Análise de 6 Poemas de Clarice Lispector


Escrito por Carolina Marcello

Considerada uma das mais importantes mulheres escritoras da literatura brasileira do século XX, Clarice Lispector (1920-1977) é reconhecida tanto no Brasil quanto no exterior. Suas obras foram traduzidas para mais de dez línguas, alcançando a admiração de milhares de pessoas.

Ela é considerada uma das principais referências para leitores e escritores/escritoras das gerações seguintes devido a sua obra literária repleta de sentimentos e metáforas.

A obra deixada pela autora reúne romances, contos e crônicas, todos marcados por uma forte carga poética. Seus textos trazem consigo um lirismo profundo, além de questionamentos sobre a existência e seus mistérios. Apesar de nunca ter publicado poemas, seus trabalhos carregam a poesia que a define.

1. Atingindo a Perfeição

O que me tranquiliza é que tudo o que existe, existe com uma precisão absoluta. O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete não transborda nem uma fração de milímetro além do tamanho de uma cabeça de alfinete. Tudo o que existe é de uma grande exatidão. Pena é que a maior parte do que existe com essa exatidão nos é tecnicamente invisível. Apesar da verdade ser exata e clara em si própria, quando chega até nós se torna vaga pois é tecnicamente invisível. O bom é que a verdade chega a nós como um sentido secreto das coisas. Nós terminamos adivinhando, confusos, a perfeição.

Esta obra, A descoberta do mundo, traz contribuições do pensamento filosófico da autora entre 1967 e 1973. Um exemplo disso é o pequeno texto que ela nos apresenta, abordando a ideia da "existência das coisas".

Clarice nos leva a refletir sobre as camadas de visibilidade que permeiam a nossa realidade. Ao explorar a dimensão entre o visível e o invisível, ela nos impulsiona a pensar nas complexidades que dão forma ao nosso mundo, sejam elas materiais ou emocionais.

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2. Uma Brisa de Vida

Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços meu pecado de pensar. (…)

Em 1977, foi publicado postumamente o último livro de Clarice, intitulado 'Um Sopro de Vida'.

A partir de 1974, quando a escritora começou a escrever o livro, ela estava gravemente doente. Essa circunstância pode nos dar pistas sobre as motivações por trás dos pensamentos presentes nesse trecho da obra. Infelizmente, ela faleceu em 1977.

Esta pessoa entende sua limitação como ser humano, sentindo-se vazia em meio à solidão. No entanto, ela clama ao divino por completude e plenitude.

Aqui, podemos estabelecer uma comparação entre o que significam a “solidão” e a “solitude”. Enquanto a solidão é uma sensação angustiante de estar sozinho no mundo, a solitude é experimentada como um prazer na própria companhia, um contentamento comigo mesmo.

3. Compreender o Desconhecido

Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom.

Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.

Nesta publicação, A descoberta do mundo, há um texto que nos motiva a refletir sobre o nosso entendimento do mundo e a nossa capacidade de compreensão dos mistérios que envolvem a existência humana. A autora convida tanto os leitores quanto as leitoras a embarcarem nessa jornada de descobertas.

4. A Alegria do Nascimento

O prazer nascendo dói tanto no peito que se prefere sentir a habituada dor ao insólito prazer. A alegria verdadeira não tem explicação possível, não tem a possibilidade de ser compreendida – e se parece com o início de uma perdição irrecuperável. Esse fundir-se total é insuportavelmente bom – como se a morte fosse o nosso bem maior e final, só que não é a morte, é a vida incomensurável que chega a se parecer com a grandeza da morte.

Deve-se deixar inundar pela alegria aos poucos – pois é a vida nascendo. E quem não tiver força, que antes cubra cada nervo com uma película protetora, com uma película de morte para poder tolerar a vida. Essa película pode consistir em qualquer ato formal protetor, em qualquer silêncio ou em várias palavras sem sentido. Pois o prazer não é de se brincar com ele. Ele é nós.

Esta é mais uma oportunidade para explorar o maravilhoso universo que é A Descoberta do Mundo. Aqui, temos a chance de descobrir um mundo de conhecimentos, descobertas e desafios. Esta é uma jornada incrível para quem deseja ampliar seus horizontes e se aventurar em um universo de possibilidades e de emoções. Venha participar desta aventura e descubra um mundo ainda mais surpreendente e mágico.

Clarice era reservada ao falar sobre si mesma em entrevistas. Contudo, ao escrever crônicas para os jornais, deixava transparecer seus sentimentos, emoções e reflexões.

Ao ler O nascimento do prazer, podemos ver como a autora abordava a ideia de prazer (com foco no erótico), entendendo-o como uma "pequena morte", uma abertura para ver o divino.

5. Ser Parte de Algo

Um amigo meu, médico, assegurou-me que desde o berço a criança sente o ambiente, a criança quer: nela o ser humano, no berço mesmo, já começou.

Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer. Por motivos que aqui não importam, eu de algum modo devia estar sentindo que não pertencia a nada e a ninguém. Nasci de graça.

Se no berço experimentei esta fome humana, ela continua a me acompanhar pela vida afora, como se fosse um destino. A ponto de meu coração se contrair de inveja e desejo quando vejo uma freira: ela pertence a Deus.

Exatamente porque é tão forte em mim a fome de me dar a algo ou a alguém, é que me tornei bastante arisca: tenho medo de revelar de quanto preciso e de como sou pobre. Sou, sim. Muito pobre. Só tenho um corpo e uma alma. E preciso de mais do que isso.

Com o tempo, sobretudo os últimos anos, perdi o jeito de ser gente. Não sei mais como se é. E uma espécie toda nova de "solidão de não pertencer" começou a me invadir como heras num muro.

Se meu desejo mais antigo é o de pertencer, por que então nunca fiz parte de clubes ou de associações? Porque não é isso que eu chamo de pertencer. O que eu queria, e não posso, é por exemplo que tudo o que me viesse de bom de dentro de mim eu pudesse dar àquilo que eu pertenço. Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética.

É como ficar com um presente todo embrulhado em papel enfeitado de presente nas mãos - e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.

Pertencer não vem apenas de ser fraca e precisar unir-se a algo ou a alguém mais forte. Muitas vezes a vontade intensa de pertencer vem em mim de minha própria força - eu quero pertencer para que minha força não seja inútil e fortifique uma pessoa ou uma coisa.

Quase consigo me visualizar no berço, quase consigo reproduzir em mim a vaga e no entanto premente sensação de precisar pertencer. Por motivos que nem minha mãe nem meu pai podiam controlar, eu nasci e fiquei apenas: nascida.

A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver.

Publicado em um jornal em 1968, Pertencer é uma crônica que trata das questões do abandono, do desamparo e da angústia, que são sentimentos comuns entre todos nós.

Clarice é aplaudida por conseguir dar voz a ideias que, ao mesmo tempo que são estranhas e misteriosas, são comuns a muitos, pois fazem parte da natureza humana.

Ao afirmar que busca pertencer, a autora, na verdade, está nos falando sobre a possibilidade de se sentir parte de si mesmo e de como é possível simplesmente existir ao viver.

6. Tende-me a Sua Mão

Dá-me a tua mão: Vou agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta. De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, de como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia. Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe um fato, entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir – nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.

A obra A paixão segundo G.H (1964) é considerada uma das mais importantes de Clarice. O romance aborda um tema que se integra ao texto.

Aqui, novamente, a autora nos conduz pelo caminho de ideais filosóficos, como se tem sinalizado em sua obra. Esta tentativa de interpretar o silêncio e aquilo que não pode ser explicado, devido à sua grandiosa mistificação, torna-se evidente.

Carolina Marcello
Escrito por Carolina Marcello

Formou-se em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e possui mestrado em Estudos Literários, Culturais e Interartes pela mesma instituição. Durante os estudos universitários, foi co-fundadora do Grupo de Estudos Lusófonos da faculdade e uma das editoras da revista da mesma, que se dedica às literaturas de língua portuguesa.