Entendendo o Gênero Através de 8 Performances Artísticas


Escrito por Sónia Cunha

A performance artística consiste na utilização do próprio corpo e das ações do artista como forma de expressão.

Desde a segunda metade do século XX, a arte performática vem sendo desenvolvida como uma linguagem expressiva da arte contemporânea. Embora alguns artistas já tivessem realizado ações semelhantes à performance dentro do contexto das vanguardas europeias, foi a partir desse período que o conceito da arte performática começou a se solidificar.

A palavra parformance tem origem latina e significa “dar forma”, sendo entendida como “fazer” ou “desempenhar”.

Durante o desempenho da obra, o artista é observado por um público. Após o término, os únicos registros que ficam são por meio de fotografias e vídeos.

1. Marina Abramovic - AAA-AAA (1978)

Marina Abramovic é uma das figuras mais relevantes em termos de arte performática. Ela iniciou sua carreira nos anos 70, realizando inúmeras ações ao lado de Ulay, seu parceiro durante 12 anos.

Em uma das obras de 1978 intitulada AAA-AAA, o casal se posicionou frente a frente, gritando enquanto eram observados por uma plateia.

Abramoic e Ulay em performance gritando um de frente para o outro

A intenção era ilustrar quem tem o domínio em muitas relações, especialmente relações amorosas, ao “falar mais alto” simbolicamente.

Aqui, vida e encenação se fundem, revelando como a performance é uma linguagem híbrida, uma mistura de elementos teatrais e outras formas de arte.

"a arte figurativa é a representação de imagens do mundo real". A artista sérvia descreve a arte figurativa como a representação de imagens do mundo real.

Performance é uma construção física e mental que o artista executa num determinado tempo e espaço, na frente de uma audiência. É um diálogo de energia, em que plateia e artista constroem juntos a obra.

2. O Clássico 4’33 de John Cage (1952)”

Em 1952, o maestro norte-americano John Cage idealizou a performance 4'33.

David Tudor, um músico, posicionou-se diante de um piano e uma grande audiência, mas permaneceu calado durante quatro minutos e trinta e três segundos, não emitindo qualquer som.

Homem sentado à frente de um piano sem tocar nada

Ao trabalhar, as reflexões sobre expectativa e desconforto são inevitáveis. Aproveitando o ambiente musical, o trabalho aborda temas como o silêncio, os pequenos ruídos e o que constitui a música.

Vemos aqui uma nova prova de como as categorias de performance são cada vez mais flexíveis, incorporando diferentes formas de arte.

Ao ser realizada, a ação desencadeou um debate, pois enquanto parte do público a elogiou, outra a rejeitou por completo.

3. Chris Burden's Shoot (1971)

Chris Burden (1946-2015) é um dos performer mais polêmicos da arte contemporânea. Suas obras provocaram muita discussão e debate.

Seu trabalho questiona a violência e, em algumas ocasiões, o artista coloca-se em circunstâncias extremas.

A arte da performance está frequentemente associada à uma investigação sensorial (e emocional) que examina os limites dos artistas. Esta investigação desafia corpos e dores, criando uma ligação com o espectador.

Em 1971, Chris Burden realizou a performance Shoot. Ele solicitou a um amigo que atirasse em seu braço com uma arma de fogo, o tiro devendo passar de raspão. Antes disso, os dois haviam praticado por alguns dias.

Homem apontando uma arma para outro homem. Performance Shoot, de Chris Burden

A vida é imprevisível e, nesse caso, a ação também não seguiu o esperado. O resultado foi que a bala acertou diretamente o braço de Burden, perfurando-o.

A plateia estava completamente abalada e o artista teve que se dirigir urgentemente a um hospital.

4. Pedaço Cortado (1965) - Yoko Ono

Yoko Ono tem um lugar importante na história da performance art. Ela foi membro do Grupo Fluxus, um grupo de artistas formado nos anos 60 que buscava desafiar as regras da arte. O Grupo Fluxus reunia artistas de vários lugares do mundo para experimentar e reinterpretar o que consideravam como arte.

A performance de destaque de Yoko Ono, "Cut Piece", consistia em ela sentada à frente de uma plateia, com uma tesoura colocada ao seu lado. As pessoas presentes eram convidadas a cortar partes de suas vestes, aos poucos.

Cut Piece é classificada como um acontecimento, uma vertente da performance em que o público tem contato direto com o artista e é parte fundamental para o desenvolvimento da obra. A interação direta do público com a obra é essencial para que a performance aconteça.

Aqui, a artista se propõe a abordar temas como vulnerabilidade, pudor e o corpo feminino, por meio de uma postura passiva.

5. Cinema Tocado e Tocado (1968) - VALIE EXPORT

A austríaca Waltraud Lehner é mais conhecida por seu nome artístico, VALIE EXPORT (escrito em letras maiúsculas).

A performance da artista é extremamente poderosa, pois tem por objetivo desafiar as normas e questionar o papel da mulher na sociedade. Ela faz críticas feministas sobre a objetificação do corpo feminino, mostrando que a mulher não deve ser vista como um objeto.

Durante os anos 1968 a 1971, VALIE realizou a performance/happening Tap and Touch Cinema por diversas cidades da Europa. Nesse projeto, ela andava com uma caixa de papelão com uma cortina sobre o seu peito nu, convidando as pessoas nas ruas para colocar suas mãos no interior da caixa e tocar seus seios.

Mulher com uma caixa de papelão sobre seu peito e homem colocando as mãos dentro. Performance de VALIE EXPORT

Ninguém que estivesse olhando de longe tinha ideia do que estava se desenrolando, contudo podia ver o semblante da artista e o do colaborador.

A performance não precisa necessariamente ocorrer num ambiente de galeria ou museu para ser considerada arte. O trabalho é uma prova disso, mostrando que a arte pode ser realizada em qualquer lugar.

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6. Celeida Tostes - Passagem (1979)

Celeida Tostes, natural da cidade do Rio de Janeiro, se dedicava à arte da cerâmica e tratava em suas peças temas como o feminino, a vida e a morte, a fertilidade e a conexão com a natureza.

Em 1979, a artista realizou o trabalho Passagem, que mesclava-se a um vaso de barro e simulava a experiência de ser expelida de um útero. Esta era uma parte importante de sua trajetória.

Mulher dentro de vaso de barro

A performance contou com a participação de duas assistentes e foi documentada em fotos, conforme é comum em trabalhos performáticos. A artista descreve a ação dessa forma:

Meu trabalho é o nascimento. Ele nasceu como eu mesma nasci - de uma relação. Relação com a terra, com o orgânico, o inorgânico, o animal, o vegetal. Misturar os materiais mais diversos e opostos. Entrei na intimidade desses materiais que se transformaram em corpos cerâmicos.

Começaram a surgir bolas. Bolas com furos, com fendas, com rompimentos que me sugeriam vaginas, passagens. Senti então a necessidade imensa de misturar-me com o meu material de trabalho. Sentir o barro em meu corpo, fazer parte dele, estar dentro dele.

7. Flávio de Carvalho: Novo Visual (1956)”

Antes da arte da performance se estabelecer no Brasil, Flávio de Carvalho já estava considerando essa forma de expressão criativa.

Em 1956, o artista, que fazia parte do movimento modernista, desenvolveu uma vestimenta tropical formada por saia e blusa de manga bufante que usou durante uma caminhada pelas ruas do Rio de Janeiro.

homem caminhando na rua com saia ao redor de transeuntes

O traje causou intriga entre aqueles que o observavam, pois o uso dele subverteu os padrões vigentes, trazendo à tona questões como liberdade, irreverência e ironia. Esta capacidade de causar abalo, confusão e polêmicas também se repetiu em várias performances.

8. Joseph Beuys: Eu Gosto da América e a América Gosta de Mim (1974)

Joseph Beuys é considerado um dos mais importantes nomes das artes do século XX. Ele se destacou em diversos campos artísticos, desde as performáticas, instalações, vídeos, pinturas e esculturas.

A performance artística de Beuys intitulada I Like America and America Likes Me envolveu-o sair de seu país e voar para os Estados Unidos. Ao chegar lá, foi recebido e retirado do avião em uma maca coberta por um cobertor de feltro, para evitar que pisasse em solo norte-americano.

Em um experimento artístico nos Estados Unidos, o artista Joseph Beuys foi confinado em uma galeria de arte por vários dias. Lá, recebia o jornal Wall Street todos os dias e tinha a companhia de um coiote selvagem. Ele passava horas com o animal, usando apenas um cobertor, um par de luvas e uma bengala.

Perfomance de Joseph Beuys com coiote, cobertor e bengala

Sua obra sempre foi marcada por ações políticas e críticas, e sua última ação foi um protesto contra o sistema de vida e economia existente nos Estados Unidos.

Sónia Cunha
Escrito por Sónia Cunha

É licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003) e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006). Ao longo da carreira profissional, exerceu vários cargos em diferentes áreas, como técnico superior de Conservação e Restauro, assistente a tempo parcial na UPT e professora de História do 3º ciclo e ensino secundário. A arte e as letras sempre foram a sua grande paixão.