O movimento modernista marcou uma mudança significativa na arte e na literatura internacional, permitindo a liberdade temática e formal, bem como a ruptura com as tradições.
Em 1922, a Semana de Arte Moderna no Brasil foi um marco na busca de uma identidade nacional que havia sido absente nas produções culturais do país. Isso representou o surgimento do modernismo brasileiro.
A corrente artística teve um grande impacto sobre a literatura e a poesia, dando maior relevância para a utilização da linguagem popular e abordando assuntos relacionados à vida cotidiana brasileira.
O modernismo brasileiro, caracterizado por três fases distintas, foi responsável por produzir alguns dos maiores poetas da literatura nacional.
1. A Poesia de 1922
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto espediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas.
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar & agraves mulheres, etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare.
- Não quero saber do lirismo que não é libertação.
Durante a Semana de Arte Moderna de 1922, Manuel Bandeira apresentou uma obra poética que transmitia suas visões e experiências. Esta composição era uma forma de arte que captava a essência daquilo que o artista queria expressar.
O poeta faz duras críticas à tradição, exigindo o fim de normas e regras ultrapassadas. Ele mostra como essas limitações podem ser desinteressantes e inibir a criatividade.
Bandeira busca o novo defendendo princípios da modernidade como liberdade e experimentação.
2. A Beleza da Moça Tratada com Carinho (1922)
Moça linda bem tratada,
Três séculos de família,
Burra como uma porta:
Um amor.
Grã-fino do despudor,
Esporte, ignorância e sexo,
Burro como uma porta:
Um coió.
Mulher gordaça, filó,
De ouro por todos os poros
Burra como uma porta:
Paciência...
Plutocrata sem consciência,
Nada porta, terremoto
Que a porta de pobre arromba:
Uma bomba.
Mário de Andrade escreveu o poema em 1922, o qual é visto como um dos primeiros trabalhos modernistas da literatura brasileira.
Através do humor, o poeta "Moça Linda Bem Tratada" enumera os defeitos da sociedade brasileira da "alta roda", satirizando a realidade em que vivia.
Embora aparentando manter um cuidado aspeto, a realidade dessas pessoas ricas era bastante diferente: mesmo tendo vastas riquezas, luxos e costumes, elas eram estereotipadas como sendo estúpidas e insensíveis.
A última estrofe do poema declara que mesmo que o "plutocrata" não seja estúpido, ele ainda é perigoso.
3. Retorno à Pátria em Cânticos (1925)
Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo.
O poema Canto de regresso à pátria, do modernista Oswald de Andrade, é uma releitura da Canção do Exílio (1847) de Gonçalves Dias.
Há quase um século, um poeta português elogiou o Brasil. Essas palavras são agora adaptadas à realidade contemporânea.
Oswald celebra a sua terra, São Paulo, nos versos. O modernista não se imerge na natureza, mas sim nos símbolos de progresso das grandes metrópoles. Por fim, os versos finais do poema remetem a essa mesma ideia.
4. Caminhando no Meio do Caminho (1928)
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
"No Meio do Caminho" é um dos poemas mais notáveis de Carlos Drummond de Andrade, sendo uma obra de grande impacto e considerada meio absurda e difícil de compreender.
A provocação modernista desta composição era clara: demonstrar que a poesia poderia abordar qualquer tema, mesmo algo tosco como uma pedra.
A experimentação da época produziu o poema, que tem como base a repetição e o verso livre, desafiando a forma como pensávamos a poesia anteriormente.
5. Falhas de Português em 1927
Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.
Em seu esforço de formar uma identidade nacional brasileira, os modernistas buscavam afastar-se da perspectiva colonizadora, meditando sobre a história do país e sobre a construção de sua cultura.
No maravilhoso Erro de Português, Oswald de Andrade recorda os povos indígenas cujas vidas foram brutalmente terminadas ou drasticamente alteradas devido à invasão dos portugueses.
Com um tom sarcástico, o modernista reflete sobre o passado do Brasil. Ele propõe que o colonizador deveria ter absorvido os costumes e valores indígenas, em vez de forçá-los a se adequar aos seus costumes e valores.
6. A Solidariedade em 1941
Sou ligado pela herança do espírito e do sangue
Ao mártir, ao assassino, ao anarquista.
Sou ligado
Aos casais na terra e no ar,
Ao vendeiro da esquina,
Ao padre, ao mendigo, à mulher da vida,
Ao mecânico, ao poeta, ao soldado,
Ao santo e ao demônio,
Construídos à minha imagem e semelhança.
Murilo Mendes foi uma importante figura na vanguarda nacional e marcou a segunda fase do modernismo brasileiro, conhecida como Geração de 30.
A obra poética do escritor mineiro, influenciada principalmente pelo surrealismo, versa sobre temas distintos, desde a religião até o humor. É uma poesia moderna que abrange muitos assuntos.
Em Solidariedade, Mendes, um defensor da liberdade poética e política, reflete sobre a necessidade de união entre os seres humanos e a importância de superar as barreiras que nos separam.
Murilo Mendes nos lembra de que, independentemente dos rótulos que colocamos uns nos outros ou das crenças ou valores que temos, somos todos feitos da mesma matéria e, portanto, somos iguais.
O poeta questiona as tradições e hierarquias estabelecidas baseadas em recursos financeiros e influência política, sugerindo que todos somos conectados.
7. 1963: A Causa
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
Considerada uma das principais poetas modernistas brasileiras, Cecília Meireles foi uma grande personalidade da história do Modernismo. Tendo também atuado como pintora e educadora, ela se destacou na segunda fase do movimento modernista brasileiro.
Neste poema, a autora reflete sobre sua conexão com a arte poética. É evidente que o sujeito lírico é poeta por natureza. É algo que está intrinsecamente ligado a ele.
Vive confuso quanto às suas emoções, fixando-se nos detalhes e nas coisas efémeras. O poema é o seu modo de enfrentar o mundo e o que irá deixar para trás.
8. Uso de Pronomes em 1925
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.
No início, um dos principais aspectos do modernismo brasileiro foi a utilização de uma linguagem simples, comum ao discurso oral. Essas obras prestaram atenção às expressões regionais, capturando termos do vocabulário típico do Brasil.
Oswald de Andrade, em seus Pronominais, destaca a desarmonia entre a linguagem usada nas escolas e a fala cotidiana brasileira. Ele rejeita as normas ainda presentes e eleva o que é comum entre os brasileiros.
9. Abraços Apertados: 1940
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.
Como modernista de segunda geração, Carlos Drummond de Andrade ficou famoso por sua perspicácia ao focar nas questões sociopolíticas vigentes na sua época.
Em Mãos Dadas, ele rejeita a tradição, negando-se a ser um poeta aprisionado no passado. Ao mesmo tempo, não está interessado em aderir ao futuro.
A importância de prestar atenção ao agora, ao mundo ao nosso redor e às pessoas é abordada nesta composição. Embora tristes, o sujeito e seus companheiros mantêm esperanças e acreditam na união como caminho a seguir, manifestando isso através da ação de "mãos dadas".
Ele rejeita as ideias convencionais e as abstrações filosóficas na poesia, prefere abordar aqueles assuntos que lhe são de interesse, aquilo que vive ou que observa.
10. A Poesia e o Amendoim (1924)
(...)
Brasil...
Mastigado na gostosura quente do amendoim...
Falado numa língua corumim
De palavras incertas num remeleixo melado melancólico...
Saem lentas frescas trituradas pelos meus dentes bons...
Molham meus beiços que dão beijos alastrados
E depois semitoam sem malícia as rezas bem nascidas...
Brasil amado não porque seja minha pátria,
Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der...
Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu braço aventuroso,
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas amores e danças.
Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,
Porque é o meu sentimento pachorrento,
Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.
Optamos por apresentar apenas o excerto final deste poema de Mário de Andrade. Ele relembra a história do Brasil, bem como o processo de miscigenação que fundamenta a sua cultura, e ainda destaca as inúmeras influências estrangeiras que foram incorporadas à nossa identidade.
Comendo amendoim, o sujeito reflete profundamente sobre o seu país e a relação que tem com ele. Analisando o seu "sentimento de ser brasileiro", percebe que o seu amor à pátria não é originado pelo nacionalismo, mas por outras questões não racionais.
O Brasil está marcado em sua essência, envolve o seu modo de ser e estilo de vida. A sua maneira de ver o mundo impressiona-se na sua natureza, gostos, pensamentos e atitudes cotidianas.
11. A Rua de 1947
Bem sei que, muitas vezes,
o único remédio
é adiar tudo. É adiar a sede, a fome, a viagem,
a dívida, o divertimento,
o pedido de emprego, ou a própria alegria.
A esperança é também uma forma
de contínuo adiamento.
Sei que é preciso prestigiar a esperança,
numa sala de espera.
Mas sei também que espera significa luta e não,
[apenas,
esperança sentada.
Não abdicação diante da vida.
A esperança
nunca é a forma burguesa, sentada e tranquila da
[espera.
Nunca é a figura de mulher
do quadro antigo.
Sentada, dando milho aos pombos.
O poeta Cassiano Ricardo, de São José dos Campos, é considerado um dos principais representantes do movimento modernista brasileiro caracterizado pelo nacionalismo. Em A Rua, ele faz uma reflexão social e política sobre o cenário da época que ele retratou.
Em um tom sombrio, o sujeito vê a esperança como um atraso, pois ela nos impede de resolver nossos dilemas.
Declara-se que os brasileiros não devem ser passivos diante da vida e sim lutar para conseguir seus objetivos, mostrando assim a realidade da burguesia.
Está gostando? Leia também
- O Modernismo no Brasil
- Nove Artistas que Participaram da Semana de Arte Moderna
- Explorando o Modernismo
12. O Congresso Internacional do Medo: 1962
Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.
No poema Congresso Internacional do Medo, de Carlos Drummond de Andrade, é possível encontrar uma representação emocionante dos tempos difíceis que o mundo vivia depois do término da Segunda Guerra Mundial. Nessa época, ocorreram mudanças e transformações significativas na sociedade, e a poesia parecia ineficaz para lidar com o sofrimento que esses eventos trouxeram.
Drummond expressou o medo avassalador que paralisava a humanidade, fazendo com que cada pessoa se isolasse cada vez mais e paralisasse suas ações.