Análise e Interpretação do Poema Canção do Exílio de Gonçalves Dias


Escrito por Carolina Marcello

Gonçalves Dias (1823-1864) é o autor do poema romântico A Canção do Exílio, da primeira fase do Romantismo.

Em julho de 1843, tendo o autor estado em Coimbra, a composição foi criada, destacando o patriotismo e a saudade da pátria.

Álbum Completo da Canção do Exílio

Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o sabiá;

As aves, que aqui gorjeiam,

Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,

Nossas várzeas tem mais flores,

Nossos bosques tem mais vida,

Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,

Mais prazer encontro eu lá;

Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o sabiá.

Minha terra tem primores,

Que tais não encontro eu cá;

Em cismar - sozinho, à noite -

Mais prazer encontro eu lá;

Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,

Sem que eu volte para lá;

Sem que desfrute os primores

Que não encontro por cá;

Sem qu’inda aviste as palmeiras,

Onde canta o Sabiá.

Aprenda mais

Examinando a Análise

A obra Primeiros Cantos (1846) foi iniciada com o poema Canção do Exílio.

A epígrafe do poema de Gonçalves Dias é um trecho da obra do escritor alemão Goethe (1749-1832), muito influenciado pelo movimento Romântico e que tinha fortes tendências nacionalistas. É importante prestar atenção à epígrafe do texto:

Kennst du das Land, wo die Citronen blühen,

Im dunkeln die Gold-Orangen glühen,

Kennst du es wohl? - Dahin, dahin!

Möcht ich... ziehn.

Conheces o país onde florescem as laranjeiras?

Ardem na escura fronde os frutos de ouro...

Conhecê-lo?

Para lá,

para lá,

quisera eu ir! (tradução Manuel Bandeira)

Gonçalves Dias segue o exemplo de seu antecessor romântico transatlântico, como o poeta alemão, e compôs os seus versos com o intuito de elogiar as belezas da sua terra. Há, portanto, em ambos uma aspiração de glorificar a sua pátria e as suas particularidades.

Em Goethe e Gonçalves Dias, há um elogio às árvores de suas terras natais: laranjeiras e palmeiras, respectivamente. Ambos evidenciam uma forte musicalidade em suas obras. No poeta brasileiro, o trabalho com as rimas perfeitas nas estrofes pares, aliado à aliteração da letra "s" em alguns versos, tornam-se características marcantes.

Celebrando o Brasil

Em Canção do Exílio, Gonçalves Dias buscou expressar o seu ufanismo e idealização da pátria e da natureza. Ele queria destacar as características brasileiras, pintando-as em sua obra.

A ligação com a natureza e a exaltação da beleza brasileira não é uma inovação da primeira geração romântica. Desde o primeiro registro das terras brasileiras, é possível ler os escritos de encantamento com a visão de um paraíso no Novo Mundo.

Desembarque de Cabral em Porto Seguro (óleo sobre tela), autor: Oscar Pereira da Silva, 1904. Acervo do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro.

O eu-lírico de Canção do Exílio começa por se referir a si próprio ("Minha terra tem palmeiras"), mas logo muda o pronome possessivo para o plural ("Nosso céu tem mais estrelas"), passando de uma perspectiva individual para uma visão coletiva. Esta pequena modificação provoca um interessante efeito no poema.

Gonçalves Dias não foi à toa ao escolher a palmeira e o sabiá como elementos principais do poema. A palmeira retrata a grandeza da terra brasileira, com árvores belas e imponentes, servindo como metáfora para a nossa flora. Já o sabiá é usado em um elogio a fauna local, e também como metonímia para a fauna típica brasileira.

As Circunstâncias da Escrita

Durante sua estadia em Portugal, Gonçalves Dias compôs os versos acima enquanto cursava Direito na Universidade de Coimbra. Era comum para intelectuais brasileiros de famílias abastadas aproveitarem a oportunidade de estudar em faculdades portuguesas.

A Universidade de Coimbra abrigou o poeta Gonçalves Dias durante alguns anos da sua juventude. Lá o jovem rapaz fez uma série de amizades e foi contaminado pelo romantismo que já vigorava na Europa.

O poema de Gonçalves Dias foi movido pela saudade da terra natal, embora o título possa parecer indicar um exílio voluntário. Portanto, tratou-se de um exílio forçado por essa saudade.

Existe uma clara oposição entre o aqui e o lá no que diz respeito à estruturação dos versos – aquilo que é encontrado no Brasil e aquilo que não está presente fora dele.

Em julho de 1843, a Canção do Exílio foi escrita, revelando o sentimento de saudade típico de quem está longe de casa há algum tempo.

O Brasil conseguiu seu desejado sentimento de liberdade após uma longa jornada iniciada em 1800. Em 1822, a Independência foi proclamada, finalmente por aqueles ansiosos por se livrar do domínio do colonizador.

Depois de obtida a desejada independência, os românticos se sentiram impelidos a trabalhar na criação de uma identidade nacional.

Os autores e intelectuais da época reconheceram a necessidade de criar um projeto de identificação com o Brasil, recém-libertado, e passaram a produzir obras literárias com o intuito de aumentar o sentimento nacionalista.

Literatura em Movimento

A Canção do Exílio, incluída no livro Primeiros Cantos lançado em 1846, é uma obra representativa da primeira geração do modernismo (1836-1852).

Capa da primeira edição do livro Primeiros cantos, de Gonçalves Dias, lançado em 1846.

O lançamento de Suspiros Poéticos e Saudades, obra de Gonçalves de Magalhães, marcou o início do movimento romântico brasileiro. Entretanto, foi Gonçalves Dias quem o destacou como principal personagem nesta fase.

A geração indianista, também conhecida como primeira geração do Romantismo, foi caracterizada pelo patriotismo e pela necessidade de criação de uma identidade nacional.

Uma Nova Perspectiva da Canção do Exílio

Gonçalves Dias é um autor tão importante que seu clássico poema foi parodiado e comentado por outros autores posteriores.

Algumas obras abordam diretamente a Canção do Exílio, enquanto outras se aproximam por meio de parodia. Aqui, citamos exemplos de obras que dialogam com o poema de Gonçalves Dias.

A Tristeza da Vida de Exílio em 'Canção do Exílio' de Murilo Mendes

Murilo Mendes (1901-1975) publicou o poema "Diabolô" no livro "Poemas" (1930). Esta obra faz referência ao clássico de Gonçalves Dias e faz parte da série "O Jogador de Diabolô".

Ao revisitar o poeta mineiro, é possível notar a presença da ironia e como a obra está ligada ao contexto atual do autor.

Minha terra tem macieiras da Califórnia

onde cantam gaturamos de Veneza.

Os poetas da minha terra

são pretos que vivem em torres de ametista,

os sargentos do exército são monistas, cubistas,

os filósofos são polacos vendendo a prestações.

A gente não pode dormir

com os oradores e os pernilongos.

Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.

Eu morro sufocado

em terra estrangeira.

Nossas flores são mais bonitas

nossas frutas mais gostosas

mas custam cem mil réis a dúzia.

Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade

e ouvir um sabiá con certidão de idade!

Exílio: Uma Nova Canção de Carlos Drummond de Andrade

A obra de 1945 do modernista Carlos Drummond de Andrade (1902–1987) oferece uma crítica severa ao que o Brasil se tornou, contrariando a idealização absoluta do poema original.

Um sabiá na

palmeira, longe.

Estas aves cantam

um outro canto.

O céu cintila

sobre flores úmidas.

Vozes na mata,

e o maior amor.

Só, na noite,

seria feliz:

um sabiá,

na palmeira, longe.

Onde tudo é belo

e fantástico,

só, na noite,

seria feliz.

(Um sabiá na palmeira, longe.)

Ainda um grito de vida e

voltar

para onde tudo é belo

e fantástico:

a palmeira, o sabiá,

o longe.

Casimiro de Abreu e sua Canção do Exílio

Casimiro de Abreu foi um dos mais importantes nomes do Romantismo. Esta versão da Canção do Exílio é uma das suas obras mais conhecidas e é frequentemente vista como um marco da segunda fase do movimento. Os versos seguintes são os primeiros trechos desta obra memorável:

Se eu tenho de morrer na flor dos anos

Meu Deus! não seja já;

Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,

Cantar o sabiá!

Meu Deus, eu sinto e tu bem vês que eu morro

Respirando este ar;

Faz que eu viva, Senhor! dá-me de novo

Os gozos do meu lar!

O país estrangeiro mais belezas

Do que a pátria não tem;

E este mundo não vale um só dos beijos

Tão doces duma mãe!

Aprecie a Canção do Exílio, de Gonçalves Dias

A Vida e Obra de Gonçalves Dias

Gonçalves Dias, nascido no dia 10 de agosto de 1823 no Maranhão, é considerado o principal nome da primeira fase do romantismo brasileiro.

O filho de um comerciante português e mestiça teve início de sua formação educacional sob a tutela de um professor particular.

Aos 18 anos, ele embarcou em direção à Coimbra, para fazer seus estudos médios. Posteriormente, ingressou na Universidade de Direito daquela cidade.

Retrato de Gonçalves Dias.

No local, o autor se deparou com personagens importantes do Romantismo Europeu, como Alexandre Herculano e Almeida Garrett.

Após a conclusão de seus estudos, Gonçalves Dias retornou ao Brasil e, após uma rápida estadia no Maranhão, estabeleceu-se no Rio de Janeiro.

A cidade foi o lugar onde o escritor se firmou como professor de Latim e História do Brasil no Colégio Pedro II, promovendo, assim, uma publicação mais sistemática de seu trabalho.

Gonçalves Dias exerceu também o cargo de oficial na Secretaria de Negócios Estrangeiros.

No dia 3 de novembro de 1864, o poeta faleceu prematuramente aos 41 anos no Maranhão.

Carolina Marcello
Escrito por Carolina Marcello

Formou-se em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e possui mestrado em Estudos Literários, Culturais e Interartes pela mesma instituição. Durante os estudos universitários, foi co-fundadora do Grupo de Estudos Lusófonos da faculdade e uma das editoras da revista da mesma, que se dedica às literaturas de língua portuguesa.