Augusto Matraga - A Hora é Agora, de Guimarães Rosa


Escrito por Laura Aidar

Guimarães Rosa (1908-1967) escreveu A hora e a vez de Augusto Matraga, que faz parte da obra Sagarana (1946).

A história é contada em terceira pessoa e destaca o belo trabalho de Nhô Augusto com a linguagem. Ele é o protagonista.

O personagem principal é um homem que luta contra o seu instinto cruel. No entanto, conseguiu dar uma reviravolta na sua vida.

A criação literária de Guimarães Rosa, clássico da literatura brasileira, traz à tona a realidade áspera do sertão de Minas Gerais, caracterizada pela violência e vingança. Por isso, é indispensável que seja lido e relido.

Abreviando o Essencial

Nhô Augusto, também conhecido como Augusto Esteves, é o personagem central da narrativa de Guimarães Rosa. Ele é o filho do poderoso Coronel Afonsão Esteves.

O sujeito detentor de várias propriedades entre as Pindaíbas e o Sacoda-Embira, situadas no sertão de Minas Gerais, é uma figura temida pela sua frieza e maldade.

Dona Dionóra, casada com o rapaz, tem que lidar com as consequências de suas ações, pois ele é responsável por infundir violência e terror por onde quer que vá. Sua única filha, Mimita, também sofre com os efeitos de seu comportamento.

Conforme aprendíamos mais sobre a vida de Nhô Augusto, descobrimos que ele perdeu a mãe no início da infância e teve um pai problemático. Por sorte, foi criado pela avó, que era muito devota e tinha o desejo de fazê-lo virar padre.

Nhô Augusto, com sua alta propensão ao jogo e à caça de mulheres, estava acabando com a grande fortuna que herdou. Seus capangas, percebendo isso, decidiram trocá-lo pelo seu pior inimigo, o major Consilva Quim Recadeiro.

Depois de sofrer traições e maus tratos por parte do marido, a mulher resolveu fugir com Ovídio Moura, levando também a sua filha.

Nhô Augusto estava irado devido aos eventos e decidiu enfrentar o major. No entanto, antes mesmo de encontrá-lo, foi brutalmente atacado por seus capangas e ficou à beira da morte.

O bando acreditava que Nhô Augusto não conseguiria suportar o espancamento, e então o jogaram de um barranco. Para marcar o local onde ocorreu o assassinato, eles colocaram uma cruz ali. Antes disso, haviam tentado queimá-lo com um ferro quente comumente usado em gados.

Por uma extraordinária coincidência, o indivíduo sobreviveu à sua queda e foi encontrado por Mãe Quitéria e Pai Serapião, um casal de negros. Estes ajudaram-no a curar as suas feridas, ofereceram-lhe abrigo e proteção.

Durante o período de recuperação, Nhô Augusto teve a visita de um sacerdote, que lhe discursou sobre a essencialidade da fé, as orações, e a relevância do esforço e trabalho duro.

Após quase perder a vida, Nhô Augusto enxergou a oportunidade de se redimir. O padre o aconselhou a esquecer o passado e embarcar em uma jornada de arrependimento, devoção e trabalho árduo. Com isso, ele buscou seu caminho para a redenção.

Pedro Fortunato. Ele saiu de madrugada, agradecido pela hospitalidade de mãe Quitéria e pai Serapião. Ele seguia para a única terra que ainda lhe pertencia. Ali ele criou uma nova identidade: Pedro Fortunato.

Mas todos gostariam logo dele, porque era meio doido e meio santo; e compreender deixaram para depois. Trabalhava que nem um afadigado por dinheiro, mas, no feito, não tinha nenhuma ganância e nem se importava com acrescentes: o que vivia era querendo ajudar os outros. Capinava para si e para os vizinhos do seu fogo, no querer de repartir, dando de amor o que possuísse. E só pedia, pois, serviço para fazer, e pouca ou nenhuma conversa.

Durante seis longos anos, Nhô Augusto viveu como se não houvesse nada além de confusões. Então, um dia, Tião - um parente que o reconheceu - vium trazer novas notícias.

Tião relata que Dona Dionóra tem um feliz relacionamento com Ovídio, que ela se considera viúva e que Mimita foi enganada por um caixeiro viajante. Nhô Augusto possui sentimentos de culpa, mas acredita que não há nada que ele possa fazer para ajudar.

Quando Joãozinho Bem-Bem chegou com o seu bando, ele os convidou para se hospedarem na sua casa, transmitindo grande estima ao grupo. No entanto, quando ele foi convidado a se juntar ao bando, recusou veementemente dizendo que sua vida seria dedicada ao bem. Em seguida, o bando partiu.

Em Arrial do Rala-Coco, Nhô Augusto se reencontrou com Joãozinho Bem-Bem. Ele estava liderando um grupo com a intenção de executar a família de um assassino ausente.

Ao ouvir a condenação imposta a Joãozinho, Nhô Augusto entra em ação para fazer justiça. Enfurecido, ele revive seu antigo eu e mata alguns capangas e o próprio Joãozinho. Durante a batalha, Nhô Augusto é novamente reconhecido.

No final do conto, Joãozinho Bem-Bem e Nhô Augusto infelizmente foram a óbito durante a luta.

Personagens Centrais

A Vida de Augusto Esteves Matraga

Filho do poderoso fazendeiro Afonso Esteves, Nhô Augusto era temido por todos como um valentão, opressor e criador de brigas e confusões. No entanto, após passar por uma experiência que quase levou à sua morte, ele tomou a decisão de seguir um novo caminho com a herança deixada por seu pai.

A Dama Dionóra

Ao se casar com Nhô Augusto, Dona Dionóra se desentendeu com sua família inteira. No entanto, ela frequentemente se arrepende da decisão que tomou, pois ele se revela frio, distante e mesmo infiel. Ainda assim, ela é a esposa do homem e mãe de sua filha Mimita, a quem tem de suportar todos os desgostos.

A Pequena Mimita

A jovem Mimita, filha de Augusto Matraga e Dona Dionóra, é negligenciada pelo seu pai, a quem pouco importa. Apesar disso, é cuidada com muito carinho pela sua mãe. Infelizmente, Mimita acaba se envolvendo emocionalmente por um caixeiro viajante, o que a leva a uma situação complicada.

A Vida de Ovídio Moura

Depois de muita insistência, ele consegue convencer Dona Dionóra a abandonar os domínios do fazendeiro Nhô Augusto junto com sua filha. Os três partem então para um lugar distante, longe do alcance dos braços do antigo marido.

Sargento-Mor Consilva Quim Recadeiro

O Major, arqui-inimigo de Augusto Matraga, conseguiu convencer todos os seus seguidores a passarem para o seu lado, quando notou que Matraga estava indo a falência. Foi com a sua ajuda que seus capangas deram uma surra tão forte ao Nhô Augusto que quase o matou.

Os Pais Quitéria e Serapião

Após ter sido atirado do barranco, Nhô Augusto foi acolhido por um casal de negros em seu péssimo estado. Eles cuidaram das feridas que ele tinha e ofereceram-lhe abrigo, alimentação e, inclusive, a visita de um padre para conversar com ele sobre a fé e animá-lo a seguir o caminho do bem.

A Aventura de Joãozinho Bem-Bem

Ao passar o bando de cangaceiros pelo vilarejo, Nhô Augusto é lembrado do seu antigo eu, trazendo à tona memórias da violência e do espírito de grupo. Agora um homem transformado, o seu passado ainda é evocado.

Examinando a Análise

A História por Trás do Título

O título escolhido por Guimarães Rosa para sua obra se relaciona à frase proferida pelo padre enquanto visitava Nhô Augusto, que estava à beira da morte, na casa de Mãe Quitéria e Pai Serapião.

Ao ouvir o conselho do padre, o protagonista teve uma reviravolta na sua forma de vida: deixou de fumar, beber, discutir, olhar para mulheres e gerar conflitos.

“Vá até sua casa e ore” O padre aconselhou: "Volte para casa e ore".

Reze e trabalhe, fazendo de conta que esta vida é um dia de capina com sol quente, que às vezes custa muito a passar, mas sempre passa. E você ainda pode ter muito pedaço bom de alegria... Cada um tem a sua hora e a sua vez: você há de ter a sua.

Nhô Augusto mudou a sua vida. Ele partiu para uma região onde ninguém o conhecia para colocar em prática os ensinamentos do padre. Levou consigo um novo modo de vida para aplicar.

A Fé como Elemento Narrativo Essencial

A relevância da figura do padre nesse conto, bem como o importante papel da religião na vida dos moradores do sertão, merece destaque. É possível destacar isso através da cena em que Nhô Augusto é agredido, onde seus agressores fazem questão de marcar um símbolo cristão no local do acontecimento.

Nhô Augusto tinha uma semente de religiosidade antes de quase morrer e do intervir do padre. Isso foi fundamental para a mudança radical de vida que ele experimentou. A religião foi o elemento essencial que o motivou nessa jornada.

Quem criou Nhô Augusto foi a avó... Queria o menino p'ra padre... Rezar, rezar, o tempo todo, santimônia e ladainha...

A religiosidade foi parte significativa na infância do menino, sendo fundamental para a criação dada por sua avó.

A experiência da perda (condição financeira, capangas, mulher e filha) e a iminência da morte trouxeram à tona um componente que parecia ter-se perdido. Nhô Augusto voltou a acreditar em Deus e a guiar sua vida no caminho certo.

A Transformação de Nhô Augusto na Vida Antiga

Antes de seu destino ser alterado pelas palavras do padre, Nhô Augusto era descrito como uma figura imponente, vestida de luto e com a postura dominadora. Era descrito como alguém "duro, inconsciente e desprovido de emoções", "inconsciente, impetuoso e indisciplinado".

Todos temiam o sujeito opressor; mais tarde, descobriríamos a razão por trás da sua personalidade complicada.

A gênese problemática do valentão foi descoberta. Nhô Augusto tinha sofrido a perda de seus pais e foi criado dentro de um lar desestruturado. A origem de tudo isso foi relatada pelo tio de D. Dionóra.

Mãe do Nhô Augusto morreu com ele ainda pequeno...Teu sogro era um leso, não era p'ra chefe de família... Pai era como que Nhô Augusto não tivesse... Um tio era criminoso, de mais de uma morte, que vivia escondido, lá no Saco-da-Embira... Quem criou Nhô Augusto foi a avó...

Enfrentando a Violência

No conto, a violência, a imposição da força e o valor quase inexistente da vida de capangas ou de quem é menos poderoso são características marcantes.

Nhô Augusto sofreu uma agressão desmesurada por parte dos capangas do major, o que constituí um exemplo nítido de uso excessivo da força.

a proibição de ter um enterro digno. Morrendo, sem opor nenhuma reação, ele sofreu a última ofensa: não poderia ter um sepultamento honroso.

E aí, abrasaram o ferro com a marca do gado do Major – que soía ser um triângulo inscrito numa circunferência – e imprimiram-na, com chiado, chamusco e fumaça, na polpa glútea direita de Nhô Augusto

A Jornada de Nhô Augusto

Nhô Augusto, que era temido e poderoso, tornou-se dependente e fraco.

Ele não possuía qualquer bem material, não tinha família, mas, mesmo assim, foi acolhido por um casal de negros que lhe ofereceu tratamento a suas feridas e alimento.

Refletir sobre o nome de Quitéria é intrigante. Ela sugere uma ligação à maternidade e parece compensar, de alguma forma, a dívida que o destino cobrava de Matraga.

Nhô Augusto encontra-se em uma condição de vulnerabilidade, com o corpo marcado por doenças. Isso desperta o desespero em seu coração.

Até que pôde chorar, e chorou muito, um choro solto, sem vergonha nenhuma, de menino ao abandono. E sem saber e sem poder, chamou alto soluçando: – Mãe ... Mãe...”

Vendo a dor e o sofrimento de Nhô Augusto, é possível ver um novo lado seu aflorar. Agora, resta ao leitor se perguntar se ele será capaz de seguir adiante com uma vida tão diversa da que tinha anteriormente.

Esta obra literária nos convida a refletir profundamente sobre o tema da identidade, questionando se é possível escapar do nosso próprio instinto e quais fatores nos fazem ser o que somos.

A Importância da Escrita em 'A Hora e a Vez de Augusto Matraga'

Metaficção na Narrativa Novelística

No livro A hora e a vez de Augusto Matraga, o narrador questiona o próprio conceito do que é realidade e do que foi criado. A ficção da história se torna evidente e importante, pois o narrador sugere que o que parece real pode ser muito diferente do que é.

E assim se passaram pelo menos seis ou seis anos e meio, direitinho deste jeito, sem tirar e nem pôr, sem mentira nenhuma, porque esta aqui é uma estória inventada, e não é um caso acontecido, não senhor.

Em alguns momentos, o narrador deixa o leitor perceber a diferença entre o que é imaginário e o que é real. Estas passagens são cruciais para a narrativa, pois permitem que o leitor suspenda a sua crença.

A Expressão Oral e o Estilo do Texto

É importante enfatizar a linguagem usada, que é uma imitação da frase do sertanejo, e é predominantemente baseada na oralidade, além de incluir expressões locais.

As cantigas antigas populares também são retratadas nos contos de Guimarães Rosa, reforçando o traço regionalista da sua prosa.

De acordo com Antônio Candido, na narrativa A hora e a vez de Augusto Matraga, o escritor retrata o protagonista como um homem que enfrenta dificuldades em sua ascensão social.

entra em região quase épica de humanidade e cria um dos grandes tipos de nossa literatura, dentro do conto que será daqui por diante, contado entre os 10 ou 12 mais perfeitos da língua.

Antônio Cândido considerou o conto como uma das peças literárias mais bonitas escritas na língua portuguesa graças ao talento de Guimarães Rosa em manipular a linguagem.

A Hora e a Vez de Augusto Matraga: Adaptação para o Cinema

Cinema de 1965

O longa-metragem de 1965, dirigido por Roberto Santos, contou com a participação de Leonardo Villar, Jofre Soares, Antonio Carnera, Emmanuel Cavalcanti, Flávio Migliaccio, Maria Ribeiro, Maurício do Valle e Ivan De Souza no elenco.

Filme do Ano 2011

Vinícius Coimbra e Manuela Dias assinaram o roteiro do longa metragem, inspirado na obra de Guimarães Rosa.

A produção foi muito bem-sucedida no Festival do Rio 2011, recebendo três prêmios: melhor filme (juri oficial e popular), melhor ator (João Miguel) e melhor ator coadjuvante (José Wilker).

Assista ao trailer abaixo:

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Escutar um Livro

Para ouvir a história de A hora e a vez de Augusto Matraga, acesse o audiobook.

Explorando a Publicação

O livro Sagarana de João Guimarães Rosa inclui nove contos, sendo o de Augusto Matraga um deles.

a Bela e a Fera, Cinderela, João e Maria e Chapeuzinho Vermelho. Neste livro, encontram-se os contos de A Bela e a Fera, Cinderela, João e Maria e Chapeuzinho Vermelho.

Todas as histórias têm algo em comum: a morte, a religiosidade, a aventura e as dificuldades do cotidiano no sertão.

Capa da primeira edição de Sagarana, publicada em 1946.

Laura Aidar
Escrito por Laura Aidar

É arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Possui licenciatura em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formação em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.