Análise e Significado do Poema de Sete Faces de Carlos Drummond de Andrade


Escrito por Carolina Marcello

Publicada na obra Alguma poesia (1930), a composição "Poema de Sete Faces" de Carlos Drummond de Andrade tem sido altamente aclamada. O poema trata sobre os sentimentos de inadequação e solidão do sujeito, tópicos recorrentes na obra do autor.

Por que o público ainda ama e mantém atuais os versos de Carlos Drummond de Andrade ao longo das décadas?

A poesia de Sete Faces captura emoções e dores intemporais, conduzindo o leitor num tom sensível e intimista. Querem conhecer melhor a literatura desta obra? Acompanhem a nossa análise!

Sete Faces de um Poema

Quando nasci, um anjo torto

desses que vivem na sombra

disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens

que correm atrás de mulheres.

A tarde talvez fosse azul,

não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:

pernas brancas pretas amarelas.

Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.

Porém meus olhos

não perguntam nada.

O homem atrás do bigode

é sério, simples e forte.

Quase não conversa.

Tem poucos, raros amigos

o homem atrás dos óculos e do bigode,

Meu Deus, por que me abandonaste

se sabias que eu não era Deus

se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,

se eu me chamasse Raimundo

seria uma rima, não seria uma solução.

Mundo mundo vasto mundo,

mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer

mas essa lua

mas esse conhaque

botam a gente comovido como o diabo.

Ouça a declamação do Poema de Sete Faces pelo ator Paulo Autran.

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Sete Faces: Uma Análise Poética

Primeira Estrofe

Quando nasci, um anjo torto

desses que vivem na sombra

disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

O sujeito inicia sua narrativa com a noção de que está destinado a uma vida de mal-sucedidos, pois foi abençoado por um "anjo torto" ao seu nascimento. Ao longo de toda a existência, esse destino marcado conduziu-o a uma série de falhas e desastres, tornando-o um indivíduo "gauche na vida".

A palavra "gauche" vem do francês e significa "esquerda". Esta expressão é usada para caracterizar alguém como estranho, diferente, indo contra a corrente da maioria.

Ao mencionar seu nome, Carlos, como Drummond, o sujeito revela um aspecto importante que permite uma identificação entre o eu-lírico e o autor, conferindo ao poema um cunho autobiográfico.

Segunda Estrofe

As casas espiam os homens

que correm atrás de mulheres.

A tarde talvez fosse azul,

não houvesse tantos desejos.

A segunda estrofe começa com uma personificação: as casas parecem seres humanos, observando o constante movimento das ruas. O sujeito, de uma posição de alheamento, descreve o que vê.

A procura desesperada do amor, a solidão e o desejo são ilustrados pela expressão "os homens correm atrás das mulheres", que representa também a mudança da cor do céu.

O nosso próprio olhar pode influenciar o que nos é mostrado: se estivermos projetando nossos sentimentos no ambiente urbano, isso pode alterar nossa percepção da paisagem.

Terceira Estrofe

O bonde passa cheio de pernas:

pernas brancas pretas amarelas.

Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.

Porém meus olhos

não perguntam nada.

Na estrofe, o sentimento de isolamento do sujeito aumenta enquanto ele permanece como um observador, como se estivesse sempre à margem das ações.

O eu-lírico faz uso da metonímia ao dizer "um monte de pernas" dentro do bonde. Esta expressão sublinha que há uma grande multidão presente nas ruas, ao redor do bonde.

Sentindo-se angustiado com a vastidão de pessoas ao seu redor, o sujeito se pergunta a Deus para quê tanta gente existe no mundo.

Verso 4

O homem atrás do bigode

é sério, simples e forte.

Quase não conversa.

Tem poucos, raros amigos

o homem atrás dos óculos e do bigode,

Na quarta estrofe, o narrador se olha a si mesmo. Ele se descreve como "sério, simples e forte", um retrato da resiliência típica de um homem adulto.

No entanto, nos versos seguintes, o sujeito revela aquilo que vai mais além daquela aparente imagem de exterioridade. Ele é um indivíduo fechado, introspectivo e bem solitário.

No meio daquela grande cidade, cercado por tantas pessoas, o eu-lírico sente-se cada vez mais abandonado, uma sensação opressiva e crescente.

Estrofe Cinco

Meu Deus, por que me abandonaste

se sabias que eu não era Deus

se sabias que eu era fraco.

Na quinta estrofe do poema, a tristeza, a solidão e o desespero do sujeito atingem o seu ápice. O poeta parece pedir desesperadamente ajuda divina, como se fosse um grito de socorro.

Esta é uma referência bíblica que retrata as palavras de Jesus Cristo, enquanto ele estava sendo crucificado.

A dor que ele sente é perceptível, assim como sua sensação de abandono e solidão. Sem ninguém para orientá-lo, sem ajuda no terreno ou no céu, este indivíduo encontra-se completamente sozinho no mundo.

O eu-lírico retrata a si mesmo como um ser humano limitado e frágil - não é Deus, mas sim uma criatura humana, portanto vulnerável e falível. Esta passagem reforça a sua humanidade.

Verso 6

Mundo mundo vasto mundo,

se eu me chamasse Raimundo

seria uma rima, não seria uma solução.

Mundo mundo vasto mundo,

mais vasto é meu coração.

Ao refletir sobre a extensão do planeta, muitas vezes nos sentimos minúsculos e desprezíveis diante de tudo o mais. Esta constatação nos leva a uma reflexão sobre a própria arte da poesia.

Ao afirmar que "seria uma rima, não seria uma solução", o sujeito deixa claro que escrever poesia não é uma maneira de lidar com os desafios da vida.

Mesmo assim, meditar pode ser uma forma de acessar o seu eu mais profundo. Se você mergulhar fundo dentro de si, seu coração se abre para o infinito e você se conecta com sentimentos até então adormecidos. Ele afirma que, quanto mais profundo for esse mergulho, mais vasto fica o seu coração, talvez porque seja possível sentir mais sentimentos, entender melhor as emoções e prestar atenção às dores que não são mostradas de forma explícita.

É sugerido que, para além do planeta Terra, grande e cheio de gente, existe dentro de cada um um mundo interior, provavelmente infinito e desconhecido para todos os demais.

Sete Estrofes

Eu não devia te dizer

mas essa lua

mas esse conhaque

botam a gente comovido como o diabo.

Nos últimos versos, o eu-lírico expõe sua confissão. A noite é retratada como um período para pensar, vigiar e sentir.

A lua, o álcool e a poesia permitem ao sujeito, que costuma ser tímido, conectar-se com seus sentimentos. Isso o incentivaria a exteriorizar aquilo que realmente sente através das palavras deste poema.

Interpretação do Poema de Sete Faces

A obra de Drummond apresenta o tema de "eu versus o mundo" desde o verso inicial de seu poema emocionante e complexo. Esta temática é ampliada pela possível identificação com o eu-lírico, dando ao poema um tom confessional.

Sendo alguém que nasceu para ser "gauche na vida", o sujeito se sente deslocado e busca o seu lugar no mundo.

Muitas vezes, age como se estivesse distante da realidade, como se não fizesse parte dela, como se estivesse do lado de fora, apenas a observando.

O poema está formado por sete estrofes, apresentando "sete faces" do eu-lírico. Cada versão traz à luz os sentimentos do personagem, mostrando o que ele está experimentando naquele exato momento.

O poema surge como uma forma de expressar as múltiplas e até mesmo contraditórias emoções e estados de espírito. É um desabafo sincero que mostra as complexidades de um indivíduo.

A Vida e Obra de Carlos Drummond de Andrade

Retrato de Carlos Drummond de Andrade.

Considerado o maior poeta brasileiro do século XX, Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) deixou uma marca profunda e influente na literatura do país. Seu nome é inesquecível.

Pensar sobre questões eternas, como a solidão, a memória, a vida em comunidade e as interações humanas, tornaram os versos de seus escritos imortais, conquistando leitores de todas as gerações.

Carolina Marcello
Escrito por Carolina Marcello

Formou-se em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e possui mestrado em Estudos Literários, Culturais e Interartes pela mesma instituição. Durante os estudos universitários, foi co-fundadora do Grupo de Estudos Lusófonos da faculdade e uma das editoras da revista da mesma, que se dedica às literaturas de língua portuguesa.