Análise e Explicação do Filme "Nós"


Escrito por Sónia Cunha

Jordan Peele é o diretor do filme norte-americano de terror, suspense e ficção científica intitulado Nós.

Lupita Nyong'o interpreta Adelaide, uma mulher que mantém um segredo sinistro sobre sua infância. Quando ela volta à praia de Santa Cruz com sua família, ela é atormentada por lembranças dolorosas do passado.

À medida que a noite cai, as suas piores visões se materializam. Quatro figuras vestidas de vermelho surgem de repente à sua porta.

Atenção: a partir daqui, você estará descobrindo detalhes que serão desvendados durante o desenrolar da história!

Explicando o Final do Filme 'Nós'

O final surpreendente e cheio de significados do longa-metragem foi o que mais chamou a atenção do público.

A obra possui símbolos e metáforas que se relacionam entre si, o que gera diversas interpretações possíveis. Por isso, não cabe à nós a tarefa de desvendar por completo seu significado, mas sim de propor caminhos significativos para sua análise.

Trocando de Lugar

As duas mulheres frente a frente

Red e Adelaide protagonizam a narrativa, cada uma com seu próprio objetivo: Red lidera uma rebelião dos clones que habitam os esgotos da cidade, enquanto Adelaide luta para proteger sua família da brutalidade dos clones. Esta dualidade e conflito marcam a narrativa de forma intensa.

Embora possamos entender que aqueles indivíduos enlouqueceram como consequência ao abandono da experiência, e desejem se vingar, nós, ao longo da perseguição, acabamos por torcer pelos Wilson. Assim, Adelaide logo se torna a heroína da história, enquanto Red assume o lugar de antagonista.

No final da história, tudo muda. Quando as duas garotas se encontraram pela primeira vez na casa de espelhos, descobriram que elas haviam trocado de lugar.

Adelaide na casa de espelhos.

Red é, de fato, a verdadeira Adelaide. Sua dificuldade de fala resultou da asfixia que sofreu quando o clone a dominou e assumiu sua identidade.

Na conclusão, Adelaide se revelou como a antagonista da história: inteligente e ávida, ela aproveitou a oportunidade que tinha para alcançar a liberdade, mesmo que isso significasse sacrificar outra pessoa.

Adelaide se Recordava do que Acontecera?

Nós é notável pelo modo como o diretor joga com a noção de coincidência, espalhando inúmeros indícios e pistas ao longo da história para preparar a revelação final.

Ao rever o longa metragem de Jordan Peele, mesmo com o desenlace já conhecido, torna-se uma experiência desafiante e prazerosa. Isso porque, como o próprio diretor afirma, nenhum detalhe está ali por acaso.

Nos momentos finais, quando a protagonista está dirigindo com o filho, ela recorda que, embora não expressa, sempre esteve presente para ela.

Cena final do filme Nós - sorriso de Adelaide

O sorriso da menina, que é reproduzido na seqüência final, torna-se notável em várias lembranças.

Há alguns sinais reveladores do que estava por vir na história. Por exemplo, a mãe sabia qual era a direção certa para encontrar o filho raptado por Red. Além disso, ela disse à sua filha que faria qualquer coisa para protegê-la, mesmo que isso significasse grandes sacrifícios.

Jason, escondido, presencia a crueldade de sua mãe quando ela mata a rival e rouba um colar de seu pescoço. Ele observa a cena com um olhar desconfiado e apreensivo que nos leva a questionar se ele percebeu a verdade.

Explorando o Medo: Uma Análise Profunda

Nós é um filme de terror e suspense que cria uma sensação de ameaça constante. Não sabemos o que está para vir, o que nos leva a querer proteger aquilo que é nosso e a temer o desconhecido e aquilo que não conseguimos compreender.

Adelaide protegendo os filhos

Nos dias de hoje, somos obrigados a permanecer em alerta, sempre prontos para enfrentar o inimigo. Essa atitude, embora nos mantenha seguros, também pode desencadear o pior de nós. O retrato desse estado de alerta mostra que temos que estar vigilantes para não perder aquilo que nos pertence.

No princípio do filme, durante o café da manhã, Jason diz algo extremamente inteligente que reforça a visão de que ele é sábio para a sua idade.

Quando você aponta um dedo pra alguém, tem três dedos apontados pra você.

Peele nos mostra que não é preciso ser necessariamente o "bom" ou o "mau" de uma história. Às vezes, as pessoas podem ser ambas. É assim que ele tenta passar a mensagem ao seu público.

Adelaide desce ao subsolo

A casa de espelhos que é o ponto de encontro das garotas ilustra as muitas faces que podemos exibir, dependendo de quais são as nossas circunstâncias.

Adelaide e sua família são impressionantes ao se mostrarem capazes de se adaptar rapidamente à violência e se tornarem eficazes assassinos para garantir a sua sobrevivência.

Após o lançamento de Nós, o diretor fez declarações que permitem compreender sua perspectiva para o filme.

Estamos num momento em que tememos o outro, seja o invasor misterioso que pensamos que virá e nos matará e tomará nossos empregos, ou a facção que não vive perto de nós, que votou de forma diferente da nossa. O nosso objetivo é apontar o dedo. E eu queria sugerir que talvez o monstro que realmente precisamos encarar tenha nosso rosto. Talvez o mal sejamos nós.

Análise Crítica e Reflexão Social

Confirmado no trecho acima, Nós pode ser visto como uma metáfora para os Estados Unidos da América e suas desigualdades sociais. A mensagem é reforçada ao longo de toda a história.

Ao questionar a identidade dos duplos, os Wilson receberam de Red a resposta "Somos americanos". Esta cena tem sido interpretada por muitos como uma crítica ao sistema capitalista ou como uma reflexão de Corra! sobre racismo e segregação dos afro-americanos.

Outra família aparece na porta da casa.

Os duplos eram seres humanos que foram condenados a viver em exclusão e desesperança, e como resultado de uma experiência estranha destinada ao controle da população. Porém, eles ultrapassaram isso e se uniram para lutar por aquilo que sempre lhes foi devido.

"O tema que quero tratar é a hipocrisia dos Estados Unidos". Jordan Peele quis mostrar, através de seu filme, a hipocrisia existente nos Estados Unidos. Além disso, podemos ler o filme como uma chamada de atenção para a marginalização e o privilégio, já que ele mesmo afirmou: "O tema que quero tratar é a hipocrisia dos Estados Unidos".

Para termos o nosso privilégio, alguém sofre. (....) Aqueles que sofrem e aqueles que prosperam são duas faces da mesma moeda. Você nunca pode esquecer isso. Precisamos lutar pelos menos privilegiados.

Aprenda mais

Explorando os Temas e Simbologias do Filme Nós

Jordan Peele teve grande sucesso com Corra! (2017), e agora traz outro filme assustador, repleto de comentários sobre a realidade atual.

Nós, um filme bastante recente, contém numerosas referências à cultura pop dos anos 80 e 90, sendo uma delas a blusa de Michael Jackson, do álbum Thriller, utilizada por Adelaide na noite infeliz.

Neste filme em que o medo é o tema central, o diretor recorre a algumas figuras que remetem ao nosso imaginário coletivo, como os zumbis, cujo comportamento agressivo e imprevisível é associado aos duplos. O cineasta também extrai elementos de lendas urbanas e teorias da conspiração, conhecidos pelo público.

Corredores e tuneis subterrâneos

Nos primeiros segundos da narrativa, é revelado que existem túneis desconhecidos que atravessam todo o território dos Estados Unidos da América. A princípio, não se sabe para que servem. Posteriormente, Zora, filha do casal, sugere que o governo possa estar usando a água para tentar controlar a população.

Apesar de todas as perguntas e tópicos abordados na trama, a atmosfera de terror predomina: há diversos sustos e cenas extremamente sanguinolentas. Por outro lado, o diretor também desenvolveu um humor sombrio, proporcionando passagens que podem gerar boas gargalhadas.

Vidas Duplas no Subsolo

A narrativa é guiada por uma realidade onde existe um universo subterrâneo alojando uma versão idêntica de cada indivíduo sem escolha própria e repetindo os seus atos. Assim, são reveladas duas variantes de uma mesma existência.

Família dos duplos.

Era uma vez uma garota e a garota tinha uma sombra. As duas estavam conectadas, unidas.

Os duplos nasceram sem os mesmos direitos dos outros seres humanos, privados da luz e forçados à escuridão. Estes indivíduos foram vítimas de uma cruel injustiça, confinados numa prisão sem ter cometido nenhuma infração.

O filme apresenta uma reflexão através das leituras raciais e de classe, mas vai mais longe ao sugerir uma reflexão acerca do sistema carcerário norte-americano. A prova disso é o uso de macacões avermelhados, que lembram uniformes de prisioneiros.

Nós: coelhos nas jaulas

Os duplos viviam em um ciclo de repetição: alimentavam-se de coelhos, que permaneciam trancados e presos em seus limites. Esta situação é uma metáfora para a própria existência dos duplos, que eram usados como cobaias para testes científicos. Assim como os coelhos, eles comiam, reproduziam-se e morriam, restritos às condições impostas.

O diretor explicou que o motivo pela qual o símbolo se repete frequentemente é por conta de sua dualidade: coelhos, conhecidos por sua fofura, mas também por sua periculosidade. Já as tesouras, suas armas de escolha, representam duas partes que se unem, ou seja, "duas metades formando uma só".

O Líder dos Duplos: Red

A chegada de Red significou o marco para a mudança nas vidas dos duplos. Foi como se elas tivessem se encontrado por algum propósito maior, o que fizeram com que os papéis que elas desempenhavam fossem trocados e que a verdadeira Adelaide fosse condenada a viver na obscuridade.

Enquanto todos ao seu redor tinham perdido o controle, caminhando sem rumo, a garota se mantinha firme, pois ela sabia o que era estar na superfície, o que lhe dava uma visão diferente sobre tudo que estava acontecendo.

Quando foi apresentar seu trabalho pela primeira vez na frente de público, os espectadores perceberam que havia algo especial naquela dança. Ela havia aprendido a dançar lá e, ao desempenhá-la, todos conseguiram notar a sua singularidade.

A dança de Red é aclamada como um símbolo de independência e expressão. É chamada de "milagre" pela personagem, já que lhe mostrou o seu sentido. O movimento rompe o letargo, relembrando que todos ali têm vida, e consequentemente, têm controle sobre ela.

A suposta vilã vem comprometer o sistema ao assumir a liderança e incentivar os outros a se organizarem para planejar a vingança. Assim, ela despertará a consciência dos demais a respeito da necessidade de reagir.

A Significância da Mensagem da Passagem Bíblica

Durante o filme, a passagem bíblica de Jeremias 11:11 surge diversas vezes associada à casa de espelhos, o portal para o "lado de lá". Quando Adelaide segue no caminho para chegar ao local, ela vê um homem segurando um cartaz que exibe a passagem bíblica.

Muitos anos depois, Jason se perdeu na praia e encontrou a mesma inscrição. Aquilo o instigou a pensar no homem que segurava o cartaz naquele lugar. À noite, ele mostrou para sua mãe o desenho que havia feito dele e o relógio que marcava exatamente "11:11".

Jeremias 11:11

Os números sendo iguais são metaforizados pelos duplos, e a imagem revela uma mensagem oculta.

Após o povo de Israel atraiçoar a Deus, revelações bíblicas registram a triste reação divina. O povo desobedeceu a Deus e passou a venerar ídolos estranhos, algo que Ele não poderia tolerar.

Por isso, assim diz o Senhor: "Trarei sobre eles uma desgraça da qual não poderão escapar. Ainda que venham a clamar a mim, eu não os ouvirei".

A inclusão deste detalhe no filme trouxe uma camada adicional de interpretação, evidenciando uma mensagem religiosa. Ele pode ser entendido como um sinal de desapontamento vindo de uma força superior devido ao desejo da humanidade em se apropriar do poder, levando a sua condenação.

Red acredita que foi designado por Deus para realizar uma missão. Esta crença explicaria os muitos fatos que se alinharam durante a narrativa, tornando assim possível a realização de sua missão.

Qual é o Significado do Hands Across America?

No início do filme, Red assiste a um anúncio na TV de Hands Across America - uma campanha humanitária. Esta foi uma das últimas visões que ela teve em sua infância, antes de ser sequestrada por sua dupla.

No dia 25 de maio de 1986, ocorreu o evento histórico em que 6,5 milhões de norte-americanos se uniram para formar uma corrente humana que se estendia por vários estados dos EUA. Esta foi uma grande demonstração de união e solidariedade do povo americano.

Quadro negro

A ação tinha como intuito captar a atenção do país inteiro para a miséria e a inanição, buscando recursos para socorrer aqueles que estavam necessitados.

Red está procurando recriar o momento. Ele cria uma linha infinita de duplos que se espalham por todo o país. Quando Adelaide se prepara para partir com o filho, as cidades estão vazias, mas ainda há uma interminável processão de figuras vestidas de vermelho, como se fossem a alma do lugar.

Gabriel, marido de Adelaide, aponta que a decisão da líder dos Duplos se trata de um ato de protesto. Ela explica que a simples vingança não será suficiente e que é necessário criar uma declaração efetiva para que o resto do mundo a veja.

Agora é o nosso tempo!

Explorando a Trilha Sonora do Filme

Nossa seleção musical é excepcional, cobrindo gêneros desde o rap, hip hop e outros estilos urbanos a música clássica.

Em alguns momentos, as músicas escolhidas criam um choque em relação às cenas que estamos vendo, dando origem a uma comédia peculiar. Quem imaginaria que um dia seríamos testemunhas de um massacre ao som de Good Vibrations, dos Beach Boys?

Não perca a chance de conferir essa incrível playlist que nós preparamos para você se divertir.

Informações Técnicas e Cartaz do Filme

Novo Título

Cartaz do filme Nós

Sónia Cunha
Escrito por Sónia Cunha

É licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003) e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006). Ao longo da carreira profissional, exerceu vários cargos em diferentes áreas, como técnico superior de Conservação e Restauro, assistente a tempo parcial na UPT e professora de História do 3º ciclo e ensino secundário. A arte e as letras sempre foram a sua grande paixão.