Interpretação e Análise do Quadro Retirantes de Candido Portinari


Escrito por Sónia Cunha

O quadro de Candido Portinari, intitulado Retirantes, foi criado em 1944 em Petrópolis, no Rio de Janeiro.

Um painel de óleo sobre tela, medindo 190 X 180 cm e fazendo parte do acervo do Museu de Arte de São Paulo (MASP), retrata uma família de retirantes. Estas pessoas são aquelas que buscam melhores condições de vida, movimentando-se de uma região para outra.

quadro Retirantes de Candido Portinari

Explorando Análises e Interpretações

Elementos Essenciais da Tela

O quadro é carregado de tons terrosos e cinza. A família de retirantes ocupa quase toda a tela, com seus contornos escuros dando um ar tristonho à obra. Ao fundo, a paisagem do sertão adiciona à composição ainda mais profundidade.

O solo duro e cheio de pedras e ossos é tudo o que se pode ver no horizonte, com o contorno quase indiferenciável de uma montanha. O céu é de um tom escuro, e as aves negras que pairam sobre a família como se aguardassem sua morte, formam o cenário sombrio.

Um bando de aves voa em direção ao chão, todas aproximadas, como se fossem urubus famintos se preparando para devorar um animal morto.

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Na pintura havia cinco crianças: duas nos colos e outras três de pé. Uma das crianças no colo era grande, mas magra como um palito, dando uma impressão de fraqueza ao se perceberem as pinceladas escuras destacando seus ossos.

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Na primeira imagem, observamos uma criança de pé, com o abdômen proeminente e o pescoço muito delgado. O grande volume abdominal, discrepante do restante do corpo, revela que a criança está com barriga d'água.

A seca extrema em algumas regiões é responsável por um dos males mais comuns: a desidratação. Nesses locais, a única fonte de água disponível é proveniente de açudes não tratados, o que nos remete à imagem da pobreza mais profunda, agravada pela sede. A presença das crianças que sofrem com a desidratação torna ainda mais evidente a situação de desigualdade.

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Os olhares distantes e desolados das crianças contrastam com os das expressões mais fortes e desesperadas dos adultos.

O olhar fixo do homem que carrega uma trouxa nas costas e segura a mão de uma criança dirigido ao pintor dá à pintura um ar de retrato. Aquele olhar parece um pedido de socorro, uma súplica por ajuda.

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Analisando o Significado

A série formada pelo quadro, Criança Morta e Enterro na Rede, retrata a miséria de uma família de retirantes que escapam da seca e da fome do Nordeste brasileiro em busca de uma vida melhor mais ao Sul.

Todas as obras desta coleção estão relacionadas ao mesmo tema - a seca, que gerou tragédias e provocou uma fuga em massa. As tonalidades usadas dão ao conjunto uma unidade marcante.

As ideologias políticas e o senso de responsabilidade social do pintor são fundamentais para a criação dessa obra. Representar a pobreza de forma tão realista é uma forma de se posicionar contra ela. Enquanto as cidades brasileiras evoluíam, o ambiente rural foi o local em que a fome se mostrava mais intensa.

Explorando o Contexto

Em 1903, Portinari nasceu e cresceu na cidade de Brodowski, no interior de São Paulo. Seus pais eram imigrantes italianos que trabalhavam em uma plantação de café, o que lhe proporcionou uma infância simples.

As recordações das imagens de quando Portinari era pequeno desempenhavam um papel importante na criação de suas obras. Ele comentou como as cenas dos migrantes que fugiam da grande seca de 1915 o marcaram, lembrando que milhares de pessoas perderam suas vidas enquanto outras buscavam dias melhores.

O menino, marcado pela miséria dos retirantes e pela esperança de uma vida melhor, observava uma leva de migrantes passando pela sua cidade.

Portinari mudou-se para o Rio de Janeiro, aos quinze anos de idade, com o objetivo de se aperfeiçoar em pintura. Em 1928, obteve o Prêmio de Ouro do Salão da Escola Nacional de Belas Artes (Enba), o que lhe permitiu residir na França por dois anos, viajando por diversos países europeus.

Na Europa, Portinari foi impactado pelas obras dos pintores clássicos, Rafael e Ticiano. Esta experiência deu ao artista uma perspectiva mais distante da sua infância e de sua cidade natal.

Ao retornar ao Brasil em 1931, ele tinha a intenção de expressar suas recordações da infância e do seu povo através das suas obras. Essa perspectiva permitiu uma compreensão mais profunda das suas origens, que serão exploradas em vários de seus trabalhos.

Candido Portinari descreveu sua pintura como de "camponês". Sua origem era de pais humildes e trabalhadores, o que o marcou para o resto da vida. Após o término da Segunda Guerra e o início da abertura política no Brasil, ele se filiou ao Partido Comunista Brasileiro (PCB).

O pintor Portinari não tinha muito conhecimento em relação à política, no entanto, possuía convicções profundas. O desenvolvimento dessas ideias foi resultado de sua infância humilde, seu trabalho e, principalmente, seu interesse pela arte. Segundo o artista, não existe obra pictural alguma que seja neutra: mesmo sem querer, o quadro sempre remete a algum aspecto de caráter social.

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Sónia Cunha
Escrito por Sónia Cunha

É licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003) e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006). Ao longo da carreira profissional, exerceu vários cargos em diferentes áreas, como técnico superior de Conservação e Restauro, assistente a tempo parcial na UPT e professora de História do 3º ciclo e ensino secundário. A arte e as letras sempre foram a sua grande paixão.