Belchior - Música Como Nossos Pais


Escrito por Sónia Cunha

Belchior lançou a música Como Nossos Pais em 1976, a qual foi gravada no seu álbum Alucinação. Em seguida, Elis Regina fez uma versão do tema que se tornou amplamente conhecida.

A canção continua a ter um significado profundo, refletindo o contexto histórico e social da época. Como aborda um conflito geracional e a angústia da juventude, ela ainda é popular, mesmo tanto tempo depois.

Ouça abaixo e descubra mais sobre um dos maiores sucessos do cantor Belchior.

Explorando a Música "Como Nossos Pais

Estrofes Um e Dois

Não quero lhe falar

Meu grande amor

Das coisas que aprendi

Nos discos

Quero lhe contar como eu vivi

E tudo o que aconteceu comigo

Viver é melhor que sonhar

Eu sei que o amor

É uma coisa boa

Mas também sei

Que qualquer canto

É menor do que a vida

De qualquer pessoa

Nos primeiros versos, é perceptível que existe um interlocutor para a música. O sujeito da canção está se dirigindo a uma pessoa específica, a quem ela se refere como o seu "grande amor".

Ele quer falar da sua vida, partilhar com alguém as suas experiências. Discutir assuntos reais, não abstratos como sonhos, arte ou música.

No ar há um sentimento de pressa, que vai se tornando mais evidente à medida que a música avança. Na segunda parte, é transmitida a mensagem de que a vida é preciosa, mais importante que tudo o mais.

Versos 3 e 4

Por isso cuidado, meu bem

Há perigo na esquina

Eles venceram e o sinal

Está fechado pra nós

Que somos jovens

Para abraçar seu irmão

E beijar sua menina na rua

É que se fez o seu braço

O seu lábio e a sua voz

A terceira estrofe contém um alerta. Um perigo inesperado ameaça o sujeito, pronto para atacar a qualquer momento – como uma sombra maligna na esquina.

O sujeito e seu interlocutor foram derrotados numa guerra infelizmente perdida. Os inimigos venceram e desde então vêm perseguindo-os. Esta é uma alusão ao regime ditatorial instaurado em 1964 e seus efeitos desastrosos no modo de pensar da população brasileira.

Movimento estudantil na Passeata dos Cem Mil, 1968.

A juventude estava presa no cenário de repressão, como se estivesse num "sinal vermelho". No entanto, mesmo diante desse cenário, os jovens se empenhavam em resistir. A música retrata o sentimento de medo e violência que estava presente, em contraste com o sentimento de afeto e união que os jovens viviam.

Versos 5 e 6

Você me pergunta

Pela minha paixão

Digo que estou encantada

Como uma nova invenção

Eu vou ficar nesta cidade

Não vou voltar pro sertão

Pois vejo vir vindo no vento

Cheiro de nova estação

Eu sinto tudo na ferida viva

Do meu coração

Já faz tempo

Eu vi você na rua

Cabelo ao vento

Gente jovem reunida

Na parede da memória

Essa lembrança

É o quadro que dói mais

O eu-lírico não abre mão de suas esperanças, mesmo diante do caos que o cerca. Ele mantém seu propósito de permanecer na cidade e permanecer longe da terra onde nasceu. Apesar da confusão, ele ainda acredita que um novo tempo está se aproximando.

Apesar da tentativa de ter uma visão otimista, o sujeito não pode conter a tristeza, exclamando que o seu coração é como uma "ferida viva". Recordando momentos de antigamente, divide com outros suas lembranças de um tempo muito distinto, onde tudo era ausência de interferências e alegria.

A ideia de "cabelo ao vento" e "gente jovem reunida" são uma alusão ao movimento hippie, que pediu por "paz e amor". Entretanto, o sentimento de liberdade desse momento de tranquilidade foi interrompido de repente devido à opressão.

Repetindo o Refrão

Minha dor é perceber

Que apesar de termos

Feito tudo o que fizemos

Ainda somos os mesmos

E vivemos

Ainda somos os mesmos

E vivemos

Como os nossos pais

Ao olhar ao seu redor, o sujeito é forçado a aceitar o fracasso. Todos seus esforços parecem ter sido em vão, pois a luta não adiantou. A geração de seus tempos possuía pensamentos revolucionários, mas o Brasil, infelizmente, se manteve estagnado no tempo. O refrão carrega a tristeza desse sentimento.

Os jovens sentiam que a sua era lhes tinha sido retirada e que eram forçados a seguir os mesmos padrões conservadores da geração anterior, sem terem qualquer possibilidade de liberdade.

Estrofe Sete

Nossos ídolos

Ainda são os mesmos

E as aparências

Não enganam não

Você diz que depois deles

Não apareceu mais ninguém

Apesar do tom tristonho dos versos anteriores, a terceira estrofe demonstra que os personagens estão presos ao passado. Com uma realidade sombria no presente, eles seguem viajando através de suas lembranças.

Há uma sensação de desamparo no texto - o sujeito e o interlocutor aparentam estar desorientados, sem direção, completamente sozinhos.

Versos 8 e 9

Você pode até dizer

Que eu tô por fora

Ou então

Que eu tô inventando

Mas é você

Que ama o passado

E que não vê

É você

Que ama o passado

E que não vê

Que o novo sempre vem

No 8° e 9° estrofes, o eu-lírico e o seu amor parecem discordar. O interlocutor já não tem esperanças de que algo possa mudar, enquanto o sujeito, apesar dos temores, mantém uma postura positiva.

Ele tenta manter a esperança, dizendo que "a novidade sempre vem" mesmo diante de tantas dificuldades. Apesar da opressão que enfrenta, ele acredita que a liberdade virá.

Belchior pede que todos que ouvem a sua música não desistam, pois a realidade pode ser transformada.

Decima Estrofe

Hoje eu sei

Que quem me deu a idéia

De uma nova consciência

E juventude

Tá em casa

Guardado por Deus

Contando o vil metal

Na última estrofe, o sujeito olha para trás com desilusão, repensando o percurso de sua geração. Ele critica aqueles que foram seus parceiros de luta, demonstrando a frustração com a trajetória.

A reação do sujeito ao constatar que seus antigos ídolos, tanto os revolucionários quanto os artistas que despertaram sua consciência, foram corrompidos pelo dinheiro, o 'vil metal', foi de profundo rancor.

Explorando o Significado da Música

Um tema que dá voz às gerações jovens privadas da liberdade devido à implantação da ditadura militar no Brasil.

Marcada pela inovação, experimentação e contracultura, a época foi marcada por um estilo de vida que foi devastado pela repressão quando ela chegou.

A perseguição e a censura subjugaram essa juventude, impossibilitando que ela trilhasse seus caminhos e provocando sentimentos de angústia e frustração devido ao retrocesso cultural e social.

Belchior, em Como Nossos Pais, é o porta-voz de um período marcado pelo conflito geracional. Embora os jovens tenham lutado pela liberdade, eles acabaram por se submeter à mesma moral conservadora praticada pela geração anterior.

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Não quero lhe falar

Meu grande amor

Das coisas que aprendi

Nos discos

Quero lhe contar como eu vivi

E tudo o que aconteceu comigo

Viver é melhor que sonhar

Eu sei que o amor

É uma coisa boa

Mas também sei

Que qualquer canto

É menor do que a vida

De qualquer pessoa

Por isso cuidado, meu bem

Há perigo na esquina

Eles venceram e o sinal

Está fechado pra nós

Que somos jovens

Para abraçar seu irmão

E beijar sua menina na rua

É que se fez o seu braço

O seu lábio e a sua voz

Você me pergunta

Pela minha paixão

Digo que estou encantada

Como uma nova invenção

Eu vou ficar nesta cidade

Não vou voltar pro sertão

Pois vejo vir vindo no vento

Cheiro de nova estação

Eu sinto tudo na ferida viva

Do meu coração

Já faz tempo

Eu vi você na rua

Cabelo ao vento

Gente jovem reunida

Na parede da memória

Essa lembrança

É o quadro que dói mais

Minha dor é perceber

Que apesar de termos

Feito tudo o que fizemos

Ainda somos os mesmos

E vivemos

Ainda somos os mesmos

E vivemos

Como os nossos pais

Nossos ídolos

Ainda são os mesmos

E as aparências

Não enganam não

Você diz que depois deles

Não apareceu mais ninguém

Você pode até dizer

Que eu tô por fora

Ou então

Que eu tô inventando

Mas é você

Que ama o passado

E que não vê

É você

Que ama o passado

E que não vê

Que o novo sempre vem

Hoje eu sei

Que quem me deu a idéia

De uma nova consciência

E juventude

Tá em casa

Guardado por Deus

Contando o vil metal

Elis Regina e outras interpretações

Em 1975, a música de Belchior foi lançada e logo Elis Regina gravou sua versão para o álbum Falso Brilhante.

A cantora brasileira é considerada uma das maiores de todos os tempos, e tornou "Como Nossos Pais" num dos maiores hinos da resistência.

Reviva a performance da artista:

A música é parte integrante da história e, mesmo assim, continua sendo popular e se mantendo em evidência entre as novas gerações, recebendo o devido reconhecimento.

Muitos anos após Elis ter lançado o seu grande êxito, Maria Rita, sua filha, regravou a mesma música. Além disso, Pitty, cantora conhecida pela sua forte crítica social, também fez a sua versão.

Assistindo 'Como Nossos Pais' (2017)

O filme de Laís Bodanzky, lançado em 2017, foi intitulado inspirado na música de Belchior. A trama segue a história de Rosa e seus pais, cujos estilos de vida são opostos e ocasionam inúmeras tensões entre eles.

A Vida e a Obra de Belchior

Nascido em 26 de outubro de 1946, Antonio Carlos Belchior era um cantor, compositor e artista plástico brasileiro. Infelizmente, o artista nos deixou em 30 de abril de 2017.

Ernani do Nascimento é unanimemente considerado um dos principais nomes da Música Popular Brasileira. Em 1976, lançou o seu álbum Alucinação, que foi visto como um marco revolucionário da música nacional.

A canção Como Nossos Pais, que faz parte do disco, tornou-se um símbolo da dor de uma geração inteira.

Belchior por Ivana Mascarenhas

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Sónia Cunha
Escrito por Sónia Cunha

É licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003) e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006). Ao longo da carreira profissional, exerceu vários cargos em diferentes áreas, como técnico superior de Conservação e Restauro, assistente a tempo parcial na UPT e professora de História do 3º ciclo e ensino secundário. A arte e as letras sempre foram a sua grande paixão.