"A Guerra Fria" de Pawel Pawlikowski


Escrito por Rebeca Fuks

Guerra Fria, um filme polonês de 2018, mostra o confronto ideológico que se passou nos anos 50 entre a União Soviética e os Estados Unidos da América. Dirigido por Pawel Pawlikowski e filmado a preto e branco, o drama e romance conta a história deste confronto.

O filme conta a história de Wiktor e Zula, um pianista e cantora que se apaixonam durante o conflito político e social da época. Acompanhamos o destino deste casal ao longo do filme.

AVISO: Este artigo possui revelações de informações importantes!

Principais Pontos do Resumo

Viajando por toda a Polônia, Wiktor reúne e grava canções tradicionais. Ao mesmo tempo, ele trabalha para a Mazurek Ensemble, uma empresa de música que abre audições para descobrir cantores e dançarinos talentosos que possam mostrar a rica cultura polonesa.

Zula, uma jovem cantora dotada de talento e beleza encantadora, despertou a atenção do pianista durante um ensaio. Com o tempo, os dois começaram a se aproximar e formaram um relacionamento secreto.

Após a inclusão de anúncios políticos estalinistas na programação da companhia, Wiktor e Zula decidem viajar para fazer apresentações. Chegando a Berlim, eles planejam fugir e atravessar a Cortina de Ferro, porém, Zula acaba não aparecendo e Wiktor segue sozinho.

Depois de um tempo, eles se reencontraram por pouco tempo em Paris. Conversaram sobre a separação, e ambos confessaram que estavam namorando com outras pessoas. Em seguida, ele foi a um espetáculo de Zula na antiga Iugoslávia, mas acabou sendo reconhecido pela polícia e forçado a deixar o país.

Depois de se casar com um estrangeiro e deixar a Polônia, Wiktor e a jovem se reencontraram em Paris. Começaram então a viver juntos, e a investir na carreira dela, que gravou seu primeiro disco. Contudo, o processo exaustivo acabou por prejudicar o relacionamento, e ela decidiu, repentinamente, retornar ao seu país.

Wiktor, com conhecimento de que será punido como traidor, volta de todo modo. Enquanto cumpria seu tempo na prisão, Zula se viu obrigada a trabalhar como cantora para sobreviver, ficando cada vez mais depressiva e aderindo ao álcool. Logo depois que Wiktor é posto em liberdade, ele vai resgatar Zula e juntos decidem abandonar sua vida passada.

Zula e Wiktor viajam para a zona rural do país, onde encenam uma cerimônia de casamento em uma igreja em ruínas. Eles tomam uma fila de comprimidos e, na cena final, sentam-se lado a lado, observando a estrada à sua frente. Esperam enquanto suas vidas desaparecem.

Conteúdo interessante

Avaliação do Filme

A história de amor de Guerra Fria é fruto da experiência pessoal de Pawel Pawlikowski, pois foi inspirada na fuga de seus pais da Polônia para a Inglaterra. Por isso, o filme foi dedicado aos seus pais.

A narrativa gira em torno de duas grandes personagens: Wiktor e Zula. Os planos das imagens são aproximados e apertados, focalizando seus rostos mais do que os lugares ao seu redor.

Ao longo de 15 anos, os personagens desse enredo se encontravam, se separavam e se reencontravam, contudo o que ocorria entre esses momentos, ficava na sombra, não era mostrado ao espectador. Por meio de elipses e silêncios, permaneciam omitidas as partes da história essenciais à compreensão dos acontecimentos.

Apesar de não ter muitos momentos típicos do gênero romântico, Guerra Fria nos mostra como o amor é forte mesmo quando as circunstâncias exteriores são difíceis: na pobreza, falta de liberdade e medo. No entanto, a relação entre o casal é demonstrada pela sua determinação em ficarem juntos até o fim.

Preservação da Cultura Polonesa: Música e Folclore Tradicionais

Em 1939, a Alemanha Nazista invadiu a Polônia, desencadeando assim a Segunda Guerra Mundial. Com um número chocante de 6 milhões de mortes, o país ficou completamente destruído. Ainda assim, a Polônia começou a se recuperar lentamente.

Na década de 1940, a Polônia se tornou parte de um império soviético recém-formado. O país estava em processo de reconstrução após a devastação causada pela Segunda Guerra Mundial, e estava ansioso por expandir a sua cultura além de suas fronteiras. O filme começa nesta cena de reconstrução, mostrando a Polônia lutando para reconstruir a sua nação.

Em 1949, Wiktor estava em uma jornada por áreas remotas, a fim de estudar as canções da cultura popular polonesa. Ao se deparar com os cantores e músicos que encontrava, percebia a exaustão e a dor estampadas em seus rostos.

A música deixa a pergunta no ar: foi o "amor criado por Deus ou sussurrado pelo Diabo"? Enquanto a neve envolve tudo, a pobreza e a devastação são evidentes.

Coro de mulheres da companhia

Ao voltar à companhia de música Mazurek Ensemble, começaram-se as audições. Diversos jovens desciam dos caminhões nas traseiras, e o diretor anunciou que aquelas músicas eram herdadas de seus antepassados, trazendo consigo dor e humilhação. Entre todos esses candidatos, Zula se destacou, graças a sua expressão animada e beleza incomum.

No entanto, descobre-se que se trata de uma impostora, pois ela não conhece nada dos temas e não veio "das montanhas", como alegou. No entanto, ela canta uma música russa que aprendeu na infância e isso agrada os jurados, principalmente Wiktor.

Zula na aula de dança da companhia

A professora próxima do pianista contou-lhe a verdade sobre o passado de Zula, dizendo que ela teria estado presa por matar o seu pai. Ainda assim, o interesse do pianista por ela foi crescendo.

Cooptação Política das Artes e o Romance Proibido

Apesar de Wiktor e Zula terem uma diferença de idade significativa e de haver dinâmicas de poder implícitas, a relação entre eles logo evoluiu para algo mais profundo. Durante o primeiro ensaio a sós, Wiktor questiona Zula a respeito de seu pai, ao que ela responde que foi abusada e se defendeu com uma faca, sem, no entanto, chegar a matá-lo.

Zula e Wiktor ensaiam juntos.

O casal vive sua paixão em segredo enquanto o momento torna evidente a cumplicidade e interesse mútuos entre eles. O romance é consumado pouco tempo depois. A cena segue para uma reunião onde é sugerido que a companhia passe a incluir propaganda política estalinista em seus repertórios.

O coro entra no palco com um grande retrato de Josef Stalin como pano de fundo. Os cantores, com suas roupas idênticas, pareciam soldados de guerra cantando e marchando sincronizadamente.

Espetáculo da companhia com propaganda stalinista

Deitados na relva, os amantes conversavam, ilustrando atitudes marcadamente distintas. Zula não se mostrava afetada com a cooptação política ocorrendo, mas Wiktor se mostrava ainda mais reflexivo e preocupado do que de costume.

Ela expressa seu amor dizendo "vou ficar com você até o fim do mundo", mas, confessando que tem sido questionada sobre a sua ligação ao professor.

Wiktor e Zula deitados no jardim.

O diretor da companhia suspeitava que o músico fosse um traidor ideológico e, para confirmar isso, perguntou à garota se ele tinha notas de dólar e se acreditava em Deus. Visivelmente assustado ao saber que era alvo de suspeitas e que o comissário do partido socialista estava por perto, o músico não conseguiu disfarçar seu abalo.

Wiktor se levanta e sai rapidamente, com medo de que alguém os visse juntos. Zula, não compreendendo a situação, fica furiosa. Ela grita, o xinga de "burguês" e se lança no rio, onde flutua e canta.

Desencontros, Fuga e Separação

Wiktor e Zula planejavam desesperadamente fazer sua última jornada juntos. A companhia partiu de trem para Berlim Este, e durante o discurso do diretor, eles ficaram determinados a atravessar a Cortina de Ferro e a fugir para a França. O diretor enfatizou a importância de seu destino, ponderando que eles estariam "na linha da frente que separa o comunismo e o imperialismo".

Depois de sua apresentação em Berlim, Wiktor esperava ansiosamente por Zula na fronteira, mas ela não chegou. Enquanto isso, ela estava em uma festa, parecendo distraída ao conversar e dançar com soldados.

O músico estava sentado sozinho, com uma expressão triste, no bar parisiense. Quase no fechamento do estabelecimento, Zula chegou à cidade para cantar em um show. Ela o viu quase imediatamente e se aproximou dele, oferecendo um conforto silencioso.

Wiktor bebendo, sozinho no bar.

Zula revela que estava muito insatisfe, pois não estava preparada para se separar. Ela também expressa sua incerteza de que sua situação fosse dar certo, já que começou a ter relacionamentos com outras pessoas e estava tendo conversas sobre o rompimento.

Depois de três anos separados, Wiktor e a cantora se reencontram quando ele vai assistir a um show da companhia de música da qual ela faz parte. Enquanto ela está no palco, os dois trocam olhares, mas ele é reconhecido e expulso do local.

Após isso, Zula é obrigado a montar em um trem de Paris. O coro de mulheres, entoando o amor que foi perdido, mantem seu olhar fixo no lugar vazio na plateia.

A Vida dos Exilados em Paris

Em 1957, Zula e Wiktor encontraram-se pela primeira vez na capital francesa. Com a liberdade de andar livremente pelas ruas e conversar tranquilamente, ela contou que se casou com um italiano para sair da Polônia, no entanto, não foi em uma cerimônia religiosa, o que fez com que não levasse o casamento a sério.

Em Paris, a vida traz um contraste para aquela que o casal vivia em Varsóvia. Os bares são cheios de alegria, com pessoas dançando de braços dados na euforia e no amor.

Zula e Wiktor se encontram novamente, em Paris.

Zula e seu parceiro decidiram morar juntos pela primeira vez e investiram na carreira dela. Para suportar essa nova jornada, eles começaram a participar dos ambientes artísticos da cidade. No entanto, isso trouxe um grande desconforto para ela, pois se sentiu exposta com as pessoas curiosas querendo saber mais sobre seu "status de exilada".

A protagonista não consegue lidar com a desilusão de descobrir que Wiktor contou detalhes específicos de seu passado para promover a carreira dele. No entanto, essa noite significa muito mais do que apenas a fraude de Wiktor, porque sua libertação é simbolizada por uma cena espetacular.

Enquanto ele conversa com estranhos, ela segue para a pista de dança, radiante. Sorri, rodopia nos braços de vários parceiros, salta no balcão, como se, finalmente, pudesse fazer o que lhe aprouvesse.

O momento marca a abertura de Zula para o exterior, demonstrando dessa forma o seu amadurecimento. A música e a dança típicas norte-americanas são o símbolo disso, representando uma catarse que o ajuda a crescer.

O episódio destaca as contrastantes características entre o casal. Ele é mais velho, reservado e tem certeza sobre o que quer; ao contrário, ela é jovem, entusiasmada e deseja experimentar todas as opções possíveis.

Durante as gravações do disco, Wiktor se mostra cada vez mais exigente e rigoroso. Após o lançamento, torna-se evidente que a cantora não está satisfeita com o trabalho. O casal então discute e Zula revela que tem um relacionamento com outra pessoa. Isso provoca em Wiktor uma ira incontrolável, o que o leva a agredir Zula, que então sai da sala.

Retorno, Encarceração e Falecimento

Deprimido por saber que Zula havia voltado para a Polônia, Wiktor não conseguia mais tocar piano. Resolveu então visitar a embaixada do seu país de origem. Lá, o aconselharam a desistir de sua ideia de regressar, já que ele era visto como um traidor por ter deixado o país.

Zula foi visitar o amante, Wiktor, na prisão em 1959. Eles lamentaram por sua escolha, mas ele persuadiu-a a continuar com a sua vida, pois sabia que a liberdade era algo que ela merecia. Ela prometeu esperar por ele, mesmo que fosse difícil.

Cinco anos depois, Zula está se apresentando com grande êxito, cantando um estilo musical bem diferente. Parece que ela perdeu a paixão por aquilo que faz e hoje canta somente por causa do dinheiro. Atrás dos bastidores, seu marido e seu pequeno filho acompanham-na.

Wiktor consola Zula que está chorando no banheiro.

A cantora deixou o palco para vomitar, demonstrando seu excesso de bebida. Wiktor, já livre, foi visitá-la e encontrou Zula chorando nos seus braços. Ela pediu para que partissem juntos dali.

Zula e Wiktor viajaram juntos de ônibus e pararam em uma estrada. Segurando-se nas mãos, eles entraram em uma igreja abandonada e em ruínas, queimaram uma vela e repetiram seus votos de casamento. Depois disso, eles formaram uma fila circundando a igreja e se abençoaram. Zula olhou nos olhos de Wiktor e disse: "Agora eu sou sua. Para sempre".

“Queremos ficar juntos para sempre!” Assentando-se no banco à beira da estrada, eles ficaram imóveis, segurando-se de mãos dadas, em silêncio. Logo em seguida, levantaram-se e afirmaram juntos: “Desejamos permanecer juntos para sempre!”

Vamos para o outro lado, a vista vai ser melhor.

A câmara fixa-se no banco e não vemos mais os protagonistas. Esta cena chave da narrativa deixa-nos com dúvidas, mas podemos supor que morreram. O pacto suicida, semelhante ao de Romeu e Julieta, transmitiu a ideia de que só conseguiram a paz quando já estavam mortos.

Cena final do filme

Em uma sociedade que vedava qualquer prática religiosa, a cerimônia de casamento improvisada pelos dois amantes era um sinal de desobediência. Apesar de desgastados pelas dificuldades da vida, eles decidiram selar o seu amor de forma pacífica, dando-se o abraço da eternidade pela morte.

Análise do Filme

Contra o pano de fundo do conflito ideológico que dividiu o mundo, o filme destaca os efeitos psicológicos que tal contexto teve nos indivíduos. Wiktor e Zula são produtos da guerra, do medo, da perseguição, do exílio e da premissa de falta de liberdade. Talvez por causa disso, o seu amor pareça estar condenado desde o início.

Embora haja indícios evidentes de sofrimento, temos a percepção de que essa narrativa poderia se desenrolar em qualquer época. É uma história de amor impossível fadada ao fracasso, que se repete ao longo dos séculos.

Assim, o título de Guerra Fria pode ter um duplo significado. É uma metáfora para o desgaste de uma relação. O que separa Zula e Wiktor também são os sentimentos de hesitação, infidelidade, depressão, ciúme e ambição, entre outros fatores.

"Quando você ama, a vida não acaba". À medida que o filme progride, os personagens parecem cada vez mais cansados e desanimados com a vida. No entanto, como Juliette acredita, "Quando você ama, a vida nunca acaba".

O tempo não importa quando você ama.

Apesar de não haver um final feliz para o casal, a mensagem que permaneceu é a de que o amor é algo muito mais forte, capaz de superar qualquer dificuldade, até mesmo a morte.

Dados Técnicos

: todos esses prêmios foram ganhos por um mesmo filme. Um filme tem a grande honra de ter conquistado diversos prêmios internacionais: Prêmio do Cinema Europeu de Melhor Filme, Prêmio do Cinema Europeu de Melhor Diretor, Prêmio Goya de Melhor Filme Europeu, Prêmio Gaudí para Melhor Filme Europeu e New York Film Critics Circle Awards de Melhor Filme Estrangeiro.

Cartaz do filme Guerra Fria

Rebeca Fuks
Escrito por Rebeca Fuks

É graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), possui mestrado em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutorado em Estudos de Cultura pelas Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).