5 Poemas de Mia Couto que Você Não Pode Perder!


Escrito por Carolina Marcello

Mia Couto nasceu em 1955 na Beira, Moçambique, sendo formado em Biologia. O seu trabalho como um dos maiores expoentes da literatura africana foi reconhecido a nível internacional, tendo as suas obras publicadas em 24 países. Atualmente, é o escritor moçambicano com maior reconhecimento além-fronteiras.

Mia Couto, premiado internacionalmente com o Prêmio Camões (2013) e com o Neustadt Prize (2014), tem uma vasta produção literária que inclui mais de trinta obras entre prosa, poesia e literatura infantil. Seu romance Terra sonâmbula é reconhecido como um dos melhores livros africanos do século XX.

1. Um Presente para Você

Foi para ti

que desfolhei a chuva

para ti soltei o perfume da terra

toquei no nada

e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras

e todas me faltaram

no minuto em que talhei

o sabor do sempre

Para ti dei voz

às minhas mãos

abri os gomos do tempo

assaltei o mundo

e pensei que tudo estava em nós

nesse doce engano

de tudo sermos donos

sem nada termos

simplesmente porque era de noite

e não dormíamos

eu descia em teu peito

para me procurar

e antes que a escuridão

nos cingisse a cintura

ficávamos nos olhos

vivendo de um só

amando de uma só vida

No poema Para ti, contido no livro Raiz de Orvalho e Outros Poemas, o protagonista é um eu-lírico embevecido pela mulher amada, a quem o poema é dedicado. O poema retrata o amor incondicional que o eu-lírico tem por aquela relação.

O poema de Mia Couto começa com elementos familiares de sua obra: chuva, terra e a ligação com o espaço. A narrativa descreve as ações heroicas tomadas pelo eu-lírico por causa do seu amor, e termina com a realização da partilha tão desejada pelos dois.

2. A Nostalgia da Saudade

Que saudade

tenho de nascer.

Nostalgia

de esperar por um nome

como quem volta

à casa que nunca ninguém habitou.

Não precisas da vida, poeta.

Assim falava a avó.

Deus vive por nós, sentenciava.

E regressava às orações.

A casa voltava

ao ventre do silêncio

e dava vontade de nascer.

Que saudade

tenho de Deus.

No livro Tradutor de Chuvas, há um poema chamado "Saudade". Ele fala sobre o sentimento nostálgico que surge ao nos lembrarmos de algo que está ausente - seja um lugar, uma pessoa ou um momento específico.

Na poesia de Mia Couto há um anseio por reviver o passado e até mesmo por experimentar aquilo que a lembrança não consegue captar (como a sensação de saudade de nascer).

No poema, é perceptível a saudade que o eu-lírico sente da família, do aconchego do lar e dos momentos vividos com segurança. Ao final, a poesia transmite ainda a necessidade de acreditar em algo maior.

3. Uma Noite de Promessa

cruzo as mãos

sobre as montanhas

um rio esvai-se

ao fogo do gesto

que inflamo

a lua eleva-se

na tua fronte

enquanto tacteias a pedra

até ser flor

O livro "Raiz de Orvalho e Outros Poemas" possui um poema intitulado "Promessa de Uma Noite", que conta com nove versos todos começando com letra minúscula e sem pontuação.

A presença da paisagem natural é uma marca do trabalho de Mia Couto, evidenciada pela sua poesia. No poema, encontramos os elementos fundamentais da natureza (montanhas, rio, lua, flores) e a conexão entre eles e o ser humano. A importância do que o cerca é visível para o escritor moçambicano.

4. Reflexões no Espelho

Esse que em mim envelhece

assomou ao espelho

a tentar mostrar que sou eu.

Os outros de mim,

fingindo desconhecer a imagem,

deixaram-me a sós, perplexo,

com meu súbito reflexo.

A idade é isto: o peso da luz

com que nos vemos.

Em Idades Cidades Divindades, o Espelho é um poema encantador que descreve a experiência que todos nós já vivemos: não nos reconhecer no reflexo que nos é apresentado.

O eu-lírico é surpreendido e intrigado pela imagem que vem à tona do espelho. Quando a leitura dos versos se completa, é possível observar a impossibilidade de se capturar a pluralidade de quem somos a partir de uma única representação. Nós somos, afinal, muitos, divergentes e contraditórios.

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5. O Atraso

O amor nos condena:

demoras

mesmo quando chegas antes.

Porque não é no tempo que eu te espero.

Espero-te antes de haver vida

e és tu quem faz nascer os dias.

Quando chegas

já não sou senão saudade

e as flores

tombam-me dos braços

para dar cor ao chão em que te ergues.

Perdido o lugar

em que te aguardo,

só me resta água no lábio

para aplacar a tua sede.

Envelhecida a palavra,

tomo a lua por minha boca

e a noite, já sem voz

se vai despindo em ti.

O teu vestido tomba

e é uma nuvem.

O teu corpo se deita no meu,

um rio se vai aguando até ser mar.

Idades Cidades Divindades é o cenário para os versos de A demora. É um lindo poema de amor, expressando o sentimento de enamoramento entre o eu lírico e sua amada.

No poema, o casal e o meio circundante são os protagonistas. É fundamental destacar a relevância do cenário para a construção poética, notadamente a inclusão de elementos da vida cotidiana e da natureza (as flores, a nuvem, o mar).

Ao descrever o sentimento do amor, o eu-lírico começa seus versos. Seus efeitos são percebidos ao longo dos versos. Ao final, vemos a chegada da amada e a união do casal.

Explorando a Escrita de Mia Couto

Mia Couto tem a terra como tema central da sua obra. Seus trabalhos contam com uma prosa poética, que tem como característica a atenção aos dialetos do seu povo. Por essa razão, é comum que o autor seja comparado com o brasileiro Guimarães Rosa.

O autor moçambicano procura traduzir a oralidade para o papel e o seu texto revela tendências de inovação verbal. Por exemplo, podemos destacar o uso de elementos do realismo mágico nos seus trabalhos.

Mia Couto tem fortes ligações com a Beira, onde nasceu e se criou. Ele tem grande conhecimento da cultura local, dos mitos e lendas moçambicanos. Suas obras refletem a arte narrativa tradicional africana. Ele é amplamente reconhecido como um grande contador de histórias.

Mia Couto

A Vida de Mia Couto

Quando criança, Antônio Emílio Leite Couto gostava tanto de gatos que optou por ser chamado carinhosamente por Mia. Esse apelido acabou se tornando a identidade literária de Mia Couto, conhecido no meio literário.

O pai de Fernando Couto, poeta e jornalista, é o responsável por dar à luz o escritor no dia 5 de julho de 1955 na cidade da Beira, Moçambique. Os pais do escritor eram emigrantes portugueses.

Seguindo os passos do seu pai, Mia Couto começou a explorar o mundo da literatura muito cedo. Quando tinha 14 anos, já publicava poemas no jornal Notícias da Beira. Aos 17, foi para Lourenço Marques para cursar Medicina, mas apenas dois anos depois, tomou a decisão de seguir a carreira de jornalista.

Entre 1976 e 1976, foi repórter e diretor da Agência de Informação de Moçambique. Entre 1979 e 1981, trabalhou na revista semanal Tempo e nos quatro anos seguintes foi jornalista do jornal Notícias.

Em 1985, após deixar o jornalismo, Mia Couto matriculou-se na Universidade para cursar biologia, especializando-se em ecologia. Hoje em dia, desempenha o cargo de professor universitário e diretor da empresa Impacto – Avaliações de Impacto Ambiental.

Mia Couto foi o sexto ocupante da cadeira nº 5 da Academia Brasileira de Letras ao ser eleito em 1998 como membro correspondente, sendo o único escritor africano a ter tal distinção.

A obra de Mia Couto é amplamente exportada para diversos locais do mundo. O autor moçambicano atualmente é o mais traduzido no exterior com suas obras sendo publicadas em 24 nações.

Retrato de Mia Couto.

Celebrando os Prêmios Conquistados

  • Prêmio Anual de Jornalismo Areosa Pena (Moçambique) pelo livro Cronicando (1989)
  • Prêmio Vergílio Ferreira, da Universidade de Évora (1990)
  • Prêmio Nacional de Ficção da Associação de Escritores Moçambicanos com o livro Terra Sonâmbula (1995)
  • Prêmio Mário António (Ficção) da Fundação Calouste Gulbenkian com o livro O Último Voo do Flamingo (2001)
  • Prêmio União Latina de Literaturas Românicas (2007)
  • Prêmio Passo Fundo Zaffari e Bourbon de Literatura com o livro O Outro Pé da Sereia (2007)
  • Prêmio Eduardo Lourenço (2011)
  • Prêmio Camões (2013)
  • Prêmio Internacional de Literatura Neustadt, da Universidade de Oklahoma (2014)

Ópera Integral

Poesias em Livros

  • Raiz de Orvalho, 1983
  • Idades, Cidades, Divindades, 2007
  • Tradutor de Chuvas, 2011
  • Raiz de Orvalho e outros poemas, 1999

Contos Literários

  • Vozes Anoitecidas, 1987
  • Cada Homem é uma Raça, 1990
  • Estórias Abensonhadas, 1994
  • Contos do Nascer da Terra, 1997
  • Na Berma de Nenhuma Estrada, 1999
  • O Fio das Missangas, 2003

Crónicas em Livros

  • Cronicando, 1991
  • O País do Queixa Andar, 2003
  • Pensatempos. Textos de Opinião, 2005
  • E se Obama fosse Africano? e Outras Intervenções, 2009

Encantos do Amor

  • Terra Sonâmbula, 1992
  • Vinte e Zinco, 1999
  • Mar Me Quer, 2000
  • O Último Voo do Flamingo, 2000
  • A Varanda do Frangipani, 1996
  • Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra, 2002
  • O Outro Pé da Sereia, 2006
  • Venenos de Deus, Remédios do Diabo, 2008
  • Jesusalém (no Brasil, o título do livro é Antes de nascer o mundo), 2009
  • Vagas e lumes, 2014

Livros para Crianças

  • O Gato e o Escuro (2008),
  • O Beijo da Palavrinha (Ilustrações de Malangatana, 2006),
  • A Chuva Pasmada (Ilustrações de Danuta Wojciechowska, 2004),
  • O Menino no Sapatinho (Ilustrações de Danuta Wojciechowska, 2013).
Carolina Marcello
Escrito por Carolina Marcello

Formou-se em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e possui mestrado em Estudos Literários, Culturais e Interartes pela mesma instituição. Durante os estudos universitários, foi co-fundadora do Grupo de Estudos Lusófonos da faculdade e uma das editoras da revista da mesma, que se dedica às literaturas de língua portuguesa.