontece.

Ela continua tão bonita de cabelo e boca como dantes,

E eu continuo como era dantes, sozinho no campo.

Como se tivesse estado de cabeça baixa,

Penso isto, e fico de cabeça alta

E o dourado do sol seca as lágrimas pequenas que não posso deixar de ter. Como o campo é grande e o amor pequeno!

Olho, e esqueço, como o mundo enterra e as árvores se despem.

Eu não sei falar porque estou a sentir.

Estou a escutar a minha voz como se fosse de outra pessoa,

E a minha voz fala dela como se ela é que falasse.

Tem o cabelo de um louro amarelo de trigo ao sol claro,

E a boca quando fala diz cousas que não há nas palavras.

Sorri, e os dentes são limpos como pedras do rio.

Apesar de a relação não ter tido um final feliz, o trecho "Talvez quem vê bem não sirva para sentir" do poema O pastor amoroso, mostra um parceiro que mesmo não estando mais juntos, ainda guarda saudade da amada.

Apesar de não ter sido correspondido, aquele que escreve não consegue se livrar da lembrança da amada. Ela permanece bem viva na memória, com seus cabelos louros e dentes alvos. A beleza dela é ainda exaltada por quem a amou.

Ele se sentia bastante isolado, o que o fez se perguntar sobre a sua própria identidade.

7. Descansa em Meu Peito (Fernando Pessoa)

Dorme sobre o meu seio,

Sonhando de sonhar...

No teu olhar eu leio

Um lúbrico vagar.

Dorme no sonho de existir

E na ilusão de amar.

Tudo é nada, e tudo

Um sonho finge ser.

O 'spaço negro é mudo.

Dorme, e, ao adormecer,

Saibas do coração sorrir

Sorrisos de esquecer.

Dorme sobre o meu seio,

Sem mágoa nem amor...

No teu olhar eu leio

O íntimo torpor

De quem conhece o nada-ser

De vida e gozo e dor.

O sujeito anseia em ser um lugar seguro para a amada e oferece o seu peito como abrigo para que ela possa encontrar conforto.

Mesmo não sabendo nada sobre a pessoa que é o objeto do desejo, conseguimos inferir, através das palavras de Pessoa, que o apaixonado tem o desejo de preservar e cuidar do seu amor. Os gestos de carinho são uma forma de transmitir segurança e atenção.

8. Pouco Quer - Ricardo Reis (Heterônimo)

Quer pouco: terás tudo.

Quer nada: serás livre.

O mesmo amor que tenham

Por nós, quer-nos, oprime-nos.

Ricardo Reis é capaz de levantar, em apenas quatro versos, uma das questões mais frequentes nas interações entre pessoas: como se amar sem limitar o outro? Como se apegar a alguém enquanto se mantém livre?

Sentimento que nos traz tanta alegria e bem-estar, mas também pode nos aprisionar. O poema Quer pouco reflete esse equilíbrio delicado quando se trata de amor.

9. O que me Causa Dolor

O que me dói não é

O que há no coração

Mas essas coisas lindas

Que nunca existirão…

São as formas sem forma

Que passam sem que a dor

As possa conhecer

Ou as sonhar o amor.

São como se a tristeza

Fosse árvore e, uma a uma,

Caíssem suas folhas

Entre o vestígio e a bruma.

No poema de Pessoa "O que me dói", uma melancolia profunda é narrada. O linguajar usado nesses versos é desiluso e distante, refletindo a perspectiva cética do poeta em relação ao amor. Ao invés de explorar o sentimento de amor em uma forma mais comumente vista em poesias, o conteúdo dessa criação reflete a incapacidade de Pessoa de expressar o amor.

Com olhar triste e pesar no coração, o poeta expressa seu sentimento de ausência, de vazio e de solidão. Como se vislumbrasse maravilhas que estavam fora do alcance, tudo aquilo que não pôde ser vivido em sua existência.

Ao final, o poema nos oferece uma imagem poética que sugere o outono, com as folhas das árvores a caírem. Esta é uma premissa para o vindouro inverno, caracterizado pela bruma gélida.

10. Apaixonar-se como o Amor Ama - Fernando Pessoa

Amo como o amor ama

Não sei a razão pra amar-te mais que amar-te

Que queres que te diga mais que te amo

Se o que eu quero dizer-te é que te amo?

Fernando Pessoa escreveu uma curta citação cheia de repetições, retirada de um poema mais longo que versa sobre o amor.

Neste início do poema Primeiro Fausto, o poeta tem a capacidade de expressar, em quatro versos, a opressiva angústia de amar além do que se imagina, bem como a dificuldade de comunicar este intenso sentimento. Evidenciando, assim, uma pérola na sua obra.

11. Quadras Populares de Fernando Pessoa

Deixa que o momento pense

Que ainda vives ao meu lado…

Triste de quem por si mesmo

Precisa ser enganado! (...)

A vida é pouco aos bocados.

O amor é vida a sonhar.

Olho para ambos os lados

E ninguém me vem falar.

Dei-lhe um beijo ao pé da boca

Por a boca se esquivar.

A ideia talvez foi louca.

O mal foi não acertar.

Pessoa nos conta, em sua escrita veloz, sobre um amor que não teve o final que esperava. Os versos acima são parte de um poema maior.

O sujeito, apaixonado, fica devastado ao ver seu amor se afastando. A presença de quem ele amava é substituída pela ausência e ele não consegue aceitá-la de imediato. Incapaz de se conformar com o rompimento, ele ainda tenta um último contato, procurando um beijo que não é correspondido.

A princípio, o sujeito parecia arrependido da sua ideia "louca". Entretanto, acabou ficando claro que sua real pena era não ter acertado na boca.

Carolina Marcello
Escrito por Carolina Marcello

Formou-se em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e possui mestrado em Estudos Literários, Culturais e Interartes pela mesma instituição. Durante os estudos universitários, foi co-fundadora do Grupo de Estudos Lusófonos da faculdade e uma das editoras da revista da mesma, que se dedica às literaturas de língua portuguesa.