Poemas Infantis de Vinicius de Moraes - Uma Coletânea de 12


Escrito por Sónia Cunha

O poeta e compositor Vinicius de Moraes é bastante reconhecido pelo seu trabalho infantil no Brasil.

No ano de 1970, ele publicou o livro A arca de Noé, dedicado aos seus filhos Pedro e Suzana. Neste trabalho, o autor reuniu alguns poemas para crianças que havia escrito na década de 50, inspirados na história bíblica da arca de Noé.

Em 1980, Vinicius de Moraes e Toquinho uniram suas habilidades para criar o álbum A arca de Noé. Esse projeto musical foi lançado pouco antes da morte de Vinicius, que aconteceu nesse mesmo ano.

Veja abaixo alguns poemas de nosso projeto.

1. A Importância do Relógio

Passa, tempo, tic-tac

Tic-tac, passa, hora

Chega logo, tic-tac

Tic-tac, e vai-te embora

Passa, tempo

Bem depressa

Não atrasa

Não demora

Que já estou

Muito cansado

Já perdi

Toda a alegria

De fazer

Meu tic-tac

Dia e noite

Noite e dia

Tic-tac

Tic-tac

Tic-tac…

No poema de Vinicius de Moraes, a linguagem é construída com ritmo, caráter lúdico e simplicidade. A onomatopeia é usada como recurso estilístico para criar um texto com som e imaginação.

É praticamente possível "ouvir" o tique-taque do relógio. Por meio de palavras representativas da noção temporal, o poeta busca expressar a sua relação com a peça que mede o tempo.

Embora se trate de um poema para crianças, há nele uma nota de tristeza. Seus versos "Que já estou muito cansado" e "Já perdi toda alegria" são prova disso.

Assista ao vídeo com Walter Franco cantando a música!

2. A Morada

Era uma casa

Muito engraçada

Não tinha teto

Não tinha nada

Ninguém podia

Entrar nela não

Porque na casa

Não tinha chão

Ninguém podia

Dormir na rede

Porque a casa

Não tinha parede

Ninguém podia

Fazer pipi

Porque penico

Não tinha ali

Mas era feita

Com muito esmero

Na Rua dos Bobos

Número Zero.

A Casa é um dos poemas mais reconhecidos na infância brasileira. Diversas análises foram feitas sobre o seu real significado. Por vezes, as interpretações podem ser bastante fantasiosas.

A interpretação mais popular de "Casa" é que ela é uma metáfora para o útero de uma mulher grávida, o primeiro "lar" de um ser humano. No entanto, essa não é a intenção do autor, Vinicius de Moraes.

Inspirado na Casapueblo, construída pelo artista e arquiteto uruguaio Carlos Vilaró em Punta Ballena, Uruguai, nos anos 60, o músico Toquinho compôs esse poema. A peculiar estrutura da Casapueblo, como é conhecida, impressionou Toquinho e serviu de inspiração para a composição.

casapueblo

Esse poema nos oferece uma descrição criativa de uma casa cheia de impossibilidades e contradições. Ao ler ou ouvir o texto, nosso imaginário cria, de maneira divertida, formas de se conseguir habitar aquele espaço, mesmo que de forma apenas mental.

O Grupo Boca Livre se apresentou cantando sua versão musicada.

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3. A Majestade do Leão

Leão! Leão! Leão!

Rugindo como o trovão

Deu um pulo, e era uma vez

Um cabritinho montês.

Leão! Leão! Leão!

És o rei da criação

Tua goela é uma fornalha

Teu salto, uma labareda

Tua garra, uma navalha

Cortando a presa na queda.

Leão longe, leão perto

Nas areias do deserto.

Leão alto, sobranceiro

Junto do despenhadeiro.

Leão na caça diurna

Saindo a correr da furna.

Leão! Leão! Leão!

Foi Deus que te fez ou não?

O salto do tigre é rápido

Como o raio; mas não há

Tigre no mundo que escape

Do salto que o Leão dá.

Não conheço quem defronte

O feroz rinoceronte.

Pois bem, se ele vê o Leão

Foge como um furacão.

Leão se esgueirando, à espera

Da passagem de outra fera…

Vem o tigre; como um dardo

Cai-lhe em cima o leopardo

E enquanto brigam, tranquilo

O leão fica olhando aquilo.

Quando se cansam, o leão

Mata um com cada mão.

Leão! Leão! Leão!

És o rei da criação!

Neste poema, o autor nos faz contemplar a figura do leão, monarca da selva, exaltando sua grandeza e força. O leão é apresentado como a representação do mundo selvagem, num cenário majestoso.

Vinicius imagina os animais na selva para tentar descobrir quem é o mais forte. Comparando o leão ao tigre, rinoceronte e leopardo, ele conclui que o rei da selva é o leão. A narrativa nos leva a imaginar os bichos no meio da floresta, lutando para descobrir quem é o mais forte.

É interessante notar que, embora se trate de um poema infantil, temas como caça e morte são abordados, como nos versos "Deu um pulo, e era uma vez um cabritinho montês" e "Quando se cansam, o leão mata um com cada mão".

Assista ao vídeo da música executada por Caetano Veloso.

4. A Vida do Pato

Lá vem o pato

Pata aqui, pata acolá

Lá vem o pato

Para ver o que é que há.

O pato pateta

Pintou o caneco

Surrou a galinha

Bateu no marreco

Pulou do poleiro

No pé do cavalo

Levou um coice

Criou um galo

Comeu um pedaço

De jenipapo

Ficou engasgado

Com dor no papo

Caiu no poço

Quebrou a tigela

Tantas fez o moço

Que foi pra panela.

No poema O pato, Vinicius trabalha brilhantemente com as palavras, artesanalmente criando oralidade e ritmo. Ele emprega rimas cuidadosas para compor um texto de fácil memorização, entretanto, em nada superficial.

O pato travesso retratado pelo autor adquire um grande significado no imaginário infantil. A trajetória da história é contada na sequência dos acontecimentos, desde o primeiro momento até o momento em que o pato "vai para a panela". Todas essas peripécias se unem para formar um fio condutor que encanta os pequenos.

A cena presente no poema nos traz elementos fantasiosos e de natureza surpreendente, oferecendo assim uma experiência estimulante. Isso torna ainda mais interessante a leitura da obra.

Assista à versão musicalizada no vídeo abaixo:

5. Um Felino Amigável

Com um lindo salto

Lesto e seguro

O gato passa

Do chão ao muro

Logo mudando

De opinião

Passa de novo

Do muro ao chão

E pega corre

Bem de mansinho

Atrás de um pobre

De um passarinho

Súbito, para

Como assombrado

Depois dispara

Pula de lado

E quando tudo

Se lhe fatiga

Toma o seu banho

Passando a língua

Pela barriga.

Neste poema, o autor exalta a figura do gato doméstico, destacando sua docilidade e sua elegância. O gato é retratado pulando, caçando e descansando, demonstrando toda sua destreza. É um animal tão presente nas nossas vidas que merece esse lindo reconhecimento.

O texto desafia as crianças a serem observadoras, especialmente no que diz respeito ao comportamento dos animais. Neste caso, o gato é o exemplo usado para ilustrar a importância de prestar atenção em tudo que acontece ao nosso redor.

Dê uma olhada no vídeo de Mart'Nália interpretando a canção "O Gato".

6. A Beleza das Borboletas

Brancas

Azuis

Amarelas

E pretas

Brincam

Na luz

As belas

Borboletas.

Borboletas brancas

São alegres e francas.

Borboletas azuis

Gostam muito de luz.

As amarelinhas

São tão bonitinhas!

E as pretas, então…

Oh, que escuridão!

Vinicius começa seu poema listando várias cores, criando um mistério para o leitor. Apenas depois ele revela que era sobre borboletas.

Retratando esses estes insetos, ele atribui características diferentes a cada um deles com base nas suas cores. É fascinante notar que estas qualidades são descritas como sendo próprias do ser humano, como pode ser notado nos adjetivos "francas" e "alegres".

O autor recorre à rima e à repetição, conferindo um tom musical ao texto e facilitando sua memorização. Estamos diante de um texto descritivo, que não apresenta uma narrativa ou enredo.

Assista ao vídeo com a cantora Gal Costa interpretando a música baseada no poema.

7. A Beleza das Abelhas

A abelha-mestra

E as abelhinhas

Estão todas prontinhas

Para ir para a festa

Num zune que zune

Lá vão pro jardim

Brincar com a cravina

Valsar com o jasmim

Da rosa pro cravo

Do cravo pra rosa

Da rosa pro favo

E de volta pra rosa

Venham ver como dão mel

As abelhas do céu

Venham ver como dão mel

As abelhas do céu

A abelha-rainha

Está sempre cansada

Engorda a pancinha

E não faz mais nada

Num zune que zune

Lá vão pro jardim

Brincar com a cravina

Valsar com o jasmim

Da rosa pro cravo

Do cravo pra rosa

Da rosa pro favo

E de volta pra rosa

Venham ver como dão mel

As abelhas do céu

Venham ver como dão mel

As abelhas do céu.

Neste poema, somos transportados ao mundo das abelhas, dando-nos a oportunidade de contemplar como elas se organizam para cumprir a sua tarefa de colher mel.

O poeta detalha uma estrutura hierárquica entre os insetos, colocando a "abelha-mestra", as "abelhinhas" e a "abelha-rainha" em um ambiente alegre. Porém, fica claro que a abelha-rainha se beneficia sem grandes esforços, pois é ela que se alimenta.

O uso de diminutivos é uma excelente estratégia para se aproximar das crianças, assim como a onomatopeia, que imita sons produzidos pelas abelhas através do verso "num zune que zune".

Ouça uma versão musical com o cantor Moraes Moreira!

8. A Pequena Elefante

Onde vais, elefantinho

Correndo pelo caminho

Assim tão desconsolado?

Andas perdido, bichinho

Espetaste o pé no espinho

Que sentes, pobre coitado?

— Estou com um medo danado

Encontrei um passarinho

No diálogo entre Vinicius e um elefantinho, o poeta cria uma cena imaginária que estimula a imaginação do público. O acontecimento é construído na mente de quem o ouve.

O elefantinho, caminhando triste e desconsolado, encontra o poeta. O poeta nota o humor triste do animal e pergunta o motivo. A delicadeza com que o autor se refere ao animal, usando o diminutivo "elefantinho", faz com que as crianças se identifiquem com a situação.

O elefantinho responde que está apavorado com um passarinho. Esta foi uma conclusão curiosa e surpreendente, porque é impensável que um enorme animal como o elefante tenha medo de um pássaro tão pequeno.

Adriana Calcanhoto realizou uma adaptação musical do poema, que está disponível para conferir abaixo:

9. Aventuras no Peru

Glu! Glu! Glu!

Abram alas pro Peru!

O Peru foi a passeio

Pensando que era pavão

Tico-tico riu-se tanto

Que morreu de congestão.

O Peru dança de roda

Numa roda de carvão

Quando acaba fica tonto

De quase cair no chão.

O Peru se viu um dia

Nas águas do ribeirão

Foi-se olhando foi dizendo

Que beleza de pavão!

Glu! Glu! Glu!

Abram alas pro Peru!

A poesia do peru utiliza a onomatopeia para recriar uma oralidade divertida. Os personagens são apresentados como se tivessem sentimentos e aspirações, como uma representação da humanidade.

O peru acreditava que era um pavão, que é um animal muito mais belo e elegante. O tico-tico achou isso hilário, mas o peru não se desencorajou e continuou querendo se transformar em um pavão.

No poema, há uma clara alusão ao mito grego de Narciso. Assemelhando-se ao mito, o peru observa-se refletido no ribeirão e se inebria de amor pela imagem que vê, diferente da realidade.

Confira o vídeo da música de Elba Ramalho!

10. O Pinguim Encantador

Bom-dia, Pinguim

Onde vai assim

Com ar apressado?

Eu não sou malvado

Não fique assustado

Com medo de mim.

Eu só gostaria

De dar um tapinha

No seu chapéu de jaca

Ou bem de levinho

Puxar o rabinho

Da sua casaca.

No poema O pinguim, o interlocutor tem uma conversa com um pinguim, porém a resposta do animal não é revelada, deixando o leitor imaginá-la. Assim como no poema sobre o elefantinho, a dinâmica entre o homem e o animal é descrita de forma poética.

O animal se mostrava apressado, como se estivesse assustado. Porém, não havia necessidade de temer, pois a aproximação se dava somente pela curiosidade.

O poeta narra o pássaro de maneira criativa, descrevendo-o como se estivesse usando uma casaca - talvez devido às suas marcações preta e branca. Com isso, ele cria uma imagem interessante para o leitor da composição.

Ouça Chico Buarque interpretando a canção musicalizada!

11. A Encantadora Foca

Quer ver a foca

Ficar feliz?

É por uma bola

No seu nariz.

Quer ver a foca

Bater palminha?

É dar a ela

Uma sardinha.

Quer ver a foca

Fazer uma briga?

É espetar ela

Bem na barriga!

No poema A Foca, Vinicius de Moraes emprega a rima como recurso literário. Palavras como "foca" e "bola", "feliz" e "nariz", "palminha" e "sardinha" rimam entre si, bem como o último verso: "briga" e "barriga".

Ao imaginar um cenário de espetáculo aquático, vemos a foca fazendo malabarismos e batendo palmas para agradar ao público. Estes espetáculos com animais aquáticos costumam ter domadores que incentivam os bichos a executar alguns truques. Quem assiste tem a sensação de que os animais estão realmente divertidos e felizes.

Ao contarmos essa história, acabamos por gerar imagens mentais da foca, seja ela feliz e satisfeita, ou até mesmo brava por ter sido cutucada na barriga.

A versão musical de Toquinho para o poema pode ser vista no clipe abaixo:

12. A Brisa do Ar

Estou vivo mas não tenho corpo

Por isso é que não tenho forma

Peso eu também não tenho

Não tenho cor

Quando sou fraco

Me chamo brisa

E se assobio

Isso é comum

Quando sou forte

Me chamo vento

Quando sou cheiro

Me chamo pum!

O ar é exaltado pelo autor através de várias formas de expressão. O poema é quase como um jogo de charadas, com a estrutura do texto sendo criada para estimular a imaginação.

Vinicius oferece uma maneira interessante de apresentar às crianças as propriedades da matéria ao mostrar que o ar não tem forma, peso e cor.

No final do poema, o autor faz referência ao pum, um tema que as pessoas costumam evitar, por ser constrangedor. Entretanto, é um assunto com o qual as crianças lidam com maior familiaridade.

Confira o vídeo do poema musicalizado e cantado com a voz do Grupo Boca Livre!

Conhecendo Vinícius de Moraes

Nascido no Rio de Janeiro em 19 de outubro de 1913, Vinicius de Moraes foi muito reconhecido como poeta e compositor no Brasil.

Devido ao seu gosto pela poesia lírica, que tem grande harmonia com a música, o amigo Tom Jobim o apelidou de "poetinha".

Vinicius de Moraes e Arca de Noé

Vinícius de Moraes consolidou significativas alianças musicais com Tom Jobim, Toquinho, Baden Powell, João Gilberto e Chico Buarque. Entre suas obras de maior destaque, encontram-se Garota de Ipanema, Aquarela, Arrastão, Eu sei que vou te amar, e outras composições de sucesso.

Em 9 de julho de 1980, Vinicius tomou um mal súbito enquanto finalizava com Toquinho o volume 2 do álbum infantil A arca de Noé, e acabou falecendo dentro da banheira de sua casa.

Sónia Cunha
Escrito por Sónia Cunha

É licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003) e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006). Ao longo da carreira profissional, exerceu vários cargos em diferentes áreas, como técnico superior de Conservação e Restauro, assistente a tempo parcial na UPT e professora de História do 3º ciclo e ensino secundário. A arte e as letras sempre foram a sua grande paixão.