Compreender o Artista Di Cavalcanti Através de 9 Obras


Escrito por Carolina Marcello

Com o nome de batismo de Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo, Di Cavalcanti (1897-1976) é um artista modernista brasileiro cuja obra retrata a cultura e a vida cotidiana do povo.

Di Cavalcanti é considerado um dos principais pintores do Brasil, devido à sua habilidade em mesclar referências inovadoras das vanguardas da arte europeia.

Além de atuar no jornalismo, ele também realizou trabalhos de ilustração, caricatura e cenografia.

1. Semana de Arte Moderna de 1922: Catálogo e Cartaz

Catálogo e cartaz da Semana de 22 de Di Cavalcanti

O pintor Di Cavalcanti foi o responsável por criar as ilustrações do cartaz e do catálogo da Semana de Arte Moderna, realizada no Theatro Municipal de São Paulo durante o mês de fevereiro de 1922.

O evento idealizado por Di Cavalcanti apresentou uma produção artística inovadora em território nacional, sendo considerado um marco para a arte e cultura brasileira.

Ele ficou conhecido por ser um dos principais organizadores da Semana, que contou com uma exposição de 12 trabalhos seus.

Na xilogravura do artista D.C., vemos as iniciais de seu nome em preto. A palavra "catálogo" é exibida de maneira não convencional, pois as últimas letras estão encolhidas no canto direito.

O cartaz exibe um desenho de uma árvore em desenvolvimento, com as raízes à mostra, que sugere a abertura de um novo olhar para a cultura brasileira.

2. A História de Pierrette (1922)”

Pintura Pierrete, de Di Cavalcanti exibindo mulher fantasiada no carnaval com dois pássaros e vaso de flores

A obra "Pierrette", de Di Cavalcanti, foi criada em 1922. Nela é retratada uma jovem trajando uma fantasia de "pierrot", que remete às celebrações de Carnaval.

Esta tela do período modernista foi pintada em óleo e mede 78 x 65 cm.

A presença da figura feminina evidenciou uma atmosfera lírica, com uma expressão lânguida e movimentos corporais que sugeriam um passo de dança, como se ela flutuasse.

Vários pássaros voam em direção ao quadro, adicionando um tom poético e delicado à cena. Além disso, um pequeno vaso de flores repousa no canto direito da tela.

Esta tela inclui elementos típicos da Art Nouveau, tais como linhas sinuosas e uma grade espiralada no primeiro plano.

3. Samba de 1925

Quadro Samba, de Di Cavalcanti com duas moças com seio à mostra e homens tocando instrumentos no morro

Em 1925, ao retornar de sua viagem de dois anos pela Europa, Di Cavalcanti se deparou com os grandes nomes das vanguardas artísticas, como Picasso, Georges Braque, Léger e Matisse. Nesse mesmo ano, ele criou a pintura Samba.

Nota-se na obra modernas características marcantes, como a variedade de cores e o emprego de formas cilíndricas para formar os corpos dos personagens.

O artista modernista brasileiro mostra aqui um experimento de fusão, juntando às referências culturais internacionais o samba, a sensualidade feminina e a boemia do nosso povo.

4. Mulheres de Guaratinguetá nos Anos 1930

Quadro Cinco moças de Guaratinguetá (1930), de Di Cavalcanti com moças de chapéus em cores vibrantes

Neste trabalho de 1930, Cinco moças de Guaratinguetá, o artista exibe nitidamente a influência de movimentos tais como o cubismo e o fauvismo.

Di Cavalcanti foi profundamente inspirado pelo trabalho de Pablo Picasso. Esta obra em particular evidencia a conexão entre os dois artistas, com as mulheres sendo retratadas com corpos volumosos e formas simplificadas e estilizadas.

A paleta de cores usada na tela abrange tons quentes e terrosos, além do azul. O figurino das mulheres pode nos ajudar a determinar quando foi pintada, visto que é representativo da década de 30.

5. Frutas nas Mãos das Mulheres (1932)

Quadro Mulheres com frutas, de Di Cavalcanti exibe mulheres deitadas com frutas ao redor em tons de rosa

Nesta obra de Di Cavalcanti, vemos duas mulheres recostadas, como se estivessem em um piquenique. Nas proximidades, uma cesta repleta de frutas e flores dão completo encanto à paisagem.

O trabalho do pintor apresenta tons suaves de rosa e formas encorpadas. A influência cubista é evidente na maneira como são traçadas as linhas, bem definidas e marcantes.

Na obra de Di Cavalcanti, a mulher, especialmente aquela que é resultado das misturas étnicas, é retratada de forma poética e sensual.

6. Noêmia: Um Retrato de 1936

Retrato de Noêmia, obra de Di Cavalcanti retratando moça sentada em poltorna azul e vestida de vermelho

Em 1936, Di Cavalcanti produziu o Retrato de Noêmia, que mostra Noêmia Mourão, pintora que foi sua aluna e com quem se casou em 1933.

A vestimenta vermelha e a postura inquisitiva da mulher expressam claramente a influência do movimento expressionista nesta obra. Ela dá destaque à cena, transmitindo um olhar dramático.

7. Protesto das Mulheres em 1941

Quadro Mulheres Protestando, Di Cavalcanti, exibe grupo de mulheres em paisagem do campo

Em 1928, Di Cavalcanti filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e passou a prestar maior atenção às questões sociais, o que influenciou diretamente toda a sua obra. Uma das composições mais marcantes deste período é a cena de mulheres protestando, que reflete a consciência política do artista.

Neste quadro, o artista aborda a indignação feminina, mostrando que também é possível retratar as mulheres de formas que vão além da beleza e sensualidade.

As mulheres de Di manifestaram-se por motivos desconhecidos. Acredita-se que se tratasse de uma expressão de feminismo, pois na década de 40 ainda havia um longo caminho a trilhar para que a mulher fosse devidamente reconhecida na sociedade.

“O artista, através deste quadro, expressa uma manifestação de sentimentos e emoções que normalmente não são possíveis de expressar com palavras”. De acordo com Mário Schenberg, crítico de arte, o quadro destaca o esforço do artista em comunicar visualmente suas ideias e emoções. Segundo Schenberg, "essa manifestação de sentimentos e emoções é mais diretamente expressa pela arte do que pelas palavras".

Fazia por exemplo esse quadro propositadamente 'matado' em que a finalidade não era o quadro, era o gesto; e essa importância do gesto na sua atividade está muito relacionada com certos aspectos da arte conceitual.

8. O Navio Negreiro (1961)

Painel Navio Negreiro, Di Cavalvanti. Retrata um navio chegando com negros em paisagem colorida

A obra de arte Navio negreiro, composta por três partes e com dimensões de 4x6 metros, foi criada em 1961 com tinta a óleo. É um grande mural que impressiona pela sua beleza.

A arte do muralismo mexicano foi criada pelos artistas Diego Rivera, Orozco e Siqueiros. Estas obras de grande tamanho abordam assuntos políticos e sociais, bem como a luta pelos direitos e liberdade das pessoas. O trabalho destes artistas é o resultado destas influências.

Neste cenário, cor de um colorido intenso, podemos observar um navio trazendo pessoas da África para servirem como escravos no Brasil. Essa visão é acompanhada pela vegetação tropical e pelo povo brasileiro, ícones da brasilidade.

Durante 25 anos, a obra ficou no Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro. No entanto, em 2019 ela foi devolvida ao proprietário, passando a integrar o acervo do Banco J. P. Morgan. Uma curiosidade interessante!

9. Dança Popular de 1972

quadro Baile Popular, de Di Cavalcanti com pessoas dançando em cena colorida

Na última década da vida do artista, nos anos 70, foi produzido o quadro “Baile Popular”. Característica de sua obra, a tela é repleta de cores e lidando com um assunto brasileiro: a música e a dança.

Aqui, a beleza do povo negro é celebrada. A mulher é pintada como sedutora e charmosa.

Ao longo dos anos 20 aos 70, seu trabalho foi caracterizado pela contribuição para a formação de uma coletânea visual do Brasil. Essas abordagens foram fundamentais para chegar a esse resultado.

Di Cavalcanti produziu com afinco até sua morte, que ocorreu em 26 de outubro de 1976. Ele tinha 79 anos e morreu devido a complicações de saúde.

Herança de Di Cavalcanti

O artista entrou para a história da arte brasileira como uma figura eminente, deixando um importante legado cultural, fato comprovado a partir das palavras do crítico de arte e cineasta Olívio Tavares de Araújo.

Tinha prazer com o ato de pintar e não se preocupava em alcançar a cada vez a obra-prima; queria basicamente expressar-se. Nos anos 20 e 30, sua produção é mais homogênea; nos 40 e 50, surgem numerosas e famosas obras magistrais; dos 60 em diante, elas se tornam raridade.

Apesar disso, Emiliano Di Cavalcanti permanecerá para sempre como um dos maiores pintores brasileiros, e o que melhor captou um determinado lado do país: o amoroso, o sensual. O largo predomínio da figura humana em sua arte é também uma manifestação de seu humanismo essencial - o mesmo humanismo que o levou a ser um indivíduo da esquerda, embora não exatamente um ativista partidário. Como Segall, Ismael Nery e Portinari, Di fez do homem o objeto de sua atenção.

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Carolina Marcello
Escrito por Carolina Marcello

Formou-se em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e possui mestrado em Estudos Literários, Culturais e Interartes pela mesma instituição. Durante os estudos universitários, foi co-fundadora do Grupo de Estudos Lusófonos da faculdade e uma das editoras da revista da mesma, que se dedica às literaturas de língua portuguesa.