Resumo e Análise do Auto da Compadecida


Escrito por Rebeca Fuks

Ariano Suassuna foi um importante escritor brasileiro, cuja obra-prima, Auto da Compadecida, foi apresentada pela primeira vez em 1956, no Teatro Santa Isabel. Esta peça única, dividida em três atos, tem como cenário o sertão nordestino. Além de ser uma das primeiras produções teatrais a explorar a tradição popular, Auto da Compadecida é até hoje considerada uma das obras mais importantes do teatro brasileiro.

Com humor marcante, a história ganhou um número maior de fãs quando foi adaptada para a televisão em 1999 (uma minissérie da TV Globo), seguida de uma versão cinematográfica lançada no ano seguinte.

A história de João Grilo e Chicó é tão conhecida que faz parte do imaginário coletivo brasileiro. Ela retrata com perfeição a vida de quem luta para se manter em um ambiente hostil e difícil.

Síntese

João Grilo e Chicó são figuras icônicas que enfrentam as adversidades do sertão nordestino. Eles lutam para sobreviver num cenário hostil e miserável, onde a violência, a pobreza e a escassez de recursos são constantes. A inteligência e a esperteza são armas essenciais para os dois amigos, que são inseparáveis e protagonizarão juntos uma história de empreendedorismo e superação.

Atenção! Este artigo contém spoilers. Atenção! Neste artigo estão contidos spoilers.

O Funeral do Cão

Ao falecer o cão da mulher do padeiro, ela ficou devastada. Por muito tempo, ela tentou convencer o padre a abençoar o seu amado animal, mas infelizmente sem sucesso.

João Grilo e Chicó, os dois espertos funcionários da padaria do marido de alguém, embarcaram no desafio de tentar interceder ao padre em prol do cão. Infelizmente, não houve sucesso e o cachorro morreu sem ser abençoado, muito para a tristeza da dona.

Funeral do Animal

A bela senhora, convicta de que era fundamental sepultar o animal com pompa e solenidade, pediu novamente ajuda aos astutos João Grilo e Chicó para tentar convencer o padre a celebrar o velório.

João Grilo, astuto como sempre, comentou com o padre que o cão havia deixado um testamento que garantia dez contos de reis para ele e três contos de reis para o sacristão se o enterro fosse realizado em latim.

Após alguma hesitação, o padre acabou aceitando o negócio com João Grilo visando o lucro que receberia. No entanto, o que ele nunca esperava é que o bispo surgisse no meio da transação.

O bispo ficou perplexo com o que viu – um padre realizando um velório em latim para um cão. Sem saber como lidar com a situação, João Grilo explicou que o testamento havia prometido seis contos para a arquidiocese e quatro para a paróquia. Esta promessa de dinheiro pareceu suficiente para convencer o bispo a aceitar a situação inusitada.

Severino e sua Turma chegam

Meio caminho pela realização do negócio, a cidade é tomada pela perigosa gangue liderada por Severino, o cangaceiro. Seu bando mata praticamente todos os habitantes da cidade: o bispo, o padre, o sacristão, o padeiro e a mulher.

Com medo de perder a vida, João Grilo e Chicó tentaram uma última estratégia para escapar: eles mentiram dizendo aos membros do bando que tinham uma gaita mágica benzida pelo Padrinho Padre Cícero que seria capaz de trazer de volta à vida os mortos. Se eles pudessem levar o objeto sagrado, os homens do bando prometeram deixá-los viver.

Chicó trazia um saco escondido, contendo sangue. Ao encenar que daria uma facada em João, o saco se rompeu, surpreendendo os cangaceiros. Os dois, então, fizeram uma demonstração para comprovar o que havia acontecido.

O bando suspeitava que o sujeito tivesse falecido, mas quando João começou a tocar a gaita, Chicó parecia ter voltado à vida.

O Juízo Final de João Grilo, o Pobre

Ao término do truque da gaita benta, João Grilo acaba por ser ultimado pelos cangaceiros. Contudo, ao chegarem ao céu, todos os personagens se reúnem. Na hora do Juízo Final, Nossa Senhora intercede a favor de cada um deles.

Aqueles considerados com difícil salvação - o padre, o bispo, o sacristão, o padeiro e a sua mulher - estão destinados ao purgatório.

A surpresa é notável quando os religiosos são levados diretamente ao purgatório enquanto Severino e seu cúmplice, supostamente criminosos, são enviados para o paraíso. Nossa Senhora defende a posição de que os capangas eram, na verdade, bons, mas foram corrompidos pelo sistema.

Após obter a graça de voltar ao seu próprio corpo, João Grilo desperta e descobre que Chicó, seu melhor amigo, estava se preparando para o seu enterro. Quando descobrem que o milagre realmente aconteceu, Chicó lembra-se da promessa que havia feito à Nossa Senhora de entregar todo o seu dinheiro à Igreja se João Grilo sobrevivesse. Após algumas hesitações, os dois amigos seguem com a doação que haviam prometido.

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Examinando a Análise

Utilização da Linguagem

A peça Auto da Compadecida, de Suassuna, é profundamente marcada por sua linguagem oral. Seu estilo regionalista busca replicar de maneira precisa a forma de falar dos nordestinos.

JOÃO GRILO: Ó homem sem vergonha! Você inda pergunta? Está esquecido de que ela o deixou?

Os personagens exibem um dialeto comum, similar àquele presente no nordeste brasileiro, mas ainda assim possuem um discurso único e distinto.

É preciso lembrar que o autor investe em alguns elementos para criar veracidade à narrativa. Utiliza-se objetos próprios da cultura nordestina, além de figurinos e cenários que remetem ao sertão, o que contribui para que o espectador se sinta imerso na história.

A Corrupção causada pelo Dinheiro

No texto de Ariano Suassuna, observamos como todos os personagens são influenciados negativamente pelo dinheiro, inclusive aqueles que não deveriam estar ligados à materialidade (tais como os religiosos).

Lembrar-se do comportamento do padre, que aceitou o suborno da mulher do padeiro para que ele realizasse um enterro para o cão e, ainda, recitasse uma missa, em latim, para homenageá-lo, é algo notável.

JOÃO GRILO: Esse era um cachorro inteligente. Antes de morrer, olhava para a torre da igreja toda vez que o sino batia. Nesses últimos tempos, já doente para morrer, botava uns olhos bem compridos para os lados daqui, latindo na maior tristeza. Até que meu patrão entendeu, com a minha patroa, é claro, que ele queria ser abençoado pelo padre e morrer como cristão. Mas nem assim ele sossegou. Foi preciso que o patrão prometesse que vinha encomendar a bênção e que, no caso de ele morrer, teria um enterro em latim. Que em troca do enterro acrescentaria no testamento dele dez contos de réis para o padre e três para o sacristão.

SACRISTÃO, enxugando uma lágrima: Que animal inteligente! Que sentimento nobre! (Calculista.) E o testamento? Onde está?

O padre, o sacristão e o bispo revelaram-se vulneráveis à influência do dinheiro.

Explorando a Inteligência como a Chave para o Futuro

Através da história, Chicó e João Grilo enfrentam uma dura realidade de estiagem, fome e opressão.

Em meio à carestia, o único recurso que os personagens têm à sua disposição é a inteligência.

Noutro trecho da cena do julgamento, quando João Grilo procura recorrer a mais uma esperteza, para livrar-se da acusação do diabo, Cristo o adverte: “Deixe de chicana, João. Você pensa que isto aqui é o Palácio da Justiça?”

Chicó e João Grilo não têm muita experiência de trabalho, nem grandes recursos financeiros, mas possuem uma grande inteligência e astúcia para usar à sua vantagem. Eles sabem observar a situação e encontrar formas de se beneficiar dela.

Análise Crítica do Sistema

A indignação provocada pela opressão dos coronéis, autoridades religiosas, donos das terras e cangaceiros é retratada na peça a partir do ponto de vista dos personagens mais humildes. Estes, por sua vez, despertam uma imediata identificação por parte do espectador.

JOÃO GRILO: Está esquecido da exploração que eles fazem conosco naquela padaria do inferno? Pensam que são o cão só porque enriqueceram, mas um dia hão de me pagar. E a raiva que eu tenho é porque quando estava doente, me acabando em cima de uma cama, via passar o prato de comida que ela mandava para o cachorro. Até carne passada na manteiga tinha. Para mim, nada, João Grilo que se danasse. Um dia eu me vingo.

As entidades católicas (representadas por padre e bispo) que eram responsáveis por proteger os mais vulneráveis acabam por mostrar pertencer ao mesmo sistema corrompido, sendo, assim, igualmente satirizados aos outros ricos e poderosos.

A Alegria do Humor

A triste e cruel realidade nordestina é o tema principal da obra de Suassuna, que aborda-o de forma sátira através dos personagens João Grilo e Chicó. A escrita é caracterizada pela leveza, incorporando elementos de humor que permitem que o leitor não se sinta desanimado.

Neste texto, encontramos referências aos famosos "causos", que são contos míticos que ainda permanecem vivos na consciência coletiva. Esses relatos passaram de geração em geração, como histórias lendárias e intrigantes.

CHICÓ: Bom, eu digo assim porque sei como esse povo é cheio de coisas, mas não é nada de mais. Eu mesmo já tive um cavalo bento. (...)

JOÃO GRILO: Quando você teve o bicho? E foi você quem pariu o cavalo, Chico?

CHICÓ: Eu não. Mas do jeito que as coisas vão, não me admiro mais de nada. No mês passado uma mulher teve um, na serra do Araripe, para os lados do Ceará.

O escritor conta com uma linguagem quase brincalhona e espontânea que encanta o público. Sua construção de personagens, muitas vezes caricaturais, adiciona ainda mais graça a sua obra, tornando-a ainda mais divertida.

Principais Personagens

A Trajetória de João Grilo

João Grilo, melhor amigo de Chicó, representa aqueles que vivem no Nordeste e lidam com momentos difíceis utilizando-se da malandragem e do improviso para superar as adversidades. Sua figura, apesar de pobre e miserável, demonstra a esperteza necessária para contornar as situações difíceis da vida.

A Magia de Chicó

Chicó é o amigo inseparável de João Grilo, que o acompanha em todas as aventuras e tenta escapar da trágica realidade diária através do humor. É mais tímido do que o seu parceiro e tem medo quando os dois se veem envoltos nas mentiras de João Grilo. É o típico sabido, forçado a usar a sua imaginação para conseguir sobreviver.

O Ofício de Padeiro

O padeiro é proprietário da padaria localizada na região de Taperoá e é também o patrão de Chicó e João Grilo. Na sua vida pessoal, é um típico representante da classe média, que tenta se sustentar, às vezes explorando os mais pobres. Também é apaixonado por uma mulher infiel.

A Esposa do Padeiro

A mulher do padeiro é um símbolo da hipocrisia social: aparentando ser uma puritana e muito respeitável, socialmente, ela é infiel. O amor que sente por seu cão é ainda maior do que pelas pessoas, tratando-o com o máximo carinho e atenção.

O Pároco João

Considerado como sendo o comandante da paróquia local, o padre João se posicionava como alguém religioso, despojado de todas as ambições financeiras. Porém, a ironia do destino mostrou que, assim como qualquer outro ser humano, ele também era vulnerável às tentações da ganância e da cobiça, os quais são os pecados capitais condenados pela Igreja.

Um Bispo

Quando o Bispo descobre o velório do cão, tenta punir o padre. No entanto, ele também cai no erro de aceitar a propina oferecida. Isso mostra que ele é tão fácil de ser comprado quanto o padre, e é igualmente mesquinho.

O Cangaceiro Severino

Severino é o chefe de um bando temido por todos na região. Ele caiu no mundo do crime por falta de oportunidades, assim como muitas outras pessoas que não possuem oportunidades de melhorar sua situação, acabam se envolvendo com atividades violentas. Ele é o representante de todos esses indivíduos que buscam melhores condições de vida, mas se veem compelidos a seguir um caminho de destruição.

A Virgem Maria

Nossa Senhora é profundamente compassiva durante o julgamento final e seu discurso é tão eloqüente que é difícil de imaginar. Ela apela para os argumentos racionais e lógicos para defender o Cangaceiro Severino, tentando assim levar todos à salvação e ao paraíso.

A respeito da peça

Auto da Compadecida, uma peça teatral de tema nordestino, foi escrita em 1955 e levada ao público em 1956. Ela é dividida em três atos.

Em 1957, o Auto da Compadecida se tornou aclamado ao ser destaque no 1º Festival de Amadores Nacionais, realizado no Rio de Janeiro. A peça encantou o grande público presente.

Em 1999, a história foi adaptada para a televisão e, em 2000, se tornou um longa-metragem.

Séries Televisivas

No ano de 1998, o livro de Ariano Suassuna foi adaptado pela Rede Globo de Televisão para uma minissérie de 4 capítulos, que foram exibidos entre 5 de janeiro e 8 de janeiro.

Com resultados impressionantes junto ao público, a realização decidiu avançar com o projeto de produzir um longa-metragem, que deu origem ao filme O Auto da Compadecida, dirigido por Guel Arraes.

Assista ao Filme O Auto da Compadecida

Guel Arraes dirigiu a adaptação para o cinema do clássico de Ariano Suassuna, que foi escrita em conjunto por Adriana Falcão, João Falcão e o próprio Arraes, e realizada pela Globo Filmes em 2000.

Com um elenco de peso, o longa de 1h35min de duração exibe o trabalho de atores como Matheus Nachtergaele, Selton Mello, Denise Fraga, Marco Nanini, Lima Duarte e Fernanda Montenegro.

O longa teve como locação a cidade de Cabaceiras, no sertão paraibano e foi extremamente bem recebido pelo público, com mais de dois milhões de espectadores brasileiros comparecendo aos cinemas.

Melhor Filme e Melhor Ator. O filme Auto da Compadecida foi extremamente bem recebido pela crítica e levou para casa dois importantes prêmios no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro de 2001: Melhor Filme e Melhor Ator.

  • (Barraco)
  • Melhor Diretor: Guel Arraes
  • Melhor Ator: Matheus Nachtergaele
  • Melhor Roteiro: Adriana Falcão, João Falcão e Guel Arraes
  • Melhor Lançamento: Barraca

Veja o trailer!

A Vida e a Obra de Ariano Suassuna

Nascido em Nossa Senhora das Neves (atualmente João Pessoa, Paraíba) em 16 de Junho de 1927, Ariano Vilar Suassuna, mais conhecido como Ariano Suassuna, era filho do político João Suassuna e de Cássia Villar.

Em 1942, após o trágico assassinato de seu pai, Ariano deixou o Rio de Janeiro para se mudar para o Recife. Uma vez lá, ele matriculou-se no ensino secundário e posteriormente ingressou em um curso de Direito.

Em 1947, Suassuana escreveu sua primeira peça, intitulada Uma mulher vestida de sol. No ano seguinte, 1948, a escritora criou Cantam as harpas de Sião ou O despertar da princesa. Foi nessa ocasião que ela pôde assistir pela primeira vez a uma encenação de seu trabalho, organizada pelos membros do Teatro do Estudante de Pernambuco.

Em 1950, recebeu o seu primeiro Prêmio Martins Pena por seu Auto de João da Cruz. Seis anos depois, tornou-se professor de Estética da Universidade Federal de Pernambuco, onde lecionou por muitas décadas, até se aposentar em 1994.

. Ao longo de sua carreira no teatro e na literatura, seu trabalho foi extremamente produtivo. Peças e livros foram publicados em abundância. Infelizmente, João Cabral de Melo Neto faleceu aos 87 anos, no dia 23 de julho de 2014.

Suassuna

Ariano Suassuna: Obras Literárias

Teatro de Peças

  • Uma Mulher Vestida de Sol (1947)
  • Cantam as Harpas de Sião (1948)
  • Os Homens de Barro (1949)
  • Auto de João da Cruz (1950)
  • Torturas de um Coração (1951)
  • O Arco Desolado (1952)
  • O Castigo da Soberba (1953)
  • O Rico Avarento (1954)
  • Auto da Compadecida (1955)
  • O Casamento Suspeitoso (1957)
  • O Santo e a Porca (1957)
  • O Homem da Vaca e o Poder da Fortuna (1958)
  • O Desertor de Princesa (1958)
  • A Pena e a Lei (1959)
  • Farsa da Boa Preguiça (1960)
  • A Caseira e a Catarina (1962)
  • As Conchambranças de Quaderna (1987)
  • Waldemar de Oliveira (1988)
  • A História de Amor de Romeu e Julieta (1997)

A Magia da Ficção

  • Fernando e Isaura (1956)
  • Romance de A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1971)
  • As Infâncias de Quaderna (Folhetim semanal no Diário de Pernambuco, 1976-77)
  • O Rei Degolado nas Caatingas do Sertão / Ao Sol da Onça Caetana (1977)
Rebeca Fuks
Escrito por Rebeca Fuks

É graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), possui mestrado em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutorado em Estudos de Cultura pelas Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).