Memórias de um Sargento de Milícias de Manuel Antônio de Almeida: Um Livro


Escrito por Sónia Cunha

O romance de folhetim Memórias de um Sargento de Milícias foi publicado originalmente no Correio Mercantil entre 1852 e 1853. A obra foi integralmente lançada em 1954.

O livro de Manuel Antônio de Almeida conta a história de Leonardo, que começa como uma criança travessa e se transforma em um "malandro" desbocado. Por fim, ele se estabelece como sargento de milícias, mostrando que é possível mudar o destino.

Explicação do Enredo

Os primeiros anos de Leonardo

Leonardo Pataca e Maria das Hortaliças se conheceram durante uma viagem a bordo de um navio de Lisboa para o Rio de Janeiro. Eles logo se deram bem, iniciando um romance que, posteriormente, resultou na chegada do filho deles, Leonardo. A partir daí, eles passaram a morar juntos, ainda que não oficializassem seu relacionamento na Igreja.

A festa de batizado do garoto estava muito animada, com a presença do Major Vidigal. Seu padrinho era o barbeiro e a madrinha, a parteira. Quando Leonardo Pataca, o meirinho, saía para fazer o seu trabalho na rua, começava a desconfiar que Maria o estava traindo.

Ele chegou em casa certo dia e ficou surpreso ao ver um vulto fugindo pela janela da sala. O homem agrediu Maria e seu filho, que foi arremessado no ar devido a um chute. Assustado, o menino foi para a barbearia de seu padrinho, enquanto Leonardo Pataca perseguia o invasor pelas ruas.

Pataca fica chocado ao descobrir que Maria fugiu para Lisboa com o capitão de um navio, deixando-o e o seu filho para trás. Não sendo feliz com a ideia de ter que criar a criança sozinho, ele deixa-a aos cuidados do seu compadre.

O padrinho de Leonardo sempre o mimou e o aconselhou ao longo dos anos. Porém, a vizinha do barbeiro ameaçava o futuro de Leonardo, já que ela previa um destino de fracasso para o garoto. Mesmo assim, o padrinho acreditava que o menino possuía grandes potenciais e tinha o sonho de vê-lo como um padre ou em Coimbra.

Uma Família Reconstruída: A História de um Pai e sua Nova Madrasta

O menino não parou de aprontar na escola e na igreja. Um dia, seguindo uma procissão, ele acabou por chegar a um acampamento de ciganos, onde passou a noite celebrando com eles.

Leonardo Pataca, confiado aos cuidados de seu padrinho, envolvera-se com uma cigana. Ao não conseguir reter o afeto dela, recorreu ao uso de feitiçaria para tentar reconquistá-la, porém acabou preso por isso.

Leonardo descobre que a cigana tem um envolvimento com o padre e decide se vingar. Para isso, no aniversário dela, ele contrata um malandro para causar confusão na festa e chama Major Vidigal para acompanhar a situação.

O Major entra na festa no momento em que todos começam a se agitar. Ele descobre o padre de ceroulas e sapato no quarto da cigana. A algazarra impede que o padre siga adiante e Leonardo reaver a sua amada.

Leonardo começa a frequentar a casa de D. Maria, uma senhora rica. Apesar de as visitas serem enfadonhas, tudo muda quando Luisinha, a sobrinha da senhora, se muda para lá. Leonardo se sente atraído pela garota e os dois começam a namorar.

José Manuel, um homem interessado na herança de Luisinha, entra em cena e passa a cortejá-la. D. Maria, então, apesar de a princípio não tomar nenhuma atitude, decide intervir depois que a madrinha de Leonardo conta uma mentira sobre o homem mais velho, para que ele fosse afastado da casa.

José Manuel conta com a ajuda de seus aliados para desmascarar a mentira da madrinha. Com isso, retorna à casa de D. Maria, que não aprova o comportamento de Leonardo e de sua madrinha.

Pataca passou a ter problemas novamente com a cigana e, após ser persuadido pela comadre, resolveu se unir à sua filha, com quem tem uma criança.

Conflitos Familiares e Amorosos

Ao morrer, o compadre deixou uma boa herança para Leonardo. Esta, originalmente, era a propriedade do capitão de navio, que confiou a Leonardo para ser entregue à sua família. Atraído pela possibilidade de conseguir o dinheiro que seria do filho, Leonardo Pataca obrigou o garoto a morar com ele.

Após uma forte discussão entre Leonardo e sua madrasta, ele é expulso pelo pai. Deixando casa, ele começa a caminhar e logo começa a perceber um som de risada vindo de um grupo de jovens fazendo um piquenique. Quando chega perto, ele deixa-se surpreender ao reconhecer um antigo amigo de infância.

Leonardo passou a morar com duas irmãs viúvas, cada uma com três filhos, correspondendo a três homens e três mulheres. Entre elas, Vindinha chamou sua atenção de imediato e eles começaram a namorar. Porém, os primos dela também estavam interessados e fizeram um plano para afastar Leonardo.

Encarcerado e Recrutado para o Exército

Em outro piquenique, Major Vidigal ficou furioso quando foi alertado pelos primos que Leonardo, um mendigo sem renda, compareceria ao evento - algo proibido naquela época. O Major prendeu o homem, porém ele conseguiu escapar.

A madrinha de Leonardo conseguiu um emprego para ele na ucharia real, que serviu como uma barreira para o Major Vidigal tentar prendê-lo. No entanto, Leonardo acabou se envolvendo com a esposa do chefe e foi demitido, abrindo assim a porta para que o Major Vidigal finalmente o detivesse.

Após ser aprisionado, Major Vidigal incorporou Leonardo ao exército como granadeiro. O Major acreditava que, por ter tido experiência com a classe de malandros e vagabundos, Leonardo seria capaz de auxiliar o regimento com seus conhecimentos. Assim, Leonardo teria que colaborar com o Major na luta contra essas pessoas no Rio de Janeiro.

A Escolha Entre Malandragem e Perdão

A malandragem de Leonardo não resiste às brincadeiras inofensivas, e, em vez de enfrentá-los, ele se junta a ela. Quando seu pai dá uma festa de batismo para sua filha, Leonardo é o escolhido para prender o imitador do Major Vidigal.

No entanto, após ajudar o folião a fugir, o Major Vidigal descobre Leonardo e o prende, condenando-o à punição de chibatadas. Com o coração despedaçado, a comadre de Leonardo procura D. Maria para obter uma solução para a situação desesperadora de seu afilhado.

A senhora rica, acompanhada por Maria Regalada, uma antiga amante do Major Vidigal, foi à casa do Major para pedir perdão para Leonardo. Depois de muita suplica, Maria Regalada fez uma promessa ao Major.

O Major, então, soltou Leonardo e ainda o promoveu a Sargento. Quando Leonardo voltou a frequentar a casa de D. Maria, onde Luisinha se encontrava novamente após a morte de seu marido, os dois voltaram a namorar. Porém, devido ao fato de Leonardo ser um sargento do exército, ele não poderia se casar.

Promoção a Sargento de Milícias

Quando D. Maria e a comadre chegaram à residência de Maria Regalada para solicitar a dispensa de Leonardo para o Major Vidigal, se surpreenderam ao encontrá-lo lá. Tal era o acordo feito por Maria com o Major: uma morada junta.

Ao Major Vidigal foi dada a incumbência de destacar Leonardo para o cargo de Sargento de Milícias, alcançando assim um posto ainda maior. Após essa nomeação, Leonardo se casa com Luisinha, unindo seus bens para formar uma grande herança. Após a morte de Leonardo Pataca e D. Maria, o casal passou a receber outras duas grandes heranças.

Explorando o livro: Uma análise e interpretação

Analisar a obra de Manuel Antônio de Almeida é, por vezes, um desafio, devido ao seu distanciamento do estilo convencionalmente produzido na época. Esta característica, aliada à tendência cômica ao longo de suas obras, torna ainda mais difícil definir o gênero ao qual pertence.

Alfredo Bosi classifica as Memórias como um romance picaresco, uma crônica de costumes e um exemplo de realismo de Manuel Antônio de Almeida. Estas três qualificações se revelam na obra.

O romance picaresco é um gênero que emerge de tradições clássicas e renascentistas envolvendo personagens pícaros, ou seja, anti-heróis. Estes personagens, que enfrentam muitas dificuldades, procuram aproveitar cada situação ao seu favor, mesmo que para isso sejam necessários meios antiéticos.

A crônica de costume retrata os costumes da sociedade, adotando um tom jornalístico. Já o realismo literário procura explicar a sociedade por meio da literatura, dotando os personagens de uma carga emocional e detalhando as relações entre eles.

Embora haja elementos das caracterizações prévias em Memórias de um Sargento de Milícias, não é possível classificá-lo com base apenas em uma das categorias. Assim, permanece a questão.

A Dialética da Malandragem: um Ensaio

A caracterização do romance gerou interesse de um dos maiores críticos literários do Brasil, Antônio Cândido, que escreveu um artigo sobre o assunto em 1970 intitulado como Dialética da Malandragem.

O artigo tornou-se um dos mais destacados na crítica brasileira. Por meio de sua análise sobre o livro Memórias de um Sargento de Milícias, bem como por sua compreensão sociológica do Brasil e da figura do malandro, obteve grande importância.

O artigo de Antônio Cândido analisa a caracterização do romance de Manuel Antônio de Almeida. Ao debater várias alternativas, ele acaba por descrever a obra como representativa.

Segundo Cândido, o livro tem duas camadas: uma universal, que faz parte de um contexto de cultura maior, tratando de "acontecimentos originados pela sorte". A outra mais específica, ligada ao mundo brasileiro. É nesta segunda que ele se concentra, examinando a dicotomia entre o ordenado e o caótico.

A obra se estrutura em torno da dialética existente entre ordem e desordem, que é representada pelo Major Vidigal. As relações entre as personagens emergem desta comunicação contínua entre os dois polos, e isso dá vida a diversos relatos da sociedade joanina do Rio de Janeiro.

Leonardo é o protagonista da história. Seus pais se encontraram em um navio partindo de Lisboa para o Rio de Janeiro e viveram juntos como um casal, mesmo que não sejam casados. O equilíbrio narrativo entre os dois polos - um ao norte, mais ordeiro, e outro ao sul, mais desordenado - é estabelecido por meio da figura de Leonardo, nascido de uma relação ilegítima.

Leonardo aparenta se mover entre dois polos, mais ao sul no começo do romance. Mas ao fim, acaba se casando e se tornando um sargento de milícia, mais ao norte. O Major Vidigal, representante deste polo, cede algumas vezes à desordem. Para Antônio Cândido, a hierarquia estabelecida é, na verdade, subvertida quando os extremos se unem.

Sem fazer julgamentos, o autor do romance encobre as ações das personagens. Dessa forma, os leitores não têm uma referência textual para ver o que é certo e errado. Leonardo deseja se casar com Luisinha e sua madrinha conta uma mentira sobre o outro pretendente. No entanto, uma mentira não é necessariamente algo ruins, pois esse outro pretendente não é uma pessoa boa.

"O romance é aquele gênero que tem a capacidade de dialogar com o ocaso da moral". No romance, o certo e o errado se fundem. O crítico ainda acrescentou que esse gênero possui a habilidade de debater com o declínio da ética.

O principio moral das Memórias parece ser, exatamente como os fatos narrados, uma espécie de balanceio entre o bem e o mal, compensados a cada instante um pelo outro sem jamais aparecerem em estado de inteireza.

Nesta nova Sociedade Brasileira surge a figura do Malandro, um retrato de um povo que não tem ligação com a antiga ordem imposta pelo Império. Para o Malandro, o que conta é a própria ação e seus resultados, independentemente da moral. Assim o povo tenta encontrar sua identidade em meio ao bem e ao mal.

Analisando a Interpretação

O romance "Memórias de um Sargento de Milícias" de Manuel Antônio de Almeida desperta a atenção dos críticos literários por suas características peculiares. O autor ser jornalista pode explicar a primeira parte da obra, que se assemelha a crônicas de costumes.

Na segunda parte do romance, Leonardo filho se torna um adulto. Sem nenhum tipo de consideração moral ou remorso, ele oscila entre a ordem e a desordem. Suas ações descontextualizadas parecem gerar resultados favoráveis para ele.

Apesar de a cidade carioca ter se tornado a capital do Império, essa nova ordem, trazida de Portugal, não possuía raízes na cultura local. O romance de Machado de Assis reflete essa realidade da época do governo joanino, quando a influência lusitana colidiu com as tradições locais.

O romance retrata o modo de vida das classes média e baixa, que não estão diretamente ligadas à corte, mas também não conseguem se estabelecer profissionalmente. Através das experiências de Leonardo, que se destacam entre a ordem vigente e inovadoras formas de subverter as regras, é possível entender como essa sociedade ainda está sendo moldada.

Mesmo o símbolo da autoridade presente no romance, o Major Vidigal, faz uma exceção às regras e auxilia Leonardo a morar com sua amante. O que torna essa obra tão especial é a habilidade do autor de retratar a sociedade sem emitir julgamentos.

As relações sociais se reorganizam de acordo com o que é considerado "certa" ou "errada". Os personagens acabam por receber as consequências adequadas às suas ações, ainda que algumas delas possam ser vistas como negativas. Não é, portanto, surpreendente o final feliz de Leonardo, apesar da quantidade de decisões "erradas" que ele tomou ao longo da obra.

Histórico da Obra: Contexto

Durante a Era Romântica, os escritores brasileiros buscavam, por meio da literatura, reafirmar a origem nobre da formação do Brasil e de sua cultura recente. Foi nesse contexto que o romance de Manuel Antônio de Almeida foi publicado.

A mitologia indianista trouxe para a literatura brasileira personagens como I-Juca-Pirama, de Gonçalves Dias. Trata-se de um índio guerreiro que possui características nobiliárquicas, provenientes de lendas medievais. Seu maior exemplo pode ser encontrado em poesias e romances indianistas.

Memórias de um Sargento de Milícias é um livro que se desvia dos padrões típicos do romantismo brasileiro. O seu protagonista, Leonardo, é visto como um personagem pouco nobre e malandro.

O romance destacou-se por apresentar o Rio de Janeiro na época da chegada da corte portuguesa, com ênfase nas classes média e baixa da sociedade. Ao contrário de outros romances da época, que se concentravam nas relações aristocráticas da corte, esse retrata os aspectos da vida dos cidadãos comuns.

O romance pode ser dividido em duas partes distintas. A primeira é caracterizada por elementos burlescos e tom de crônica, enquanto a segunda apresenta uma estrutura mais coesa, com maior ênfase na narrativa do personagem principal. Isso leva à adoção de uma linguagem mais simples, próxima da linguagem popular.

No início, a história parece estar desconectada, como vários episódios separados das sociedades de classe média e baixa cariocas durante o tempo do Dom João VI. O estilo é parecido com uma narrativa jornalística, com eventos como o batismo de Leonardo (onde o Major Vidigal está observando) e a Via Sacra do Bom Jesus.

A segunda parte se centra em Leonardo e a sua jornada. O romance assume o protagonismo em relação à crônica pitoresca e Leonardo torna-se o foco da narrativa.

De acordo com Antônio Cândido, o que opera como um elemento unificador do romance é a capacidade do autor de intuição para além dos fragmentos descritos, a fim de se ter acesso a princípios constituintes da sociedade, podendo-se assim ter uma visão totalizadora dos aspectos parciais.

Principais Personagens

A Vida de Leonardo da Vinci

O Memorando é o protagonista da história. Filho de um beliscão e um pisão, passou a infância aprontando e a juventude como malandro. No entanto, mais tarde se tornou Sargento de Milícias, se casou e herdou quatro heranças.

O Leonardo Pataca

Meirinho é o pai de Leonardo e é conhecido por seu fraco por mulheres. Oficial de Justiça, ele também se envolve em atividades suspeitas. Seu apelido, "pataca", vem de sua facilidade em ganhar dinheiro.

A Horta de Maria

Ela é a mãe do Leonardo. Era uma camponesa em Lisboa, mas agora vive no Rio de Janeiro com o Leonardo Pataca e o filho. Em breve, irá retornar à Lisboa a bordo de um navio comandado por um capitão.

O Amigo de Longa Data

O barbeiro é o padrinho de Leonardo. Apesar de viver em condições humildes, ele possui um grande patrimônio, que conseguiu de forma ilegítima. Ele foi quem criou Leonardo desde a infância, dando-lhe grandes cuidados e mimos.

A Amiga da Minha Mãe

Ela é a parteira e madrinha de Leonardo. Embora seja devota, ela adora boatos e é a responsável por espalhar a farsa sobre o pretendente de Luisinha, que é também o rival de Leonardo.

Chefe Vidigal

Ele é o símbolo da ordem na cidade do Rio de Janeiro e possivelmente foi inspirado numa figura real. O seu intuito é combater a malandragem e a desordem da época joanina. Contudo, também cede aos desejos da sua amante com quem acaba por viver numa relação informal.

D. A Vida de Maria

Ela é uma viúva rica e mantém uma amizade próxima com seu compadre e comadre. É também a tia de Luisinha, que é casada com Leonardo, filho deles.

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Sónia Cunha
Escrito por Sónia Cunha

É licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003) e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006). Ao longo da carreira profissional, exerceu vários cargos em diferentes áreas, como técnico superior de Conservação e Restauro, assistente a tempo parcial na UPT e professora de História do 3º ciclo e ensino secundário. A arte e as letras sempre foram a sua grande paixão.