Análise da Música "Pra não dizer que não falei das flores" de Geraldo Vandré


Escrito por Rebeca Fuks

Geraldo Vandré escreveu e cantou a música "Pra não dizer que não falei das flores" em 1968, o que lhe rendeu o segundo lugar no Festival Internacional da Canção desse ano. Mais conhecida como "Caminhando", a canção se tornou um símbolo de resistência ao regime ditatorial militar que governava o Brasil na época.

A composição de Vandré foi censurada pelo regime e ele passou a ser perseguido pelas forças militares. Para evitar represálias, ele decidiu por fugir do país e optar pelo exílio.

Título da música

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Somos todos iguais braços dados ou não

Nas escolas, nas ruas, campos, construções

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Vem, vamos embora, que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Pelos campos há fome em grandes plantações

Pelas ruas marchando indecisos cordões

Ainda fazem da flor seu mais forte refrão

E acreditam nas flores vencendo o canhão

Vem, vamos embora, que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Há soldados armados, amados ou não

Quase todos perdidos de armas na mão

Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição

De morrer pela pátria e viver sem razão

Vem, vamos embora, que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Nas escolas, nas ruas, campos, construções

Somos todos soldados, armados ou não

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Somos todos iguais braços dados ou não

Os amores na mente, as flores no chão

A certeza na frente, a história na mão

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Aprendendo e ensinando uma nova lição

Vem, vamos embora, que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Conteúdo interessante

Explorando os Resultados da Análise

O tema tem uma estrutura rimática simples (A-A-B-B), o que o torna fácil de memorizar e transmitir a outras pessoas. A sonoridade é semelhante a de um hino, e a letra está em um registro de linguagem corrente.

A música foi usada como uma forma de resistência durante o regime de 1968, através de passeatas, protestos e manifestações. As canções difundiam de maneira clara e eficaz mensagens revolucionárias e ideológicas.

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Somos todos iguais braços dados ou não

Nas escolas, nas ruas, campos, construções

Caminhando e cantando e seguindo a canção

"Caminhando e cantando" - esta é a imagem que a primeira estrofe traz de uma passeata ou protesto. Nela, os participantes são "todos iguais", independentemente da relação entre eles, estejam "braços dados ou não".

Foto de um protesto de 1968, jovem segura um cartaz pedindo o final do militarismo.

Vandré chamou para a manifestação todos os setores da sociedade, mencionando "escolas, ruas, campos, construções", para mostrar que todos, independentemente de qualquer outra diferença, estavam marchando juntos pela mesma causa: Liberdade! A união entre todos era necessária para que esse objetivo fosse alcançado.

Vem, vamos embora, que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Geraldo convida à luta com o refrão, repetido tantas vezes, cantado como um apelo à ação e à união. Ele se dirige diretamente a quem ouve a música, pedindo que venham: "Vem". Ao usar a primeira pessoa do plural ("vamos embora"), transmite uma mensagem de que a luta deve ser feita em conjunto, pois o caminho seguido é o caminho compartilhado.

O autor assinala que quem tem consciência sobre a situação do país não pode simplesmente ficar sentado esperando por mudanças. É preciso agir de imediato, como o ditado diz: “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Portanto, a frase "esperar não é saber" significa que nenhuma solução será entregue de mão beijada.

Pelos campos há fome em grandes plantações

Pelas ruas marchando indecisos cordões

Ainda fazem da flor seu mais forte refrão

E acreditam nas flores vencendo o canhão

Nesta estrofe, a miséria dos agricultores e camponeses é denunciada e a exploração a que estavam sujeitos é condenada ("fome nas grandes plantações"). Além disso, há uma forte crítica aos que tentam resolver a crise política com diplomacia e acordo, organizados em "indecisos cordões".

Retrato de mulher nos anos 60 segurando uma flor diante dos militares.

O movimento da contracultura hippie, o flower power, promove ideais de "paz e amor", representados pelas flores - o "mais forte refrão". No entanto, a sua força é ineficaz diante da força da polícia militar, simbolizada pelo "canhão".

Há soldados armados, amados ou não

Quase todos perdidos de armas na mão

Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição

De morrer pela pátria e viver sem razão

Apesar de representarem o inimigo, as forças militares não são desumanizadas na música. Ao contrário, ela lembra que eles estavam “quase todos perdidos de armas na mão”, sem compreender o motivo de terem que matar. Obedeciam às ordens ditatoriais, pois foram submetidos à "antiga lição / De morrer pela pátria e viver sem razão".

Soldados durante a ditadura militar.

Os soldados eram guiados por um sentimento falso de patriotismo, e assim tinham que entregar suas vidas - muitas vezes até a morte - pelo sistema que eles defendiam, porém que também os prendia.

Nas escolas, nas ruas, campos, construções

Somos todos soldados, armados ou não

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Somos todos iguais braços dados ou não

Os amores na mente, as flores no chão

A certeza na frente, a história na mão

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Aprendendo e ensinando uma nova lição

Na última estrofe, a mensagem de igualdade entre todos os cidadãos é reforçada, assim como a urgência de partirem juntos para a luta. É destacado que apenas através de um movimento organizado a revolução pode ser alcançada.

A música incitava-os a avançar com "amores na mente", lembrando-se das vítimas da repressão militar e dos seus seres queridos. Para triunfarem, sugeria-se que deixassem de lado a abordagem pacifista, simbolizada pelas "flores no chão".

Tinha nas mãos a responsabilidade de alterar a história do Brasil. Eles deviam marchar, cantar, aprender e ensinar, compartilhando seus conhecimentos e incentivando a militância de outras pessoas.

O Poder da Música

"Pra não dizer que não falei das flores" surge como um convite para a resistência política radical. É um apelo para lutar e derrubar a ditadura de qualquer forma possível.

Geraldo Vandré sugere que "paz e amor" não sejam suficientes para derrotar armas e canhões. Enfatizando a importância da união e da ação organizada, ele ilustra que o caminho para o triunfo é a unidade e o empenho em conjunto.

História do Contexto

Resistência e Repressão em 1968

No ano de 1968, o Brasil sofria com a repressão política estabelecida pela instituição do AI-5, que concedia quase que total autonomia ao governo em vigor.

Diante da autoritária e violenta resposta da polícia, os estudantes universitários se mobilizaram e começaram a realizar manifestações públicas. Infelizmente, estas foram alvo de agressões, mandatos de prisão e, em alguns casos, assassinatos.

Com o passar do tempo, os protestos foram se expandindo pelo Brasil, e diversos grupos começaram a se unir à causa: celebridades, jornalistas, padres, profissionais de Direito, mães e muitos outros.

Avaliação da Liberdade de Expressão

Retrato de atrizes brasileiras em protesto contra a censura militar

Mesmo sob censura ameaçadora, proibitiva e repressiva, a música tornou-se um meio artístico para transmitir mensagens políticas e sociais.

Apesar do perigo, os intérpretes enfrentaram a autoridade implantada e lutaram por suas crenças, expondo-as publicamente para transmitir uma mensagem de força e coragem para a população brasileira.

Décadas após o Festival Internacional da Canção de 1968, um dos membros do júri revelou numa entrevista que "Pra não dizer que não falei das flores" teria sido a música vencedora. Apesar disso, Vandré ficou com o segundo lugar devido às pressões políticas a que a organização do Festival e a TV Globo, emissora que transmitia o programa, foram submetidas.

Exílio de Geraldo Vandré e seu Afastamento da Vida Pública

Geraldo Vacré no Festival da Canção de 1968.

Quem desafiava o poder militar poderia sofrer uma série de consequências, sendo prisão, morte ou exílio, caso conseguisse escapar.

"Pra não dizer que não falei das flores" foi o motivo que levou o Departamento de Ordem Política e Social a vigiar Geraldo Vandré, resultando na necessidade de uma fuga.

Após passar por vários países, como Chile, Argélia, Alemanha, Grécia, Áustria, Bulgária e França, ele regressou ao Brasil em 1975. Optou por se afastar dos holofotes e dedicar-se à advocacia.

A canção deles e o significado político que ela possuía ficaram marcados na música e na resistência política brasileira.

Rebeca Fuks
Escrito por Rebeca Fuks

É graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), possui mestrado em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutorado em Estudos de Cultura pelas Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).