Incidente em Antares: um Romance de Érico Veríssimo


Escrito por Rebeca Fuks

Érico Veríssimo lançou sua criação final, o livro Incidente em Antares (1971), que é considerado parte do Realismo Mágico.

A história de Antares e do Incidente se passa em uma pequena cidade no interior do Rio Grande do Sul. O lugar é abalado por uma greve geral que altera completamente a rotina da cidade.

Durante a greve, quando a cidade parou, operários, garçons, bancários, enfermeiros e funcionários do cemitério estavam entre os manifestantes. Devido à impossibilidade de dar sepultura aos sete corpos que haviam falecido neste período, os cadáveres começaram a sair dos seus caixões e a vagar pelas ruas da cidade.

No período da ditadura militar, Incidente em Antares foi publicado com a intenção de criticar a política brasileira. Esta narrativa ao mesmo tempo divertida e trágica conta uma história de muitas camadas.

Principais Pontos do Resumo

Introdução a Antares

No primeiro trecho do livro de Érico Veríssimo, somos apresentados à pequena cidade fictícia de Antares, localizada no Rio Grande do Sul, bem próxima à fronteira argentina.

A região era governada por dois clãs que nutriam um profundo ódio entre si: os Vacariano e os Campolargo. Quase um terço da obra relatava a cidade e o modo como as duas famílias controlavam a área, com seus valores peculiares e frequentes alfinetes.

A saga de Antares relata a história da terra, desde o início, quando os primeiros estrangeiros ali chegaram. Além disso, também aborda a genealogia das duas famílias mais importantes da região. A partir de Francisco Vacariano, que governou como autoridade suprema e incontestável durante mais de uma década, a vila começou a ser administrada.

No verão de 1860, um conflito começou a se desenrolar quando Anacleto Campolargo manifestou interesse em adquirir terras na região. Francisco Vacariano logo deixou claro que não aceitaria intrusos em seu território.

Ao enfrentar Francisco, Anacleto comprou as terras ao redor, o que alimentou o ressentimento que duraria por várias gerações.

A primeira vez em que Chico Vacariano e Anacleto Campolargo se defrontaram nessa praça, os homens que por ali se encontravam tiveram a impressão de que os dois estancieiros iam bater-se num duelo mortal. Foi um momento de trepidante expectativa. Os dois homens estacaram de repente, frente a frente, olharam-se, mediram-se da cabeça aos pés, e foi ódio à primeira vista. Chegaram ambos a levar a mão à cintura, como para arrancar as adagas. Nesse exato momento o vigário surgiu à porta da igreja, exclamando: “Não! Pelo amor de Deus! Não!”

Fixando-se na vila, Anacleto Campolargo construiu-se uma casa, estabelecendo relações de amizade e fundando o Partido Conservador.

Logo após o Partido Liberal ser fundado por Chico Vacariano, ele começou a se opor. Esta oposição, ao longo do tempo, desencadeou uma série de conflitos entre as famílias, que logo passaram a ter uma relação extremamente ruim.

A cidade de Antares, embora tivesse sido o local de descoberta de ossos fósseis provenientes da época dos dinossauros, não era notória no mapa devido ao conflito entre as duas dinastias influentes. Isso a fez ser facilmente superada pela sua vizinha, São Borja.

Parte Dois: O Incidente

No dia 13 de dezembro de 1963, Antares, no Rio Grande do Sul, ficou famosa ao longo do Brasil devido a um incidente ocorrido. Apesar de ser passageiro, essa fama deu a Antares uma visibilidade que até então não tinha. Dessa forma, todos puderam conhecer essa pequena cidade localizada ao sul do Brasil.

Em 12 de dezembro de 1963, todos os setores da sociedade em Antares foram impactados pelo início de uma greve geral às 12h. Indústrias, serviços de transporte, comércio e central elétrica foram afetados.

Os trabalhadores das fábricas iniciaram uma greve, saindo para o almoço e não retornando às suas funções.

Os trabalhadores dos bancos, restaurantes e companhia de energia elétrica deixaram seus postos de trabalho. Os funcionários da empresa de energia elétrica cortaram o fornecimento de luz na cidade, com exceção dos cabos que alimentavam os dois hospitais da região.

Como consequência da greve de Antares, os coveiros e o zelador do cemitério também aderiram, gerando um grande problema na região.

Mais de quatrocentos operários interditaram o cemitério formando um cordão humano para bloqueá-lo.

“Mas que pretendem eles com essa atitude tão antipática?” – perguntava-se. A resposta era, quase invariavelmente: “Fazer pressão sobre os- patrões para conseguir o que querem”.

Sete cidadãos antarenses perderam a vida durante a greve. Infelizmente, eles não puderam ser devidamente enterrados. Os falecidos eram:

  • Prof. Menandro (que suicidou-se cortando as veias dos pulsos);
  • D. Quitéria Campolargo (que morreu de enfarto do miocárdio);
  • Joãozinho Paz (que faleceu no hospital, com embolia pulmonar);
  • Dr.Cícero Branco (que foi vítima de um derrame cerebral fulminante);
  • Barcelona (sapateiro comunista cuja morte é desconhecida);
  • Erotildes (prostituta que faleceu tísica);
  • Pudim de Cachaça (o maior beberrão de Antares, assassinado pela própria mulher, a Natalina).

Os sete caixões permaneceram à espera, sem serem enterrados devido à greve, contendo os corpos dentro. No entanto, o que se viu foi inacreditável: os mortos, de repente, se levantaram e partiram em direção à cidade.

Mortos, os corpos têm acesso a todos os locais onde sua morte pode ser verificada, assim como a reação das pessoas ao receberem a notícia. Assim, possível obter informações acerca da maneira como aconteceu o falecimento.

Os mortos decidiram se encontrar no dia seguinte, ao meio dia, no coreto da praça, para que não se perdessem uns dos outros. Cada um foi para casa e retomar o contato com parentes e amigos.

"Eles não têm medo algum". À meia-noite, sete mortos estavam presentes, e sob os olhares da população começaram a fazer denúncias contra alguns dos vivos, sem temer qualquer forma de represália. Segundo Barcelona: "Eles não possuíam medo algum".

Sou um defunto legítimo e portanto estou livre da sociedade capitalista e dos seus lacaios.

Joãozinho Paz, o político, falava abertamente sobre o enriquecimento ilegal dos ricos da região; o que lhe custou a vida, pois ele foi brutalmente torturado pela polícia.

Erotildes aproveita a oportunidade para identificar alguns dos seus clientes na multidão. Barcelona, que trabalhava como sapateiro e era conhecedor de muitas das fofocas da cidade, também acusa os adultérios na cidade.

Após o caos desencadeado por denúncias, os grevistas decidiram atacar os mortos no coreto. No entanto, os falecidos tiveram o direito de prosseguir para o cemitério e foram enterrados de acordo com o previsto.

O assunto dos mortos-vivos tem ganhado fama. Devido a isso, Antares está cheio de repórteres interessados em escrever sobre o tema, no entanto, não há nada que possa ser comprovado.

As autoridades locais alegam que a história foi criada para impulsionar uma feira de agropecuária que ocorreria na área.

Investigação de Incidente em Antares

Reflexões do Autor

No início da narrativa, o autor exibe uma nota: "Incidente em Antares". Esta nota nos prepara para a leitura do conto, que já começa com imersão ao mundo criado pelo autor.

Neste romance as personagens e localidades imaginárias aparecem disfarçadas sob nomes fictícios, ao passo que as pessoas e os lugares que na realidade existem ou existiram, são designados pelos seus nomes verdadeiros.

Criada exclusivamente pela imaginação de Veríssimo, Antares não tem paralelo no mundo real.

O romance dá vida à região situada nas margens do rio, próximo ao município de São Borja, praticamente na fronteira do Brasil com a Argentina. Apesar de ter sido criada para parecer real, a autora se preocupou em descrevê-la com detalhes.

O mistério que permeia a narrativa já repleta de suspense é reforçado pela nota do autor. O realismo mágico presente ao longo da obra soma-se ao tom de enigma ali expressado.

A Narrativa do Narrador

O narrador onisciente de Incidente em Antares é uma presença constante, contando detalhadamente todas as histórias e características das duas famílias que detêm o poder da região. Esta figura sabe tudo e vê tudo, dando ao leitor uma visão completa e abrangente do mundo fictício criado.

Ao entrar nos segredos do poder controlado pelos Vacariano e Campolargo, o narrador apresenta ao leitor detalhes que normalmente estariam fora do seu alcance.

Exemplos de situações em que o favoritismo foi praticado por famílias abastadas ou pelo governo são numerosos.

– Diga também que sou plantador de soja, e da boa! E se ele quiser estabelecer o negócio dele em Antares, eu arrumo tudo: o terreno para a fábrica, material de construção a preço baixo e mais ainda: cinco anos de isenção de impostos municipais! O prefeito da cidade é meu sobrinho e eu tenho na mão a Câmara de Vereadores.

O indivíduo que narra essa história relata cenas de infidelidade, tratados insinceros, violência e conduta paternalista.

No início da obra, há uma abordagem séria, com a inclusão de dados científicos e técnicos como os fósseis de gliptodonte. Entretanto, no decorrer da narrativa, o tom muda e o narrador se empenha em relatar fofocas, rumores e suspeitas, não necessariamente embasadas.

– Quita! Quita! Quita! Não te lembras mais deste teu velho amigo? Estás sendo explorada por um patife sem escrúpulos, um desclassificado social que sorrindo confessa em praça pública que é enganado pela própria esposa. O Cícero está usando a tua presença, o prestígio do teu nome para atacar a classe a que pertences. Mas tu és das nossas, eu sei! Fala, Quita! Conta ao povo de Antares que ele é um intrigante, um sacripanta, um mentiroso!

Confrontando a Violência

Em Incidente em Antares, vemos várias manifestações de violência. Por exemplo, a violência doméstica é abordada: Natalina, após sofrer anos devido ao vício do marido em cachaça, decide colocar um ponto final na situação.

Durante anos, a esposa trabalhou duro para sustentar o marido, que frequentemente chegava tarde e às vezes a agredia. Cansada desta rotina, ela resolveu colocar arsênico na comida do homem, em uma dose suficiente para matar um cavalo. Foi dessa forma que Pudim de Cachaça foi assassinado.

Menandro, o pianista, infelizmente cometeu a violência contra si mesmo. Tendo se cansado da solidão e da luta para executar a Appassionata, ele optou por desistir da vida.

Ele não conseguia nunca alcançar fama ou fazer concertos e, em um acesso de raiva, ele puniu as próprias mãos cortando os pulsos com uma navalha.

João Paz é um personagem cuja violência é retratada de forma extremamente dura. Ele é um político que é alvo de tortura extremamente cruel.

Ao ler o livro, era possível perceber que a descrição apresentada se assemelhava à cruel e desumanizante realidade das sessões de tortura impostas pelos militares. A ficção e a realidade se confundiam, criando um cenário aterrorizante.

- Mas o interrogatório continua…Vem então a fase requintada. Enfiam-lhe um fio de cobre na uretra e outro no ânus e aplicam-lhe choques elétricos. O prisioneiro desmaia de dor. Metem-lhe a cabeça num balde d’água gelada, e uma hora depois, quando ele está de novo em condições de entender o que lhe dizem e de falar, os choques elétricos são repetidos…

Em diversos trechos, como se comprova logo acima, o romance também aborda a realidade política do país. Uma cena muito elucidativa acontece enquanto Cel. Tibério Vacariano, aflito com a ameaça de uma greve Geral, expressa sua crítica à sociedade e defende a utilização da força.

Após várias tentativas em conversar com o governador e criticar a estrutura política e social de onde fazia parte, Tibério perdeu a paciência.

Ele desejava que o governador intercedesse com firmeza, mesmo que essa ação fosse considerada ilegal.

– Não há nada que meu governo possa fazer dentro da legalidade.

– Pois então faça fora da legalidade.

– Alô? Fale mais alto, coronel.

– Mande a legalidade pro diabo! – vociferou Tibério.

– Envie tropas da Brigada Militar para Antares e obrigue esses, mequetrefes a voltarem ao trabalho. O aumento que eles pedem é absurdo. A greve é dos trabalhadores das indústrias locais. Os outros apenas se solidarizaram com eles. Coisas que os chefes do P.T.B. e os comunas meteram na cabeça dos operários.

– Coronel, o senhor esquece que estamos numa democracia.

– Democracia qual nada, governador! O que temos no Brasil é uma merdocracia.

– Alô?! A ligação está péssima.

– Eu disse que estamos numa mer-do-cra-ci-a, entendeu?

(...)

Tibério não respondeu. Enquanto metia num saco de lona os petrechos de chimarrão, resmungava: “Garanto como ele agora volta pra cama e vai dormir até às oito. Quando acordar para o café vai pensar que este telefonema foi um sonho. Enquanto isso os comunas, os brizolistas e os pelegos do Jango Goulart estão se preparando para tomar conta da nossa cidade. É o fim da picada!”

A Origem do Livro

Durante uma caminhada matinal do dia 8 de maio de 1971 com sua esposa, o autor teve a ideia de criar a obra Incidente em Antares, que foi posteriormente revelada em uma entrevista.

Veríssimo foi motivado a começar o seu trabalho devido a uma fotografia que ele havia visto algum tempo atrás.

Veríssimo não tinha o timing ideal para a criação de Incidente em Antares, pois estava na época trabalhando em A Hora do Sétimo Anjo. Alguns aspectos do romance foram reutilizados para a criação desta obra.

Veríssimo escreveu a primeira parte do seu livro, Antares, durante a sua estadia nos Estados Unidos.

Mantendo um registro minucioso de sua criação, o autor escreveu um diário que servia como roteiro de seu romance.

Ao voltar ao Brasil, a escrita do diário foi interrompida, o que impede que se saiba muito sobre o que aconteceu por trás da segunda parte do livro.

É importante destacar que o período de composição do romance foi muito difícil para o Brasil. Durante esse tempo, a ditadura militar aumentou sua força de 1968 a 1972, como é lembrado pelo Ato Institucional Número Cinco, instituído em 1968.

A escolha da data para o ocorrido em Antares não foi algo casual, pois foi o dia 13 de dezembro de 1963. Esse dia tem um significado importante para o Brasil, pois em 1968 foi decretado o AI5, que foi um fato trágico na história do país.

Durante um momento de ditadura, Veríssimo usou sua obra para fazer críticas disfarçadas para se proteger.

O escritor brasileiro, em uma entrevista sobre aquele difícil período, confessou:

Sempre achei que o menos que um escritor pode fazer, numa época de violência e injustiças como a nossa, é acender sua lâmpada […]. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos nosso posto.

Série Minidocumental

A partir de 29 de novembro de 1994, a rede de televisão Globo exibiu, às 21:30h, 12 capítulos da adaptação do romance de Érico Veríssimo, Incidente em Antares, finalizando a exibição no dia 16 de dezembro.

José Luiz Villamarim foi o diretor geral encarregado da adaptação, enquanto Alcides Nogueira e Nelson Nadotti assinaram o texto.

O elenco de atores foi formado pelos grandes nomes: Fernanda Montenegro (Quitéria Campolargo), Paulo Betti (Cícero Branco), Diogo Vilela (João da Paz) e Glória Pires (Erotildes).

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Assistindo a um Filme

Em 1994, a Globo estreou um filme, inspirado na série de TV transmitida de novembro a dezembro do mesmo ano.

Charles Peixoto e Nelson Nadotti são responsáveis pela adaptação cinematográfica.

Os mortos no filme Incidente em Antares.

Rebeca Fuks
Escrito por Rebeca Fuks

É graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), possui mestrado em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutorado em Estudos de Cultura pelas Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).