Oito Obras-Primas do Romantismo Brasileiro e Global


Escrito por Sónia Cunha

O romantismo surgiu nas artes brasileiras na primeira metade do século XIX, logo após a independência do país.

Desde o século anterior, o movimento ocorreu na Europa e encontrou uma expressão significativa na literatura. Da mesma forma, isso aconteceu também no Brasil.

Algumas obras literárias tiveram papel fundamental na consolidação de um estilo marcado por versos soltos, exaltação do sentimento humano e idealizações.

1. Gonçalves Magalhães: Suspiros Poéticos e Saudades

"Suspiros poéticos e saudades" é considerada a obra que inaugura o romantismo no Brasil, lançada em 1836.

A obra de Gonçalves Magalhães (1811-1882) foi influenciada pelo estilo europeu, que prezava pela individualidade, expressão afetiva e emocional e nacionalismo.

contracapa do livro Suspiros poéticos e saudades

Esta obra reúne 43 poemas distintos, organizados em duas partes. O conteúdo desta compilação é variado, abordando temas como a religiosidade, assim como fatos históricos ocorridos em lugares que o autor visitou ao longo de suas viagens.

O segundo trecho, designado como Saudades, tem a intenção de evocar o sentimento de saudade em relação aos amores passados, à família e pátria.

Gonçalves Magalhães afirmou no prólogo do seu livro:

É um Livro de Poesias escritas segundo as impressões dos lugares; ora assentado entre as ruínas da antiga Roma, meditando sobre a sorte dos impérios; ora no cimo dos Alpes, a imaginação vagando no infinito como um átomo no espaço, ora na gótica catedral, admirando a grandeza de Deus, e os prodígios do Cristianismo; ora entre os ciprestes que espalham sua sombra sobre túmulos; ora enfim refletindo sobre a sorte da Pátria, sobre as paixões dos homens, sobre o nada da vida. São poesias de um peregrino, variadas como as cenas da Natureza, diversas como as fases da vida, mas que se harmonizam pela unidade do pensamento, e se ligam como os anéis de uma cadeia; poesias d'alma, e do coração, e que só pela alma e o coração devem ser julgadas.

2. Álvares de Azevedo e sua Lira dos Vinte Anos

Álvares de Azevedo (1831-1852), escritor paulista, faleceu aos 20 anos, vítima de tuberculose. A sua obra mais conhecida, a Lira dos Vinte Anos, foi publicada postumamente em 1853.

livro Lira dos vinte anos

O livro de poemas "Suspiros poéticos e saudades" está dividido em três partes.

O autor dos textos parece ter sido abatido pela tristeza causada pela enfermidade e morte prematuras. Suas palavras estão repletas de melancolia, lamentos e frustração, o que é perfeitamente compreensível.

Muitos poemas se adequam à estética ultrarromântica, trazendo os temas da morte e expressando certo desinteresse pela vida.

"Todas as estações, o deserto e o anoitecer" Ao ler o trecho do poema "Lembrança de Morrer" podemos notar características diversas, que compreendem as quatro estações do ano, o deserto e o crepúsculo.

Quando em meu peito rebentar-se a fibra,

Que o espírito enlaça à dor vivente,

Não derramem por mim nenhuma lágrima

Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura

A flor do vale que adormece ao vento:

Não quero que uma nota de alegria

Se cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixa o tédio

Do deserto, o poento caminheiro,

... Como as horas de um longo pesadelo

Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

3. A Morena, de Joaquim Manoel de Macedo

Publicado em 1844, A moreninha é um dos mais importantes clássicos da literatura brasileira, escrito por Joaquim Manuel de Macedo durante a primeira fase de desenvolvimento do movimento romântico. O autor, que se formou médico, dedicou-se à literatura e obteve grande sucesso ao longo da carreira como escritor.

livro A moreninha

A obra é significativa, pois foi o pioneiro de um novo estilo literário - o romance romântico. Até então, nenhum outro livro nesse gênero havia sido publicado, apenas poemas.

Com 23 capítulos, esta ficção se concentra no amor romântico e virginal entre Augusto e Carolina. O tema central é esse idealizado sentimento.

O estilo literário da obra do escritor caracteriza-se por seu caráter coloquial, retratando a conduta da elite carioca na primeira metade do século XIX. Apresentando um viés nacionalista e uma admiração pela beleza da natureza, a narrativa é contada em terceira pessoa.

Com seu enredo repleto de suspense e amor com desfecho feliz, a obra foi muito aclamada pela alta sociedade no passado e ainda é levada a sério nos dias de hoje. Sua leitura açucarada agrada aos leitores de todos os tempos.

Em uma das ruas do jardim duas rolinhas mariscavam: mas, ao sentirem passos, voaram e pousando não muito longe, em um arbusto, começaram a beijar-se com ternura: e esta cena se passava aos olhos de Augusto e Carolina!...

Igual pensamento, talvez, brilhou em ambas aquelas almas, porque os olhares da menina e do moço se encontraram ao mesmo tempo e os olhos da virgem modestamente se abaixaram e em suas faces se acendeu um fogo, que era pejo. E o mancebo, apontando para ambos, disse:

- Eles se amam!

E a menina murmurou apenas:

- São felizes.

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4. A Obra de José de Alencar: O Guarani

Publicado em 1857, O guarani, de José de Alencar, pertence à primeira fase do romantismo brasileiro. A narrativa é indianista, misturando o ambiente de contato entre o homem branco e o índio.

livro O guarani

Esta narrativa é dividida em quatro partes e busca retratar o Brasil no século XVII. Foi originalmente publicada em folhetim, um capítulo por vez, antes de ser lançada como livro.

No romance, há uma idealização do indígena, que é representado pelo protagonista Peri como um herói nacional. Isso reforça o sentimento de patriotismo e o valor da nação.

A obra retrata a beleza exuberante das florestas e a miscigenação resultante do romance entre Peri e Ceci, uma jovem branca, doce e gentil, que se apaixona pelo valente guerreiro.

Com 27 anos de idade, José de Alencar desejou estabelecer um clima nacionalista e idealizado, exibindo uma ligação entre colonizadores e colonizados que não correspondia à realidade. Embora "aprecie" a personalidade de um índio, faz-se segundo os princípios da fé cristã.

— Não há dúvida, disse D. Antônio de Mariz, na sua cega dedicação por Cecília quis fazer-lhe a vontade com risco de vida. É para mim uma das coisas mais admiráveis que tenho visto nesta terra, o caráter desse índio. Desde o primeiro dia que aqui entrou, salvando minha filha, a sua vida tem sido um só ato de abnegação e heroísmo. Crede-me, Álvaro, é um cavalheiro português no corpo de um selvagem!

5. Recordações de um Sargento de Milícias, de Manoel Antônio de Almeida

Esta obra foi inicialmente lançada em formato de folhetim, com seus capítulos publicados no jornal “Correio Mercantil”, entre 1852 e 1853.

Manoel Antônio de Almeida (1830-1861) estabeleceu uma narrativa bem-humorada que reflete os costumes na cidade do Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX.

livro Memórias de um sargento de milícias

A história descrita sai do comum dos romances românticos, pois seu protagonista, Leonardo, não é um herói no sentido tradicional. Não conta com a usuais linguagens rebuscadas e idealizações. É um anti-herói, que se desenvolve de forma diferente do que se espera nesse gênero literário.

A obra não foi feita exclusivamente para a elite: ao contrário, ela destaca as classes baixas da sociedade na trama.

Além disso, podemos afirmar que o livro se enquadra no movimento romântico devido ao seu final feliz, sua atmosfera de aventura e a história de amor protagonizada por Leonardo e Luisinha.

Veja este trecho da alegre obra:

Quando saltaram em terra começou a Maria a sentir certos enojos: foram os dois morar juntos: e daí a um mês manifestaram-se claramente os efeitos da pisadela e do beliscão; sete meses depois teve a Maria um filho, formidável menino de quase três palmos de comprido, gordo e vermelho, cabeludo, esperneador e chorão; o qual, logo depois que nasceu, mamou duas horas seguidas sem largar o peito. E este nascimento é certamente de tudo o que temos dito o que mais nos interessa, porque o menino de quem falamos é o herói desta história.

6. Victor Hugo e os Miseráveis

A obra "Os Miseráveis", escrita pelo francês Victor Hugo (1802-1885), foi publicada em 1862 em diversos países, inclusive no Brasil. É considerada uma das grandes obras da literatura mundial.

livro Os miseráveis, de Victor Hugo

Victor Hugo aborda as mazelas, sofrimentos e lutas sociais em seus escritos românticos, especialmente em O livro e O Corcunda de Notre Dame. Estas obras fazem parte do “romantismo social”, que lida com os problemas da sociedade.

O enredo da narrativa se desenrola no século XIX e é apresentado em terceira pessoa. Acompanha a jornada de vários personagens, tendo o protagonista Jean Valjean. Um homem pobre condenado a anos de prisão por roubar um pedaço de pão para sustentar sua família. Quando ele sai da cadeia, Jean está cheio de ódio e raiva, mas é guiado por um caminho de redenção pautado nos valores cristãos.

O romance destaca-se por conter elementos de suspense, aventura, perseguições e amores inacessíveis. Estes elementos se destacam na obra de maneira a criar uma narrativa emocionante.

Já perscrutamos bastante as profundezas dessa consciência e é chegado o momento de continuarmos a examiná-la. Não o fazemos sem emoção ou estremecimento. Nada existe mais terrível que esse tipo de contemplação.

Os olhos do espírito não podem encontrar em nenhum lugar nada mais ofuscante, nada mais tenebroso que o homem; não poderão fixar-se em nada mais temível, mais complicado, mais misterioso e mais infinito. Existe uma coisa que é maior que o mar: o céu. Existe um espetáculo maior que o céu: é o interior de uma alma.

7. Amor Imortalizado por Camilo Castelo Branco

O escritor português Camilo Castelo Branco (1825-1890) é reconhecido por ser o autor de Amor de Perdição, uma grande obra que contribuiu para o movimento romântico de Portugal. Esta história se passa nas cidades portuguesas de Viseu, Coimbra e Porto, retratando a sociedade do século XIX.

livro Amor de perdição

Simão Botelho e Teresa de Albuquerque são jovens que se apaixonam, porém, por causa da inimizade entre suas famílias, eles não podem concretizar o seu amor - assim como Romeu e Julieta, personagens icônicas da obra de William Shakespeare. A história é uma reflexão acerca das consequências que podem resultar da rivalidade entre clãs.

Esta narrativa em terceira pessoa está cheia de elementos dramáticos, típicos do romantismo, e se caracteriza pela sua intensidade e sentimento de urgência. Infelizmente, não tem um desfecho feliz.

As onze horas em ponto estava Simão encostado á porta do quintal, e a distância convencionada o arreeiro com o cavalo à rédea. A toada da música, que vinha das salas remotas, alvoroçava-o, porque a festa em casa de Tadeu de Albuquerque o surpreendera.

No longo termo de três anos nunca ele ouvira música naquela casa. Se ele soubesse o dia natalício de Teresa, espantara-se menos da estranha alegria daquelas salas, sempre fechadas como em dias de mortório. Simão imaginou desvairadamente as quimeras que voejam, ora negras, ora translúcidas, em redor da fantasia apaixonada. Não há baliza racional para as belas, nem para as horrorosas ilusões, quando o amor as inventa. Simão Botelho, com o ouvido colado à fechadura, ouvia apenas o som das flautas, e as pancadas do coração sobressaltado

8. A Trágica Jornada de Werther, de Goethe

O romance de Goethe (1749-1832) que foi publicado em 1774 é considerado um dos pioneiros do romantismo na Europa. Nele é contada a história de um amor impossível entre Werther e Charlotte.

livro Os sofrimentos do jovem Werther

A obra pode apresentar um caráter autobiográfico, retratando o amor do autor por uma amiga que está casada.

Uma atmosfera trágica, combinada com amor intenso, paixão e sofrimento, faz deste texto uma obra romântica.

É como se alguém tivesse arrancado a cortina que tapava a visão de minha alma… O espetáculo da vida infinita metamorfoseou-se ante mim num túmulo eternamente aberto. Tu poderás dizer: É assim! Mas e quando tudo passa… E quando tudo roda com a celeridade do raio e não conseguimos segurar-nos com a plenitude de nossa energia vital, vendo tudo ser arrebatado pela corrente, e ai!, ser submerso e esmagado contra os rochedos… Então não há instante que não te devore, a ti e aos teus, não há instante em que não sejas, em que não devas ser um destruidor.

O mais inocente dos teus passos custa a vida de milhares de pobres insetos, uma pisada tua destrói o penoso trabalho das formigas e impele um pequeno mundo à tumba ignominiosa. Ah, não são as vossas grandes e raras catástrofes, essas inundações que arrastam vossos vilarejos, esses tremores de terra que submergem vossas cidades, que me impressionam!

O que me consome o coração é essa força dominadora que se oculta sob a totalidade da Natureza, e que nada produz que não destrua o que a rodeia, e por fim a si mesmo… E assim vagueio atormentado por aí. Céu, terra e suas forças ativas em volta de mim! Nada vejo senão um monstro que engole eternamente e eternamente volta a mastigar e a engolir.

Sónia Cunha
Escrito por Sónia Cunha

É licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003) e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006). Ao longo da carreira profissional, exerceu vários cargos em diferentes áreas, como técnico superior de Conservação e Restauro, assistente a tempo parcial na UPT e professora de História do 3º ciclo e ensino secundário. A arte e as letras sempre foram a sua grande paixão.