Significado da Obra "Abaporu" de Tarsila do Amaral


Escrito por Rebeca Fuks

A obra Abaporu, de Tarsila do Amaral, é um exemplo clássico do modernismo brasileiro. Pintado em óleo em 1928, foi oferecido como presente ao seu marido, o escritor Oswald de Andrade, e considerado uma obra-prima da autora.

No quadro, podemos observar a exaltação do trabalho braçal, que é representado pelo pé e pela mão gigantes, e a desestima do trabalho intelectual, demonstrado pela diminuta cabeça.

A obra, intitulada "Abaporú", tem origem na língua tupi-guarani e significa "homem que come gente" (canibal ou antropófago). A junção dos termos aba (homem), pora (gente) e ú (comer) originou o título da tela.

Abaporu de Tarsila do Amaral

Em janeiro de 1928, Tarsila pintou uma tela como presente de aniversário para o seu marido, o escritor Oswald de Andrade.

Ao ver a tela, Oswald ficou maravilhado e declarou que aquele era o melhor trabalho de Tarsila. A figura inusitada no meio da obra o inspirou a criar o Movimento Antropofágico.

O Movimento teve como objetivo a ingestão da cultura estrangeira, a fim de criar uma cultura transformada, inovadora e que refletisse a nossa. Essa nova cultura foi formada a partir da assimilação da cultura estrangeira na realidade brasileira.

Examinando a Obra Abaporu

Entre 1928 e 1930, a pintora Tarsila de Amaral iniciou o que é conhecido como sua fase antropofágica. Nesta época, suas obras foram caracterizadas por cores fortes, temas imaginários e a reinterpretação da realidade.

Nesta pintura vemos o sol e um cacto, bem como um homem com grandes mãos e pés. Esses elementos podem simbolizar o duro trabalho rural, que era a profissão de muitos brasileiros no passado.

A cabeça pequena é uma possível crítica à sociedade daquela época, pois pode significar a falta de pensamento crítico. Isso significa que as pessoas optaram por trabalhar com força, mas sem pensar muito.

O retrato do Abaporu mostra um homem a transmitir uma aura melancólica. Sua postura e expressão sugerem tristeza e desânimo. A figura humana ainda está ligada à terra através do seu grande pé. Isso remete à forte ligação da humanidade com o mundo natural.

ela usou a grandiosidade da figura feminina para expressar a força da cultura negra. Tarsila havia já empregado a técnica do gigantismo em 1923, quando pintou A negra: ela usou a magnitude da figura feminina para simbolizar a vigorosa cultura negra.

O quadro A negra, pintado anos antes de Abaporu, já trazia traços de gigantismo que viriam a ser intensificados posteriormente.

A obra de Tarsila do Amaral, Abaporu, tem uma clara referencia à cultura brasileira, pois o uso de verde, amarelo e azul são destacados, sendo estas características cores da bandeira do nosso país.

A planta cacto, presente principalmente em regiões áridas como o Nordeste brasileiro, é uma referência à difícil condição de vida desses trabalhadores. O sol, por sua vez, representa a extensa jornada de trabalho diário que vivem.

"Eu quero pintar a minha terra". Tarsila manifestou sua intenção de se tornar uma pintora nacional em 1924, através de uma correspondência em que expressou: "Eu quero pintar a minha terra".

Sinto-me cada vez mais brasileira: quero ser a pintora da minha terra. Como agradeço poder ter passado na fazenda minha infância toda. As reminiscências desse tempo vão se tornando preciosas para mim. Quero, na arte, ser a caipirinha [da fazenda] de São Bernardo, brincando com bonecas de mato, como no último quadro que estou pintado.

Vemos, em ambas criações, apenas um único protagonista, triste e pensativo, apoiando a mão na cabeça, com uma postura corporal idêntica.

O pensador, de Rodin. Muitos críticos observam uma semelhança entre a escultura do artista francês e a tela Abaporu, de Tarsila do Amaral.

Saiba mais

Análise minuciosa de Abaporu

Abaporu detalhado

1. O Fascinante Mundo dos Cactos

A flora nordestina é caracterizada pelo cacto, o que o torna uma imagem simbólica para representar a brasilidade.

O cacto é um símbolo da resiliência do povo brasileiro, uma vez que é uma planta típica de regiões áridas. Esta resistência é uma homenagem ao nosso país que tem sobrevivido e vencido muitas adversidades.

O cacto retratado por Tarsila é verde, assim como o chão, e essa cor possui forte significado pois está presente na bandeira brasileira. Esta é uma característica que faz parte da identidade nacional.

2. Brilhando no Céu: O Fascínio do Sol

O sol, representado de maneira magistral por Tarsila, simboliza tanto o calor e a energia, que possibilitam a vida, quanto as condições difíceis impostas aos trabalhadores rurais.

A tela exibe uma interessante ilustração: um olho, alocado acima da figura do sol e do cacto, vigiando a composição. É curioso notar que a representação do sol se assemelha a esse olho.

A escolha de colocar o sol como elemento central na obra é significativa, pois, assim, a luz se destaca como responsável por possibilitar a existência de flora e fauna. Fica evidente que, ao encontrar-se entre o cacto e o rosto humano, o sol dá vida aos elementos que os rodeiam.

O amarelo, cor do sol, e o azul, cor do céu, são representados na cor da nossa bandeira nacional, conferindo a ela um toque de brasilidade.

3. Tamanho da Cabeça

A curiosa cabeça deformada é o elemento que mais se destaca no corpo desproporcional, desenhado por Tarsila. Com razão, ela o denominou de “figura monstruosa”.

É difícil identificar as características da criatura mencionada, de modo que não se sabe se é um homem ou uma mulher.

A personagem com cabeça de alfinete está com a face apoiada em seu braço, o que pode sugerir cansaço. No entanto, sem uma boca para interpretar sua expressão, é impossível certamente saber o que esta personagem está sentindo.

Indiferente ao que está acontecendo ao seu redor, a cabeça pequena, sem orelhas e muito próxima do sol, é vista por especialistas como um símbolo da desvalorização do trabalho intelectual em nosso país.

4. Mãos e Pés Enormes

Tarsila escolheu uma figura desproporcional como protagonista, principalmente quando se compara o tamanho da cabeça ao dos membros direitos (os esquerdos estão ocultos).

Ele(a) emerge da Terra, assentado(a) no chão, como o cacto, demonstrando uma íntima ligação com o solo.

A grandeza dos pés e das mãos reflete a dor do trabalhador brasileiro, com uma ênfase desproporcional na força muscular e nos afazeres manuais, em contraste com a desprezível atitude diante da atividade intelectual.

O tamanho gigante do pé na pintura pode ser interpretado como sendo um símbolo para reforçar a conexão entre o homem e a Terra. A artista quis destacar essa ligação através do uso desta imagem.

Explorando o Passado Histórico

No final da República Velha, nos anos 1920, Abaporu foi criado, tornando-se um período emblemático para o Brasil.

A República Velha teve início em 15 de novembro de 1889, com a proclamação da República. Seu fim veio com a Revolução de 1930, que trouxe o desligamento do então presidente Washington Luís da presidência. Esta etapa política durou vários anos.

A década de 1920 foi marcada por grandes avanços tecnológicos e a industrialização tanto do Brasil como especialmente de São Paulo. O desenvolvimento destes dois territórios foi sendo alcançado a passos largos.

Em fevereiro de 1922, a Semana de Arte Moderna dos intelectuais brasileiros foi realizada no Teatro Municipal de São Paulo. Planejada desde o final de 1921, ela contou com a participação de pintores, escultores, compositores, músicos e escritores. O evento teve Di Cavalcanti e Marinette Prado como organizadores.

Os artistas se juntaram com o intuito de romper com o estilo de arte predominante, uma vez que a acreditavam ser conservadora. Todos traziam consigo conhecimentos adquiridos na Europa, pois uma grande parte deles havia passado algum tempo no Velho Continente. Ao retornarem para casa, eles desejavam implementar as novidades que tinham visto lá.

Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Anita Malfatti. Grandes nomes do cenário cultural nacional marcaram presença na Semana de Arte Moderna, entre eles Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Anita Malfatti.

  • Mário de Andrade (literatura);
  • Oswald de Andrade (literatura);
  • Sérgio Milliet (literatura);
  • Menotti Del Picchia (literatura);
  • Ronald Carvalho (literatura);
  • Villa Lobos (música);
  • Victor Brecheret (escultura);
  • Di Cavalcanti (pintura);
  • Anita Malfatti (pintura);
  • Vicente do Rego Monteiro (pintura).

Ao retornar ao Brasil, Tarsila do Amaral foi apresentada ao Grupo dos Cinco por Anita Malfatti - sua companheira das aulas de pintura. Completavam a equipe Mário de Andrade, Menotti del Picchia e Oswald de Andrade. Embora não tenha comparecido ao evento, Tarsila foi abraçada de imediato.

Em 1923, Tarsila e Oswald de Andrade, que haviam se apaixonado, imigraram para Paris e se casaram. Esse evento marcou o fim do Grupo dos Cinco, já que Anita também se mudou para lá.

Aprendendo sobre o quadro

Em 1995, o colecionador argentino Eduardo Constantini adquiriu o ícone Abaporu num leilão realizado em Nova York, pagando nada menos que 1,5 milhões de dólares.

A obra-prima de Tarsila é exibida no MALBA (Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires) e é considerada a pintura brasileira de maior valor de venda na história. Esta obra alcançou o preço mais alto ainda registrado em transações com pinturas no Brasil.

Na Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro, Abaporu esteve presente na exposição intitulada A cor do Brasil.

Em 2011, o Abaporu foi emprestado ao governo brasileiro pelo MALBA para integrar a exposição Mulheres, Artistas e Brasileiras, idealizada pela então presidente Dilma Rousseff. A mostra foi realizada no Salão Oeste do Palácio do Planalto, em Brasília, reunindo 80 obras do século XX de 49 artistas mulheres brasileiras.

A obra Abaporu, produzida no Brasil e considerada por muitos historiadores da arte como a mais importante, é uma pintura de óleo sobre tela com 85 cm de altura e 73 cm de largura.

Uma Nova Interpretação de Abaporu por Romero Britto

O Abaporu de Tarsila do Amaral exerceu uma grande influência sobre vários artistas brasileiros. Por exemplo, o pintor e escultor pernambucano Romero Britto, estabelecido nos Estados Unidos, produziu um quadro que é uma releitura da obra Abaporu.

Releitura de Abaporu feita por Romero Brito.

Rebeca Fuks
Escrito por Rebeca Fuks

É graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), possui mestrado em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutorado em Estudos de Cultura pelas Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).