Oito Poesias para Homenagear as Mães (Com Análise)


Escrito por Sónia Cunha

O tema da maternidade é uma representação frequente na literatura, especialmente em poesia. A ocasião do dia das mães é uma ocasião especial para muitas pessoas e, nessa data, é comum ler poemas para homenagear esses seres especiais.

Nesta ocasião, queremos dedicar homenagem às mulheres que nos trouxeram ao mundo e nos amaram, dando-nos o seu melhor em todos os momentos.

Nós escolhemos poemas inspiradores sobre mães para lhes mostrar o quanto são significativas em nossas vidas.

1. Conceição Evaristo: Foi de Minha Mãe Todo o Meu Tesouro

O cuidado de minha poesia

Aprendi foi de mãe

mulher de pôr reparo nas coisas

e de assuntar a vida.

A brandura de minha fala

na violência de meus ditos

ganhei de mãe

mulher prenhe de dizeres

fecundados na boca do mundo.

Foi de mãe todo o meu tesouro

veio dela todo o meu ganho

mulher sapiência, yabá,

do fogo tirava água

do pranto criava consolo.

Foi de mãe esse meio riso

dado para esconder

alegria inteira

e essa fé desconfiada,

pois, quando se anda descalço

cada dedo olha a estrada.

Foi mãe que me descegou

para os cantos milagreiros da vida

apontando-me o fogo disfarçado

em cinzas e a agulha do

tempo movendo no palheiro.

Foi mãe que me fez sentir

as flores amassadas

debaixo das pedras

os corpos vazios

rente às calçadas

e me ensinou,

insisto, foi ela

a fazer da palavra

artifício

arte e ofício

do meu canto

de minha fala.

O poema de Conceição Evaristo foi publicado no Coletivo Quilombhoje, em 2002, nos Cadernos Negros. Ele nos emociona profundamente.

A protagonista deste texto expressa seu agradecimento à sua mãe (e, de certa forma, às suas ancestrais) por tê-la ensinado a sentir e se situar no mundo com grande beleza poética.

A mãe de Conceição Evaristo é descrita como sendo uma grande mestra, sábia no conhecimento de viver e extremamente incentivadora com relação às artes da filha.

2. Mario Quintana: Uma Homenagem à Mãe

Mãe... São três letras apenas

As desse nome bendito;

Também o céu tem três letras

E nelas cabe o infinito.

Para louvar nossa mãe,

Todo o bem que se disser

Nunca há de ser tão grande

Como o bem que ela nos quer.

Palavra tão pequenina,

Bem sabem os lábios meus

Que és do tamanho do céu

E apenas menor que Deus!

Mario Quintana foi reconhecido como o "poeta das coisas simples". Seu estilo de escrita surpreendeu pelo seu talento em traduzir sentimentos com palavras e imagens de simplicidade, mas profundamente poéticas.

Em Mãe, Quintana homenageia sua mãe e todas as mães comparando-as ao céu. Esta pequena palavra é usada como um fio condutor e como uma forma de destacar a capacidade que elas têm de amar sem limites.

3. Alice Ruiz: Sem Título

Depois que um corpo

comporta

outro corpo

nenhum coração

suporta

o pouco

Alice Ruiz, em poucas palavras, consegue expressar como se sente a mãe que gesta. O poema captura o sentimento físico e emocional que ela experimenta ao dar à luz uma criança.

Assim, sugere-se que sua habilidade para sentir e amar se expande, da mesma forma que seu ventre cresce.

A maternidade é uma experiência profundamente transformadora que pode ser vivida de várias maneiras, não se limitando necessariamente à gravidez.

4. Manoel de Barros - O Menino Que Transportava Água Na Peneira

Tenho um livro sobre águas e meninos.

Gostei mais de um menino

que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira

era o mesmo que roubar um vento e

sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo

que catar espinhos na água.

O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.

Quis montar os alicerces

de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino

gostava mais do vazio, do que do cheio.

Falava que vazios são maiores e até infinitos.

Com o tempo aquele menino

que era cismado e esquisito,

porque gostava de carregar água na peneira.

Com o tempo descobriu que

escrever seria o mesmo

que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu

que era capaz de ser noviça,

monge ou mendigo ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.

Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.

E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.

Até fez uma pedra dar flor.

A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!

Você vai carregar água na peneira a vida toda.

Você vai encher os vazios

com as suas peraltagens,

e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!

O livro Exercícios de ser criança, de Manoel de Barros, publicado em 1999, traz um poema que retrata a infância de maneira incrível. A obra revela a inventividade e as brincadeiras do menino.

A mãe é descrita como um alicerce emocional, ressaltando sua criatividade e motivando-o a expressar poesia com as coisas mais banais da vida.

É muito importante que as crianças tenham cuidadores que as valorizem, para que possam desenvolver uma auto-estima saudável.

5. Os Mistérios Não Compreendidos por Elisa Lucinda

Saudades de minha mãe.

Sua morte hoje faz um ano e um fato

Essa coisa fez

eu brigar pela primeira vez

com a natureza das coisas:

que desperdício, que descuido

que burrice de Deus!

Não de ela perder a vida

mas a vida de perdê-la.

Olho pra ela e seu retrato.

Nesse dia, Deus deu uma saidinha

e o vice era fraco.

No poema de Elisa Lucinda é possível sentir toda saudade por sua mãe. Uma tristeza que vem acompanhada de indignação por não poder mais contar com a presença dessa figura tão querida.

"Deus" é censurado por Elisa pela partida da mãe, e ela afirma que foi a vida quem perdeu, provavelmente a sua própria. Assim, ela invertia a ordem das coisas.

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6. Tudo o que eu Queria - Paulo Leminski

Minha mãe dizia:

– Ferve, água!

– Frita, ovo!

– Pinga, pia!

E tudo obedecia.

Neste poema de Leminski, a figura materna é glorificada como quase mística. O autor cria um cenário em que a mãe consegue fazer tudo de maneira extraordinariamente simples.

O poema é uma homenagem às mães, mas também serve como uma ocasião para colocarmos em discussão se as tarefas domésticas são mesmo tão simples e prazerosas ou se são historicamente impostas principalmente às mulheres e mães. Com isso, fica evidente a necessidade de buscarmos formas de dividir melhor esse trabalho entre todos os membros de uma família.

7. Eternamente - Drummond

Por que Deus permite

Que as mães vão-se embora?

Mãe não tem limite

É tempo sem hora

Luz que não apaga

Quando sopra o vento

E chuva desaba

Veludo escondido

Na pele enrugada

Água pura, ar puro

Puro pensamento

Morrer acontece

Com o que é breve e passa

Sem deixar vestígio

Mãe, na sua graça

É eternidade

Por que Deus se lembra

Mistério profundo

De tirá-la um dia?

Fosse eu rei do mundo

Baixava uma lei

Mãe não morre nunca

Mãe ficará sempre

Junto de seu filho

E ele, velho embora

Será pequenino

Feito grão de milho

No poema "Mãe", presente em "Lição de Coisas", de Carlos Drummond de Andrade, publicado em 1962, a figura materna é retratada como um símbolo de eternidade, que liga o ser humano à natureza e é uma presença constante na vida de seu filho ou filha.

O escritor questiona a Deus por que as mães têm de partir, afirmando que o amor por elas nunca desaparece, que não importa quanto tempo passe, o laço de afeto será eterno.

8. Vinícius de Moraes e Minha Mãe

Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo

Tenho medo da vida, minha mãe.

Canta a doce cantiga que cantavas

Quando eu corria doido ao teu regaço

Com medo dos fantasmas do telhado.

Nina o meu sono cheio de inquietude

Batendo de levinho no meu braço

Que estou com muito medo, minha mãe.

Repousa a luz amiga dos teus olhos

Nos meus olhos sem luz e sem repouso

Dize à dor que me espera eternamente

Para ir embora. Expulsa a angústia imensa

Do meu ser que não quer e que não pode

Dá-me um beijo na fronte dolorida

Que ela arde de febre, minha mãe.

Aninha-me em teu colo como outrora

Dize-me bem baixo assim: — Filho, não temas

Dorme em sossego, que tua mãe não dorme.

Dorme. Os que de há muito te esperavam

Cansados já se foram para longe.

Perto de ti está tua mãezinha

Teu irmão, que o estudo adormeceu

Tuas irmãs pisando de levinho

Para não despertar o sono teu.

Dorme, meu filho, dorme no meu peito

Sonha a felicidade. Velo eu.

Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo

Me apavora a renúncia. Dize que eu fique

Dize que eu parta, ó mãe, para a saudade.

Afugenta este espaço que me prende

Afugenta o infinito que me chama

Que eu estou com muito medo, minha mãe.

Vinícius de Moraes, em seu poema, capturou a fragilidade, a saudade e o desejo de estar novamente nos braços de sua mãe. É um profundo retrato de todos os sentimentos que uma criança nutre por sua mãe.

O receio de Vinícius diante da vida fez com que ele buscasse a proteção maternal, tentando assim recuperar, mesmo que por pouco tempo, a segurança que sentia enquanto criança.

Seu primeiro livro, O caminho para a distância, foi publicado em 1933, quando o autor tinha apenas 19 anos.

Sónia Cunha
Escrito por Sónia Cunha

É licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003) e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006). Ao longo da carreira profissional, exerceu vários cargos em diferentes áreas, como técnico superior de Conservação e Restauro, assistente a tempo parcial na UPT e professora de História do 3º ciclo e ensino secundário. A arte e as letras sempre foram a sua grande paixão.