Música Contra a Ditadura Militar no Brasil: 18 Clássicos


Escrito por Sónia Cunha

Durante a ditadura militar brasileira (1964 - 1985), os artistas não se calaram diante da subjugacão e da censura. Adotaram diversas formas de resistência cultural para expressar seus ideais.

A MPB foi usada como uma forte forma de resistência ao controle ideológico do sistema e à falta de liberdade de expressão. Para contornar isso, seus criadores precisaram recorrer aos códigos, metáforas e jogos de palavras para transmitir sua mensagem ao público.

Embora muitos músicos tenham sofrido censura, perseguição e exílio, suas obras continuam sendo relevantes na história e na cultura brasileira.

1. Dueto de Chico Buarque e Milton Nascimento no Cálice

Pai, afasta de mim esse cálice

De vinho tinto de sangue

A canção "Cálice", de Chico Buarque, tornou-se um símbolo importante durante o regime militar. Escrita em 1973, foi alvo de censura e só foi lançada em 1978, cinco anos depois. Esta canção tornou-se um dos hinos panfletários mais significativos da época.

Chico usa metáforas e duplos sentidos a fim de realizar duras críticas ao governo autoritário. Ao citar a passagem bíblica (Marcos 14:36), ele estabelece uma analogia entre o sofrimento de Jesus no calvário e o do povo brasileiro.

O cálice, que serviria como um símbolo do sangue derramado pelos mortos e torturados nas mãos do Estado violento, tem também uma forte conotação de opressão e silenciamento. A semelhança entre as palavras "cálice" e "cale-se" reflete como a silenciar as vozes dos oprimidos se tornou parte da rotina da sociedade.

Como é difícil acordar calado

Se na calada da noite eu me dano

Quero lançar um grito desumano

Que é uma maneira de ser escutado

Esse silêncio todo me atordoa

Atordoado eu permaneço atento

Na arquibancada pra a qualquer momento

Ver emergir o monstro da lagoa

Era como se um "monstro" assombrasse a ditadura, sempre presente, aproximando-se gradativamente e deixando as pessoas em um estado de vigilância contínua.

Ele está apreensivo pela possibilidade de se tornar vítima da polícia militar daquela época, que costumava invadir casas à noite e prender pessoas, muitas vezes sumindo para sempre.

2. Celebrando a Alegria com Caetano Veloso

Caminhando contra o vento

Sem lenço, sem documento

A música Alegria, Alegria, que ganhou destaque no movimento Tropicalista, foi apresentada no Festival da Record de 1967. Embora tenha ficado em quarto lugar na competição, ela era a favorita do público e alcançou grande sucesso.

Em tempos de estagnação e opressão, Caetano cantava em defesa do movimento e da resistência. Ele incentivava o ouvinte a "andar contra o vento", ou seja, a seguir na direção oposta àquela à qual estava sendo direcionado.

Sem lenço, sem documento

Nada no bolso ou nas mãos

Eu quero seguir vivendo, amor

Eu vou

Por que não, por que não

Caetano explicou que a música fala sobre um jovem em sua caminhada pela cidade, contada em primeira pessoa.

Reunindo elementos culturais significativos, faz-se um retrato desta era, que retrata uma juventude confusa e angustiada que deseja escapar, mas não sabe para onde deve se dirigir.

3. Falando das Flores de Geraldo Vandré

Vem, vamos embora, que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

A canção "Pra não dizer que não falei das flores", composta e interpretada por Geraldo Vandré, tornou-se um dos mais importantes símbolos da resistência contra a ditadura militar brasileira.

"Caminhando" fez parte do Festival Internacional da Canção de 1968, onde ganhou o segundo lugar devido à sua letra política. Infelizmente, isso resultou em seu compositor sendo obrigado a deixar o país devido à pressão do governo.

Nas escolas, nas ruas, campos, construções

Somos todos soldados, armados ou não

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Somos todos iguais braços dados ou não

Os amores na mente, as flores no chão

A certeza na frente, a história na mão

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Aprendendo e ensinando uma nova lição

Com ritmos que remetem aos cânticos usados em marchas e mobilizações, a música de Vandré chama à união e à defesa da liberdade. Através dela, o artista aborda a desigualdade social e a pobreza do povo brasileiro, defendendo que todas as classes devem se unir para o bem comum.

Todos aqueles que são cientes da realidade opressiva possuem a responsabilidade de serem proativos e não podem simplesmente esperar que as circunstâncias melhorem. A música expressa esse sentimento de ação.

4. Elis Regina e o Bêbado Equilibrista

Chora

A nossa Pátria mãe gentil

Choram Marias e Clarisses

No solo do Brasil

Aldir Blanc e João Bosco compuseram o tema "O Bêbado e o Equilibrista" em 1979, que foi gravado pela cantora Elis Regina. Apontando para a confusão e tristeza do povo brasileiro no final da liberdade, a canção descreve um bêbado "trajando luto".

A Pátria, com lágrimas nos olhos, chora ao lado de todas as mães, esposas, filhas e companheiras dos que foram levados pela polícia militar. A canção denuncia os casos de violência e mortes que ocorriam em todo o Brasil ao descrever as nuvens como "manchas torturadas".

Ao refletir sobre a ditadura por meio da metáfora "noite do Brasil", o narrador se depara com sentimentos de cansaço e estafa diária. Ao lembrar das pessoas que tiveram de deixar o país para salvar suas vidas, ele se vê em uma posição de profunda tristeza.

Mas sei que uma dor assim pungente

Não há de ser inutilmente

A esperança

Dança na corda bamba de sombrinha

E em cada passo dessa linha

Pode se machucar

Azar!

A esperança equilibrista

Sabe que o show de todo artista

Tem que continuar

Embora a composição seja melancólica, as últimas estrofes trazem uma palavra de ânimo para Elis e seus companheiros e amigos.

A esperança é como um equilibrista, mantendo-se firme mesmo diante de tanto sofrimento. Os brasileiros, principalmente os artistas, não podem desistir e devem seguir adiante, acreditando que os dias de prosperidade logo chegarão.

5. Levar o Meu Bloco às Ruas - Sérgio Sampaio

Há quem diga que eu dormi de touca

Que eu perdi a boca, que eu fugi da briga

Que eu caí do galho e que não vi saída

Que eu morri de medo quando o pau quebrou

Nessa música de 1973, "Botar o Bloco na Rua ", Sérgio Sampaio expressa seus sentimentos de angústia em meio à ditadura militar. Refletindo o sentimento do brasileiro comum, esta composição retrata a insatisfação geral e o medo contínuo impostos.

A obra de Chico Buarque é uma afronta às alegações do governo Médici acerca do "milagre econômico" que estava sendo veiculado pela propaganda política. Com sua poesia satírica, Buarque desafia a ideia de progresso e desenvolvimento propagada.

Eu quero é botar meu bloco na rua

Brincar, botar pra gemer

Eu quero é botar meu bloco na rua

Gingar, pra dar e vender

Eu, por mim, queria isso e aquilo

Um quilo mais daquilo, um grilo menos disso

É disso que eu preciso ou não é nada disso

Eu quero é todo mundo nesse carnaval

A juventude de Sampaio deseja fervorosamente ver o seu "bloco na rua", ou seja, unida e desfrutando da alegria e da liberdade. O Carnaval surge como uma solução para a opressão que sofrem diariamente. É uma época de efervescência, na qual todos podem relaxar e se divertir.

Através desta canção, o músico expressou a forma de resistência chamada "desbunde", que se opunha ao conservadorismo vigente.

6. Abraçando Gilberto Gil

Meu caminho pelo mundo

Eu mesmo traço

A Bahia já me deu

Régua e compasso

Quem sabe de mim sou eu

Aquele Abraço!

"Aquele Abraço" é uma canção de Gilberto Gil, lançada em 1969. Quando o artista se viu obrigado a se exilar em Londres durante o regime ditatorial brasileiro, foi inspirado a escrever esta música como uma mensagem de adeus.

Frente à pressão e ao ostracismo, Gil percebe que precisa partir para alcançar sua liberdade e conquistar sua autonomia, definindo o seu próprio destino. É o que o faz iniciar sua jornada de autodescobrimento, buscando a liberdade para traçar o seu próprio caminho.

Alô Rio de Janeiro

Aquele Abraço!

Todo o povo brasileiro

Aquele Abraço!

Ao se dirigir à saída de alguns dos lugares icônicos do Rio de Janeiro, inclusive Realengo, onde foi preso anteriormente, Gil deixou claro que não se tratava de uma partida definitiva, uma vez que indicou que mais cedo ou mais tarde voltaria.

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7. Mesmo Sem Você, Chico Buarque

Hoje você é quem manda

Falou, tá falado

Não tem discussão, não

A minha gente hoje anda

Falando de lado e olhando pro chão

Viu?

Você que inventou esse Estado

Inventou de inventar

Toda escuridão

Você que inventou o pecado

Esqueceu-se de inventar o perdão

A canção de Chico Buarque, escrita e gravada em 1970, foi dirigida ao governo militar e, apesar de ser uma evidente e corajosa provocação, foi censurada na época. Só em 1978 ela foi liberada.

Chico se serviu da repetição do verso "Amanhã vai ser outro dia" como uma forma de expressar que a esperança ainda não tinha morrido, que as pessoas não tinham desistido de lutar e acreditar na derrubada do regime.

O povo, preso às amarras do autoritarismo e à repressão, se via forçado a guardar um "grito contido". Porém, o músico acreditava que algo mudaria no futuro, e assim, para não desanimar, ele se permitia sonhar com a liberdade.

Apesar de você

Amanhã há de ser outro dia

Eu pergunto a você onde vai se esconder

Da enorme euforia?

Como vai proibir

Quando o galo insistir em cantar?

Água nova brotando

E a gente se amando sem parar

Ao amanhecer, o sol marcava o início de um novo capítulo. As trevas e o desespero desapareciam, e o artista seguia em frente, testando os limites instaurados e encorajando as pessoas a não desistirem. Apesar das ameaças de repressão, ele persistia na luta pela liberdade.

A canção de Chico Buarque revelou a determinação de um povo que, em meio às dificuldades, não desistiu. Ele rompeu o medo e ameaçou o regime autoritário, expressando que o fim deste estava próximo.

Você vai se amargar

Vendo o dia raiar

Sem lhe pedir licença

E eu vou morrer de rir

E esse dia há de vir

antes do que você pensa

8. A Proibição Não É Permitida, Caetano Veloso

E eu digo não

E eu digo não ao não

Eu digo:

É proibido proibir

É proibido proibir

Em 1968, Caetano Veloso compôs É proibido proibir, apontando para as restrições que estavam por vir com o Ato Institucional Número Cinco, que forçou censura prévia da cultura e da imprensa, proibiu reuniões públicas não autorizadas e suspendeu direitos de indivíduos considerados inimigos do regime.

No ano seguinte, o cantor e os Mutantes se apresentaram com o tema no III Festival Internacional da Canção. Infelizmente, eles foram vaiados de forma tão intensa, que não conseguiram continuar. Ele então, se dirigiu ao público e exclamou: "Vocês não estão entendendo nada!"

É o que me sonhei, que eterno dura

É esse que regressarei.

Em maio de 1968, o movimento iniciado pelos universitários em Paris resultou em uma greve geral e dias de intensos conflitos entre os cidadãos e a polícia. A juventude queria uma reformulação radical dos valores sociais, promovendo o debate e combatendo o conservadorismo. Com isso, eles desejavam influenciar positivamente a educação, além de mudar outros aspectos da sociedade.

Inspirado pelas movimentações sociais francesas, Caetano escolheu "É proibido proibir!" como sua frase de ordem. Esta afirmação fez mais sentido do que nunca no contexto brasileiro, pois havia muitas proibições súbitas que surgiam.

Rejeitando tudo isso, revoltando-se e resistindo, o cantor lembrava seu público de que devemos ser o que sonhamos, não o que nos é mandado. Mais do que uma música de denúncia, era um hino à desobediência.

9. Qual é o País da Legião Urbana?

Nas favelas, no Senado

Sujeira pra todo lado

Ninguém respeita a Constituição

Mas todos acreditam no futuro da nação

Que país é esse?

Que país é esse?

Que país é esse?

Renato Russo escreveu a canção em 1978. No entanto, só 9 anos após isso, ela foi gravada e deu título ao terceiro álbum da Legião Urbana.

O cantor adiou o lançamento há quase uma década, pois acreditava que as circunstâncias mudariam e a música não seria mais tão relevante. No entanto, infelizmente, nada mudou até hoje.

A fim de mostrar o Brasil como um país de impunidade, ausência de leis e corrupção generalizada, o tema em questão faz severas críticas sociais.

Mas o Brasil vai ficar rico

Vamos faturar um milhão

Quando vendermos todas as almas

Dos nossos índios num leilão

Em 1987, o país encarava um momento delicado: os militares já não estavam no comando, entretanto, as eleições diretas ainda não haviam sido iniciadas. Naquele ano, Tancredo Neves foi eleito por um colégio eleitoral em 1985, porém, faleceria antes de tomar posse.

José Sarney assumiu a chefia do governo e implementou o Plano Cruzado, que consistia em uma série de medidas econômicas, culminando na criação de uma nova moeda. No entanto, o plano não obteve o sucesso esperado.

Renato Russo expressa profunda perplexidade, desconcerto e melancolia, interrogando o motivo que faz uma nação ignorar a dor e o sofrimento do povo e se preocupar exclusivamente com lucro.

10. Herança de Elis Regina: Assim como Nossos Pais

Por isso cuidado meu bem

Há perigo na esquina

Eles venceram e o sinal

Está fechado pra nós

Que somos jovens...

"Como Nossos Pais", de Belchior, foi composta e gravada em 1976. Elis Regina gravou sua própria versão no mesmo ano, tornando-a ainda mais conhecida.

A geração de jovens teve a sua liberdade subtraída devido à imposição da ditadura, forçando diversos a se adaptarem com relação ao seu modo de viver. O assunto em questão dá voz a esses indivíduos.

Os hippies marcavam seus dias com questionamentos, experimentação e o lema "paz e amor", mas estes ideais foram substituídos por medo, perseguição e ameaças constantes.

Jovens experimentaram sentimentos de ansiedade e desânimo, como se suas oportunidades tivessem sido subtraídas, como se sua vez nunca tivesse chegado. O retrocesso cultural e social trouxe muito desconforto para eles.

Minha dor é perceber

Que apesar de termos feito tudo o que fizemos

Ainda somos os mesmos e vivemos

Ainda somos os mesmos e vivemos

Como os nossos pais...

A geração jovem dos anos 50 se deparou com o dilema de pensar de forma diferente ao que sua geração anterior praticava, o que os conduziu a lutar pela liberdade. No entanto, a música desta época ilustrou que eles acabaram condenados a seguir os mesmos preceitos morais conservadores impostos pela geração anterior.

11. Gonzaguinha e seu Comportamento Geral

Você deve estampar sempre um ar de alegria

e dizer: tudo tem melhorado

Você deve rezar pelo bem do patrão

e esquecer que está desempregado

Gonzaguinha foi um dos músicos que mais criticou a ditadura militar. Suas críticas resultaram na censura de mais de 50 canções, destacando-se entre elas, seu primeiro sucesso, Comportamento Geral (1972).

A música de Gonzaguinha, com sua crueza, causou um grande impacto no público e o artista foi rotulado de "terrorista" e "cantor rancor". Na letra, o compositor abordou a situação precária da vida brasileira, dirigindo-se diretamente ao cidadão comum.

Mesmo com a opressão, a fome e a pobreza mascarada de "milagre econômico", o brasileiro médio seguia agindo como se tudo estivesse bem. Era esse o comportamento típico: não protestar, se desinteressar, fingir que estava satisfeito.

Você deve aprender a baixar a cabeça

E dizer sempre: "Muito obrigado"

São palavras que ainda te deixam dizer

Por ser homem bem disciplinado

Deve pois só fazer pelo bem da Nação

Tudo aquilo que for ordenado

Pra ganhar um Fuscão no juízo final

E diploma de bem comportado

A passividade dos seus contemporâneos revoltava o artista. Ele achava que todos estavam vivendo uma farsa. Como uma provocação, ele perguntou a "Zé" o que faria caso o Carnaval fosse roubado, sendo este o último refúgio de alegria e liberdade coletiva.

A música levanta questões acerca da obediência cega que era exigida dos cidadãos, que viviam e morriam segundo as regras injustas impostas.

12. Paulinho da Viola: Sinal Fechado

Olá, como vai ?

Eu vou indo e você, tudo bem ?

Tudo bem eu vou indo correndo

Pegar meu lugar no futuro, e você ?

Tudo bem, eu vou indo em busca

De um sono tranquilo, quem sabe ...

Paulinho da Viola foi muito elogiado quando venceu o V Festival da Música Popular Brasileira em 1969 com a canção "Sinal Fechado". A música, bastante diferente do que o cantor costumava fazer, despertou a curiosidade do público.

Enquanto à janela do carro duas pessoas conversam, o sinal está fechado. Embora suas palavras possa parecer simples, elas escondem mensagens mais profundas. Mais importante do que aquilo que é falado são os silêncios, as coisas que eles não podem dizer, mas que sentem.

Tanta coisa que eu tinha a dizer

Mas eu sumi na poeira das ruas

Eu também tenho algo a dizer

Mas me foge a lembrança

Por favor, telefone, eu preciso

Beber alguma coisa, rapidamente

Pra semana

O sinal ...

Eu espero você

Vai abrir...

Por favor, não esqueça,

Adeus...

O nome em si parece ser uma figura para a opressão e a ausência de liberdade que eles experienciam. Dessa forma, podemos entender que os indivíduos não estão falando de forma vaga, mas sim devido ao medo de represálias se falarem abertamente.

Apesar de não citar nomes, a canção tratava de um protesto. Combinando a mensagem com o contexto social, o público recebia toda a informação necessária para ler entre as linhas do que estava sendo cantado.

13. Desperta, Meu Amor - Chico Buarque

Acorda, amor

Eu tive um pesadelo agora

Sonhei que tinha gente lá fora

Batendo no portão, que aflição

Era a dura, numa muito escura viatura

Minha nossa santa criatura

Chame, chame, chame lá

Chame, chame o ladrão, chame o ladrão

Em 1973, Chico Buarque já havia sofrido tantas censuras que não era mais permitido que ele assinasse suas composições. No ano seguinte, ele lançou seu álbum Sinal Fechado, contendo canções escritas por seus amigos. Uma dessas canções, Acorda Amor, foi assinada pelo pseudônimo Julinho da Adelaide.

Chico acorda sua companheira para narrar o sonho que teve durante a noite: estava sendo preso pela polícia. Decidindo não disfarçar mais, ele aponta o dedo ao inimigo, que é caracterizado como "a dura". Esta palavra é usada como uma abreviação para "ditadura" e é usada também como um adjectivo para a rigidez e violência de seu oponente.

Na música "Chame o Ladrão", Chico questiona a autoridade da época: quando a polícia, responsável por nos proteger, nos ataca, quem podemos chamar para nos defender? Ele sugere que a autoridade era mais criminosa que os próprios ladrões.

Se eu demorar uns meses

Convém, às vezes, você sofrer

Mas depois de um ano eu não vindo

Ponha a roupa de domingo

E pode me esquecer

Antes de ser arrastado pelos agentes, este sujeito se despediu da mulher e pediu para ela seguir com a sua vida caso não regressasse. Esta passagem mostra o destino de diversos "inimigos do regime": levados das suas camas durante a noite, simplesmente desapareciam, ou seja, eram assassinados.

14. Passando o Domingo no Parque com Gilberto Gil e Os Mutantes

O sorvete é morango

É vermelho!

Oi, girando e a rosa

É vermelha!

Oi girando, girando

É vermelha!

Oi, girando, girando...

"Domingo no Parque" é uma canção escrita e interpretada por Gilberto Gil em 1967. Foi apresentada pela primeira vez no III Festival de Música Popular, acompanhada pela banda Mutantes, e obteve o segundo lugar. Esta canção conta a história de dois homens: José, que é "o rei da brincadeira" e João, que é "o rei da confusão".

No domingo, João escolheu namorar Juliana no parque, o que despertou o ciúmes furioso de José. Não aguentando a raiva, ele matou os dois com uma faca.

Olha a faca! (Olha a faca!)

Olha o sangue na mão

Ê, José!

Juliana no chão

Ê, José!

Outro corpo caído

Ê, José!

Seu amigo João

Ê, José!...

Amanhã não tem feira

Ê, José!

Não tem mais construção

Ê, João!

Não tem mais brincadeira

Ê, José!

Não tem mais confusão

Ê, João!...

Uma canção que começa como se fosse uma história inocente de um domingo no parque, logo assume tons sombrios e violentos. De forma inquietante, a música transmite a sensação de iminente perigo e a irrupção da violência na vida das pessoas, levando ao seu prejuízo.

15. Raul Seixas - Mosca na Sopa

Eu sou a mosca

Que pousou em sua sopa

Eu sou a mosca

Que pintou pra lhe abusar

Eu sou a mosca

Que perturba o seu sono

Eu sou a mosca

No seu quarto a zumbizar

Raul Seixas, em seu primeiro álbum Krig-Ha, Bandolo! (1973), lançou a famosa canção "Mosca na Sopa". Aparentemente sem sentido, ela carrega uma mensagem de resistência. O protagonista se relaciona com uma mosca, um animalzinho pequeno e que muitas vezes incomoda. No entanto, ele usa essa figura para incentivar à resistência e não desistir.

Raul e seus companheiros estavam firmes contra a rigidez dos militares, apesar de sua temerosa presença. Eles lutavam contra o conservadorismo, mesmo diante da consciência de que a batalha ainda não acabara. É como se fosse um pequeno ser alado, que veio para abalar a paz.

E não adianta

Vir me dedetizar

Pois nem o DDT

Pode assim me exterminar

Porque você mata uma

E vem outra em meu lugar

Apesar da ditadura, houve uma grande resistência. Raul Seixas destacou a enorme quantidade de "subversivos" que estavam surgindo, demonstrando que matar um não servia de solução, pois outros continuavam aparecendo.

A metáfora da mosca na sopa foi genialmente utilizada pelo cantor para retratar uma maneira de viver "do contra", de praticar a contracultura e enfrentar os tempos de instabilidade.

16. Chico Buarque e Jorge Maravilha

E nada como um tempo após um contratempo

Pro meu coração

E não vale a pena ficar, apenas ficar

Chorando, resmungando, até quando, não, não, não

E como já dizia Jorge Maravilha

Prenhe de razão

Mais vale uma filha na mão

Do que dois pais voando

Em 1973, Chico Buarque lançou a música Jorge Maravilha, escrita por Julinho da Adelaide. O tema expressa a importância de continuar lutando, pois tudo é passageiro. Não há motivos para se resignar. Este ideal de resistência se tornou ainda mais forte quando Chico usou suas canções para protestar contra a ditadura.

Apesar de causar desconforto às gerações mais antigas e conservadoras do Brasil, Chico estava cativando o coração dos mais jovens.

Você não gosta de mim, mas sua filha gosta

Você não gosta de mim, mas sua filha gosta

Assim que se descobriu que Julinho da Adelaide e Chico Buarque eram a mesma pessoa, especulações começaram a surgir. O povo acreditava que as músicas eram alusivas ao presidente e general Ernesto Geisel, já que a filha deste havia declarado ser fã do cantor.

Chico desmentiu o que se dizia sobre ele e contou a história real: quando foi detido pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), um dos agentes aproveitou a oportunidade para pedir um autógrafo para a filha dele.

17. A Primavera nos Dentes Molhados e Secos

Quem tem consciência para ter coragem

Quem tem a força de saber que existe

E no centro da própria engrenagem

Inventa contra a mola que resiste

A música "Primavera nos Dentes" foi escrita por João Apolinário, poeta português exilado no Brasil durante a ditadura de Salazar. Ele foi um dos que lutou contra o regime ditatorial e foi também pai de João Ricardo, que compôs a melodia dos poemas de Apolinário para o grupo Secos & Molhados em 1973.

A letra sugere que devemos ser fortes, corajosos e vigilantes ao nosso redor, mesmo em meio às adversidades e ao caos. É importante manter a esperança viva, mesmo diante do abismo. Assim, poderemos chegar à alegria da primavera.

Quem não vacila mesmo derrotado

Quem já perdido nunca desespera

E envolto em tempestade, decepado

Entre os dentes segura a primavera

18. O Rei, Seco e Molhado

Gerson Conrad e João Ricardo foram responsáveis pela composição da canção incluída no álbum de estreia de Secos & Molhados, intitulado de 1973.

Eu vi El Rey andar de quatro

De quatro caras diferentes

E quatrocentas celas

Cheias de gente

Eu vi El Rey andar de quatro

De quatro patas reluzentes

E quatrocentas mortes

Eu vi El Rey andar de quatro

De quatro poses atraentes

E quatrocentas velas

Feitas duendes

El Rey traz consigo elementos da música folclórica portuguesa para criar uma melodia sutil. Esta música faz referência às cantigas de roda tradicionais, transmitindo uma atmosfera poética e acalentadora.

A letra de "We Didn't Start the Fire" faz uma forte crítica à monarquia e a regimes ditatoriais, especialmente aqueles em que a música foi criada. Uma análise mais profunda revela uma crítica aos abusos de poder que ocorrem em todas as épocas.

A beleza desta obra reside no seu contraste entre a forma e o conteúdo. Genialidade surge a partir desta combinação única.

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Sónia Cunha
Escrito por Sónia Cunha

É licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003) e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006). Ao longo da carreira profissional, exerceu vários cargos em diferentes áreas, como técnico superior de Conservação e Restauro, assistente a tempo parcial na UPT e professora de História do 3º ciclo e ensino secundário. A arte e as letras sempre foram a sua grande paixão.