Resumo e Análise do Livro Clara dos Anjos


Escrito por Sónia Cunha

Em seu romance Clara dos Anjos, Lima Barreto aborda temas sensíveis como o preconceito racial, a pressão social para o casamento e o papel desempenhado pelas mulheres no Rio de Janeiro no início do século XX.

O último livro escrito por Lima Barreto foi Clara dos Anjos, concluído em 1922 - ano de sua morte. Porém, o romance, que leva o nome da sua protagonista, só foi publicado postumamente em 1948.

A obra está situada no pré-modernismo literário.

Revisão de Resumo

Clara dos Anjos é narrada em terceira pessoa por um narrador onisciente, que por vezes intervém na trama. O tema central da obra é o racismo e o lugar da mulher na sociedade carioca no início do século XX.

Clara, a personagem principal da história, tem dezessete anos e mora nos subúrbios do Rio de Janeiro. Apesar de viver em condições adversas, a jovem mulata, filha de um carteiro e de uma dona de casa, sempre contou com o carinho e a educação dos pais.

Numa casa modesta, situada no subúrbio fluminense, viviam todos juntos. O cenário urbano nessa vizinhança não era muito próspero, conforme descrito com “casas, casinhas, casebres, barracões e choças”. Era um ambiente humilde.

Clara era a única filha do casal que sobreviveu; os outros irmãos dela, infelizmente, faleceram e pouco se sabe sobre o destino deles.

um cruzeiro pelo Caribe. Naquele domingo, durante uma reunião entre amigos, Lafões, parceiro do pai de Clara, sugeriu uma comemoração inusitada para o aniversário da garota: um cruzeiro pelo Caribe. Assim, a vida de Clara mudou de forma abrupta.

—A bênção, meu padrinho; bom dia, seu Lafões.

Eles respondiam e punham-se a pilheriar com Clara.

Dizia Marramaque:

—Então, minha afilhada, quando se casa?

—Nem penso nisso — respondia ela, fazendo um trejeito faceiro.

—Qual! — observa Lafões. — A menina já tem algum de olho. Olhe, no dia dos seus anos... É verdade, Joaquim: uma coisa.

O carteiro descansou a xícara e perguntou:

—O que é?

—Queria pedir a você autorização para cá trazer, no dia dos anos, aqui da menina, um mestre do violão e da modinha.

Clara não se conteve e perguntou apressada: —Quem é?

Lafões respondeu:

—É o Cassi. A menina...

Lafões sugeriu Cassi, o músico, para dar vida à família. Conhecido por seduzir mulheres, o seu currículo amoroso incluía dez defloramentos e a sedução de inúmeras mulheres casadas.

A fama do rapaz já era notória nos jornais, nas delegacias e entre os cirurgiões. Suas vítimas, quase sempre pobres e indefesas, eram mulheres negras ou mestiças. Sua mãe, porém, sempre esteve ao seu lado, defendendo-o com fervor de todas as acusações.

Quando Lafões conheceu Cassi na prisão, o primeiro havia se envolvido numa confusão num botequim e os motivos da detenção de Cassi eram outros: ele havia se relacionado com uma mulher casada e, quando descoberto pelo marido, foi perseguido com uma arma. Porém, com todo o seu conhecimento, Cassi conseguiu libertar Lafões.

Contrariamente a Cassi, Clara era extremamente tímida e recatada. Raramente saía de casa e preferia passar o tempo com seus pais.

"Seja cuidadosa, eles podem ser tentação" No dia da festa de aniversário da jovem, havia muitos amigos reunidos, todos esperando a grande noite de baile. Uma das colegas dela chegou a alertá-la: “Cuidado, eles podem ser tentadores”.

—Clara, toma cuidado. Este homem não presta.

Não appena Cassi fez entrada no salão, fez com que todas as senhoras que ali se encontravam se alegrassem. Lafões apresentou o rapaz aos anfitriões e à pessoa que estava celebrando o aniversário e, de imediato, ele se interessou pela jovem.

Percebendo o intenso interesse do rapaz por sua filha, a mãe de Cassi pediu ao seu marido que não voltasse a trazer o jovem à residência. Joaquim prometeu prontamente que nunca mais permitiria que ele entrasse em seu lar.

Os pais da menina adotaram um estilo super-protetor para criá-la, principalmente a mãe. No entanto, isso resultou num destino trágico para ela. Clara era praticamente reclusa, vivendo sem qualquer contato social ou relações, logo carecia de qualquer experiência com o mundo. Desse modo, era vulnerável a ser manipulada por qualquer pessoa.

Clara não tinha consciência do preconceito existente devido à sua cor de pele. Naquela época, na região suburbana do Rio de Janeiro, mulheres negras não eram permitidas a casar com um homem branco e formar uma família.

Cassi foi se aproximando gradualmente da moça. Um dia, apareceu na casa da família, dizendo que havia ido visitar um amigo e acabou passando ali. Também enviou cartas à jovem. Por fim, ela cedeu aos encantos do rapaz.

Ao se dar conta da situação, o padrinho de Clara decidiu agir para proteger a afilhada, mas, infelizmente, acabou sendo assassinado por Cassi e um companheiro.

Cassi assume a responsabilidade pelo crime e argui que foi um ato de amor. Clara, frágil e enganada pela promessa de um amor verdadeiro, acaba por se render às suas instigações.

Com a notícia da gravidez, Cassi, sumiu sem deixar rastros. Clara, sem saber o que fazer, aceitou o conselho da mãe, Engrácia, e dirigiu-se à mãe do rapaz, antes de tomar qualquer decisão relacionada ao aborto.

Quando foi recebida por Salustiana, a jovem ficou surpresa ao ser maltratada e humilhada por causa de sua cor de pele e de sua condição social. Como acontecera em outras ocasiões, a mãe do rapaz veio em defesa do filho, acusando quase que imediatamente a jovem.

—Ora, vejam vocês, só! É possível? É possível admitir-se meu filho casado com esta... As filhas intervieram:

—Que é isto, mamãe?

A velha continuou:

—Casado com gente dessa laia... Qual!... Que diria meu avô, Lord Jones, que foi cônsul da Inglaterra em Santa Catarina — que diria ele, se visse tal vergonha? Qual!

Parou um pouco de falar; e, após instantes, aduziu:

—Engraçado, essas sujeitas! Queixam-se de que abusaram delas... É sempre a mesma cantiga... Por acaso, meu filho as amarra, as amordaça, as ameaça com faca e revólver? Não. A culpa é delas, só delas...

A mãe de Cassi expressou marcas evidentes de preconceito e discriminação racial e social.

Ao ouvir o duro discurso de Salustiana, Clara se tornou consciente de sua condição social de opressão como mulher mestiça e pobre. Ela soltou um desabafo final à sua mãe que foi incluído na última página do livro.

Num dado momento, Clara ergueu-se da cadeira em que se sentara e abraçou muito fortemente sua mãe, dizendo, com um grande acento de desespero:

—Mamãe! Mamãe!

—Que é minha filha?

—Nós não somos nada nesta vida.

O livro Clara dos Anjos trata de temas polêmicos, típicos do período em que foi escrito. Embora apresente algum humor, os assuntos abordados são bem sérios.

Principais Personagens

A Vida de Clara

Com apenas dezessete anos, a jovem mulata, frágil e pobre era intensamente protegida por seus pais, o casal Joaquim dos Anjos e Eugrácia. Infelizmente, o destino deu um rumo trágico para ela após conhecer Cassi.

O Joaquim dos Anjos

Joaquim dos Anjos, um carteiro de origem humilde, casado com Engrácia e pai de Clara, mostrava seu entusiasmo por violão e modinhas ao compor suas valsas, tangos e acompanhamentos.

A Engraçada História de Engrácia

Há mais de vinte anos, Dona de Casa é esposa de Joaquim e uma devota seguidora da religião católica. Ela possui um estilo de vida mais sedentário e tem grande dedicação à vida familiar, principalmente à filha, Clara.

A Vida de Antônio da Silva Marramaque

Ele era o padrinho de Clara, companheiro inseparável de Joaquim e um grande amigo. Apesar da semi-alegia e paralisia no lado esquerdo, possuía um intenso interesse por discussões de política e literatura. Em prol de sua afilhada, ele lutou incansavelmente até o fim, e acabou perdendo a vida.

Azevedo: Cassi Jones

Cassi, cujo pai é o ilegítimo Manuel Borges de Azevedo e Salustiana Baeta de Azevedo, é um violeiro, com pouco menos de 30 anos, homem branco. Ele toca no aniversário de Clara e tem fama de um malandro que não consegue resistir ao encanto feminino, tendo inúmeras conquistas. Clara também não resiste ao seu charme e acaba se apaixonando por ele.

A Vida de Salustiana Baeta de Azevedo

Cassi Jones, extremamente vaidosa, sempre foi a fã número um do filho e contribuiu para que ele tivesse uma auto-estima inabalável. Além disso, ela também acobertava os casos amorosos e as confusões pessoais que ele armava. Contudo, se mostrou preconceituosa e racista ao não aceitar que o herdeiro se casasse com quem ela considerasse um mau partido.

Quer saber mais? Veja

Quadrinhos Adaptados

Marcelo Lelis e Wander Antunes adaptaram o romance Clara dos Anjos para os quadrinhos em 2011, tendo sua obra reconhecida com o Troféu HQ Mix de 2012 na categoria Adaptação para os quadrinhos.

Adaptação para os quadrinhos do romance de Lima Barreto.

História do Contexto

No início do século XX, o Rio de Janeiro tinha graves problemas sociais e de saúde pública.

O racismo e a misoginia eram elementos marcantes na sociedade brasileira, principalmente no cenário carioca. Esta realidade se reflete na obra de Lima Barreto, notadamente na personagem Clara dos Anjos, que deixa clara a presença do preconceito racial e de como as mulheres eram discriminadas.

Ao ouvir a pergunta de Dona Salustiana, não se pôde conter e respondeu como fora de si:

- Que se case comigo.

Dona Salustiana ficou lívida; a intervenção da mulatinha a exasperou. Olhou-a cheia de malvadez e indignação, demorando o olhar propositadamente. Por fim, expectorou:

- Que é que você diz, sua negra?

Durante o período, a chegada da febre amarela e as doenças provenientes da ausência de saneamento básico se tornaram comuns nos cortiços. O romance mostra o quanto o bairro onde a família vivia, no interior do Rio de Janeiro, era marcado pelas condições de miséria: ruas não asfaltadas, inundações frequentes e falta de saneamento básico.

A rua em que estava situada a sua casa se desenvolvia no plano e, quando chovia, encharcava e ficava que nem um pântano; entretanto, era povoada e se fazia caminho obrigado das margens da Central para a longínqua e habitada freguesia de Inhaúma. Carroções, carros, autocaminhões que, quase diariamente, andam por aquelas bandas a suprir os retalhistas de gêneros que os atacadistas lhes fornecem, percorriam-na do começo ao fim, indicando que tal via pública devia merecer mais atenção da edilidade.

Oswaldo Cruz liderou a vacinação forçada na cidade, o que causa uma polêmica marcante na história. Sua ação desencadeou a Revolta da Vacina, ocorrida em 1904.

Enquanto obras de grande porte eram finalizadas, como o Teatro Municipal do Rio de Janeiro e a Biblioteca Nacional, situados no Centro, a estrutura urbana sofria modificações significativas. Pereira Passos conduzia a construção da Vista Chinesa, na Tijuca, e da Avenida Atlântica, em Copacabana. A Igreja da Candelária também foi concluída nessa época.

Durante o mesmo período, a Igreja de São Joaquim foi demolida para abrir espaço à Avenida Marechal Floriano, que buscava reproduzir o estilo belle epoque parisiense. Esta força do Centro faz parte das ruas descritas no romance de Lima Barreto, em que retrata o seu impacto sobre a cidade.

Vestia-se seriamente, segundo as modas da Rua do Ouvidor; mas, pelo apuro forçado e o degagé suburbanos, as suas roupas chamavam a atenção dos outros, que teimavam em descobrir aquele aperfeiçoadíssimo "Brandão", das margens da Central, que lhe talhava as roupas.

Em 1912, o Rio de Janeiro se tornou um dos maiores cartões postais do mundo com a inauguração do bondinho do Pão de Açúcar. Oitos anos depois, no ano de 1920, a cidade ganhou destaque na área da educação com a criação da Universidade do Rio de Janeiro, a primeira universidade do país.

O ano seguinte foi marcado por grandes obras. Os engenheiros derrubaram o morro do Castelo, argumentando que prejudicava a circulação de ar na região. Com a terra adquirida, iniciaram obras que consideravam fundamentais para a cidade, como o Aeroporto Santos Dumont e a Praça Paris. A narrativa de Clara dos Anjos leva o leitor a um passeio pelas ruas do Rio de Janeiro, ao longo das páginas.

Cassi Jones, sem mais percalços, se viu lançado em pleno Campo de Sant'Ana, no meio da multidão que jorrava das portas da Central, cheia da honesta pressa de quem vai trabalhar. A sua sensação era que estava numa cidade estranha. No subúrbio tinha os seus ódios e os seus amores; no subúrbio tinha os seus companheiros, e a sua fama de violeiro percorria todo ele, e, em qualquer parte, era apontado; no subúrbio, enfim, ele tinha personalidade, era bem Cassi Jones de Azevedo; mas, ali, sobretudo do Campo de Sant'Ana para baixo, o que era ele? Não era nada. Onde acabavam os trilhos da Central, acabava a sua fama e o seu valimento; a sua fanfarronice evaporava-se, e representava-se a si mesmo como esmagado por aqueles "caras" todos, que nem o olhavam. Fosse no Riachuelo, fosse na Piedade, fosse em Rio das Pedras, sempre encontrava um conhecido, pelo menos, simplesmente de vista; mas, no meio da cidade, se topava com uma cara já vista, num grupo da Rua do Ouvidor ou da avenida, era de um suburbano que não lhe merecia nenhuma importância. Como é que ali, naquelas ruas elegantes, tal tipo, tão mal-vestido, era festejado, enquanto ele, Cassi, passava despercebido?

Testemunhando profundas mudanças sociais e arquitetônicas no Rio de Janeiro, Lima Barreto foi uma fonte de inspiração para Clara dos Anjos, que usou a cidade como pano de fundo em suas obras.

Capa da primeira edição de Clara dos Anjos.

Frontispício da primeira edição de Clara dos Anjos.

Leia por Inteiro

Sónia Cunha
Escrito por Sónia Cunha

É licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003) e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006). Ao longo da carreira profissional, exerceu vários cargos em diferentes áreas, como técnico superior de Conservação e Restauro, assistente a tempo parcial na UPT e professora de História do 3º ciclo e ensino secundário. A arte e as letras sempre foram a sua grande paixão.