Análise dos 7 Poemas de Augusto dos Anjos do livro "Eu"


Escrito por Sónia Cunha

Augusto dos Anjos, nascido na Paraíba em 1884, foi um escritor brasileiro que viveu durante o pré-modernismo. Seus versos eram caracterizados por serem lúgubres e profundos, o que provocou estranhamento entre os contemporâneos.

Sua poesia é difícil de classificar, pois foi influenciada por várias estéticas, como Parnasianismo, Simbolismo e Expressionismo, entre outras.

Em 1912, Eu foi lançado e tornou-se o único livro publicado durante a vida do autor. Após sua morte, uma antologia póstuma, Eu e Outras Poesias, foi publicada e incluía diversas obras assinadas pelo escritor.

1. Poesia Negra

Dorme a casa. O céu dorme. A árvore dorme.

Eu, somente eu, com a minha dor enorme

Os olhos ensangüento na vigília!

E observo, enquanto o horror me corta a fala,

O aspecto sepulcral da austera sala

E a impassibilidade da mobília.

Meu coração, como um cristal, se quebre;

O termômetro negue minha febre,

Torne-se gelo o sangue que me abrasa,

E eu me converta na cegonha triste

Que das ruínas duma casa assiste

Ao desmoronamento de outra casa!

Ao terminar este sentido poema

Onde vazei a minha dor suprema

Tenho os olhos em lágrimas imersos...

Rola-me na cabeça o cérebro oco.

Por ventura, meu Deus, estarei louco?!

Daqui por diante não farei mais versos.

Augusto dos Anjos foi considerado pedante por seus contemporâneos por conta da sua mistura de poesia, termos científicos e filosóficos. Tendo em vista o avanço dos conhecimentos científicos e da medicina naquela época, podemos entender que suas reflexões eram consequência desta realidade e não somente do seu jeito sisudo de escrever.

O sujeito é o único que permanece desperto, o que enfatiza sua solidão. Ele expressa as suas emoções utilizando termos relacionados com seu corpo físico, como olhos, coração e cérebro.

Ele se consume por pensamentos sombrios sobre a morte e a destruição, e considera a poesia como uma maneira de exteriorizar seus sentimentos. A medida que vai compondo suas palavras, chega a questionar sua estabilidade mental, chegando a ponderar se deveria desistir de escrever.

2. As Consequências Psicológicas de uma Derrota

Eu, filho do carbono e do amoníaco,

Monstro de escuridão e rutilância,

Sofro, desde a epigênese da infância,

A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,

Este ambiente me causa repugnância...

Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia

Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —

Que o sangue podre das carnificinas

Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,

E há de deixar-me apenas os cabelos,

Na frialdade inorgânica da terra!

"Psicologia de um vencido", um dos poemas mais consagrados do autor, une com grande expertise a linguagem erudita e informal. Ao recorrer a referências científicas, o eu-lírico busca compreender o que passa por sua mente.

Sentimentos de desânimo e inquietação são bem perceptíveis diante da realidade e do caráter finito da vida. Com uma postura pragmática e otimista, o sujeito tem consciência de que a morte é o destino comum a todos os seres.

Embora seja entendida como parte do ciclo da vida, a morte ainda causa medo, desespero e uma sensação de absurdo diante da jornada que se segue. Dessa forma, percebendo a inevitabilidade da derrota, o ser humano expressa suas angústias.

3. Abaixo do Tamarindo

No tempo de meu Pai, sob estes galhos,

Como uma vela fúnebre de cera,

Chorei bilhões de vezes com a canseira

De inexorabilíssimos trabalhos!

Hoje, esta árvore, de amplos agasalhos,

Guarda, como uma caixa derradeira,

O passado da Flora Brasileira

E a paleontologia dos Carvalhos!

Quando pararem todos os relógios

De minha vida, e a voz dos necrológios

Gritar nos noticiários que eu morri,

Voltando à pátria da homogeneidade,

Abraçada com a própria Eternidade

A minha sombra há de ficar aqui!

Neste poema do autor, há a fusão de temas como a natureza, a memória e o inexorável fluxo do tempo. O autor também usa referências autobiográficas: "Carvalho", que além de uma espécie de árvore, era um dos nomes da família dele.

Durante a infância, o sujeito encontrava alívio para sua tristeza e melancolia junto àquela árvore. Parecendo prever sua própria morte, ele imagine o momento da partida, até que o anúncio chegue.

O seu discurso é ancorado na matéria, porém não deixa de lado o misticismo. A sua lírica reflete um desejo de permanecer ali após a morte, acreditando que a sua existência será eterna. Ao unir ideias que parecem antagônicas, convida-nos a refletir sobre os mistérios da vida.

4. Vida de Solidão

Como um fantasma que se refugia

Na solidão da natureza morta,

Por trás dos ermos túmulos, um dia,

Eu fui refugiar-me à tua porta!

Fazia frio e o frio que fazia

Não era esse que a carne nos conforta...

Cortava assim como em carniçaria

O aço das facas incisivas corta!

Mas tu não vieste ver minha Desgraça!

E eu saí, como quem tudo repele, —

Velho caixão a carregar destroços —

Levando apenas na tumbal carcaça

O pergaminho singular da pele

E o chocalho fatídico dos ossos!

O sujeito se sentia como se já estivesse morto em vida, caminhando pelo deserto de seus dias. Tentou encontrar o refúgio da pessoa amada, mas foi rejeitado. A partir de então, sua tristeza transformou-se em "carcaça", "ossos".

A solidão e o desconsolo são tão intensos que o amor parece a última esperança para o eu-lírico. Contudo, tal não se revela possível e o desânimo aumenta, inevitavelmente, ao ponto de não haver nenhum vestígio de esperança. O eu-lírico aceita o inevitável e espera o juízo final.

5. A Filosofia do Idealismo

Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!

O amor da Humanidade é uma mentira.

É. E é por isto que na minha lira

De amores fúteis poucas vezes falo.

O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!

Quando, se o amor que a Humanidade inspira

É o amor do sibarita e da hetaira,

De Messalina e de Sardanapalo?!

Pois é mister que, para o amor sagrado,

O mundo fique imaterializado

— Alavanca desviada do seu fulcro —

E haja só amizade verdadeira

Duma caveira para outra caveira,

Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!

A partir da sua visão particular sobre o mundo, o autor nos apresenta sua poesia filosófica recheada de interrogações desafiadoras. O eu-lírico, com base em suas experiências pessoais, questiona se o amor verdadeiro existe realmente.

Dado o que conhece, defende que a visão idealista é algo irreal. Considera que é uma forma de mentir e, portanto, evita escrever sobre este tema.

Ele acredita que a humanidade o confunde com a luxúria, o que não lhe permite vivenciar o amor sagrado e puro existente nesse mundo. Por isso, para ele, potencialmente, o ato de morrer seria o caminho para realmente sentir o amor de que tanto anseia.

6. Poesias Íntimas

Vês! Ninguém assistiu ao formidável

Enterro de tua última quimera.

Somente a Ingratidão – esta pantera –

Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!

O Homem, que, nesta terra miserável,

Mora entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!

O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,

Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa boca que te beija!

O título deste poema remete para o sentimento mais íntimo, oculto, dentro da alma. Estes versos nos transmitem a sensação de estar perdido, sem esperança, que envolve estar sozinho.

O eu-lírico rejeita a ideia de se aproximar do outro, pois vê o mundo como "lama", um lugar sujo onde as pessoas agem de maneira ferina e forçam os outros a adotarem o mesmo comportamento como forma de sobrevivência e proteção.

As palavras desta composição indicam para uma triste realidade: aqueles que são amados hoje podem magoar ou trair amanhã. Esta situação causa um sentimento de solidão, impedindo o indivíduo de confiar em quem se mostra próximo e preocupado.

7. A Agonia do Artista

Arte ingrata! E conquanto, em desalento,

A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,

Busca exteriorizar o pensamento

Que em suas fronetais células guarda!

Tarda-lhe a Idéia! A Inspiração lhe tarda!

E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,

Como o soldado que rasgou a farda

No desespero do último momento!

Tenta chorar e os olhos sente enxutos!...

É como o paralítico que, à míngua

Da própria voz e na que ardente o lavra

Febre de em vão falar, com os dedos brutos

Para falar, puxa e repuxa a língua,

E não lhe vem à boca uma palavra

Este é um metapoema – uma composição em verso que reflete sobre o ato de escrever. Para o autor, é algo esgotante e que sempre acaba em desilusão.

Ele sente que a única maneira de se expressar é através de poesia. Usando elementos da biologia, como órbitas e células, exprime seus sentimentos de frustração e impotência. Esta arte "ingrata" é fundamental para ele, pois não consegue chorar nem se mexer.

Desespera-se quando a inspiração não lhe surge, pois acredita que a poesia é capaz de transcender a morte. Por isso, tenta transformar o abstrato em algo palpável, convertendo sentimentos e emoções em palavras.

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Citações Bibliográficas

  • ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. 42. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
  • SABINO, M. Augusto dos Anjos e a Poesia Científica. 2006. Dissertação (Mestrado em Estudos Literários) - Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2006.
  • FERREIRA, R. Conteúdos temáticos e ideológicos em Augusto dos Anjos. 2011. Dissertação (Mestrado em Letras) - Universidade Federal do Espírito Santo, Espírito Santo, 2011.
Sónia Cunha
Escrito por Sónia Cunha

É licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003) e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006). Ao longo da carreira profissional, exerceu vários cargos em diferentes áreas, como técnico superior de Conservação e Restauro, assistente a tempo parcial na UPT e professora de História do 3º ciclo e ensino secundário. A arte e as letras sempre foram a sua grande paixão.