As Cinco Obras Mais Notáveis de Graciliano Ramos


Escrito por Rebeca Fuks

Graciliano Ramos é reconhecido por suas obras que revelam uma carga social significativa. O escritor brasileiro faz parte da segunda geração do modernismo brasileiro e suas produções literárias abrange o período histórico do país, retratando os seus desafios e paradoxos.

Graciliano expressou com perfeição a seca nordestina, os sentimentos dos explorados e as mudanças sociais e econômicas que aconteciam no início do século XX através de um estilo de escrita claro, objetivo e com profunda reflexão.

Este escritor tem sido celebrado e reconhecido como um dos maiores da literatura brasileira devido a vários fatores.

1. Secas Vidas: 1938

Considerado uma obra-prima, Vidas Secas foi publicado em 1938. Esta narrativa traz a história de uma família de retirantes que foge das terríveis consequências da seca que afeta o Nordeste brasileiro.

ilustrações de Aldemir Martins para o livro Vidas Secas

Acompanhamos a família de Fabiano e Sinhá Vitória, que consiste em si mesmos, seus dois filhos e sua cadela Baleia. O mais velho dos filhos é conhecido como o "Menino Mais Velho" e o mais novo como o "Menino Mais Novo".

Personagens extremamente simples se dirigem à partir do lugar de origem em busca de oportunidades.

Durante a viagem, tropeçaram em uma cabana simples, situada em uma fazenda. O local era, na verdade, propriedade de alguém, e eles tiveram que trabalhar arduamente para poderem se manter lá. Porém, o proprietário se aproveitou da ingenuidade e desespero desses trabalhadores em busca de sobrevivência para explorá-los.

Avaliação e Discussão

Graciliano expõe, por meio de Vidas Secas, as desigualdades sociais que flagelam toda a população: a falta de políticas públicas, a exploração advinda do sistema capitalista e a violência policial. A representação dessas últimas, é notória na figura do Soldado Amarelo, com quem Fabiano se envolve em uma confusão e acaba preso.

"O Mundo Coberto de Penas" recebeu esse título e é classificado como um romance, mas seus capítulos foram escritos como contos, permitindo que os leitores possam ler fora da sequência original.

O primeiro e o último capítulo estão intimamente conectados, pois mostram uma narrativa circular, com a família voltando à mesma condição de partida: a fuga da seca.

2. A Angústia de 1936

Em 1936, quando Graciliano estava preso durante o governo de Getúlio Vargas, o seu romance Angústia foi publicado.

O protagonista Luís da Silva detém a voz narrativa em primeira pessoa da obra, enquanto entrelaça seus pensamentos, recordações e reflexões à narrativa.

Nascido em Maceió em uma família de grandes posses, o personagem/narrador teve uma infância de conforto. No entanto, com a morte do pai, os credores tomaram posse do patrimônio da família para saldar as dívidas deixadas e, assim, o jovem cresceu numa situação financeira difícil.

Mesmo com sua educação tão aprimorada, Luís conseguiu um trabalho em um jornal ligado ao governo, sendo assim um funcionário público.

A vida de Luís era simples e desprovida de regalias. Ao ganhar seu salário, ele contava cada centavo e, com muita dificuldade, conseguia juntar algum dinheiro para a sua pequena poupança.

Ele se apaixonou perdidamente por Marina, uma bela jovem. Em seguida, ele pediu a mão dela em casamento e lhe deu todas as suas economias para que ela comprasse o enxoval. Infelizmente, Marina usou esse dinheiro em itens completamente supérfluos.

Depois de descobrir que a noiva dele, tinha se envolvido com Julião Tavares - seu colega do jornal, Luís resolveu pôr um ponto final no relacionamento. Naquela altura, ele já se encontrava sem nenhuma quantia em dinheiro e além disso, com algumas dívidas.

Marina e seu colega se afastam, mas não para o infortúnio do protagoniste, que desenvolve uma obsessão pela moça e decide se vingar do colega.

Luís da Silva vê-se assolado pelo ressentimento que o leva a cometer o assassinato de Julião. A partir dessa decisão, o protagonista vê-se envolto em um turbilhão de pensamentos e memórias, culminando com a angústia e o desespero de não serem descobertas as suas ações. O livro termina com ele atormentado por esse medo.

Avaliação e Discussão

Em Angústia, Graciliano Ramos consegue unir de forma magistral a crítica social e uma narrativa introspectiva. Ao adentrarmos a mente do personagem, somos capazes de ouvir seus pensamentos e compreender sua história a partir do seu próprio ponto de vista.

Nessa obra, a escrita do autor é diferente de outros livros dele, sendo caracterizada por um tom delirante e fantasioso em vários trechos.

Explorando o personagem, podemos explorar diferentes realidades sociais no contexto histórico, bem como compreender as contradições e conflitos presentes na época.

Julião Tavares era da classe burguesa e tinha boa situação financeira, no início do século XX. O protagonista, por outro lado, vem de uma família com tradição, mas que já decaíra e era pobre.

Com a ascensão de Getúlio Vargas no poder, a burguesia brasileira ganhou força, ocupando o lugar da elite tradicional. Assim, precipitou-se uma crítica a essa classe emergente.

3. A Cidade de São Bernardo em 1934

Graciliano é um dos maiores destaques da literatura brasileira, sendo que São Bernardo é uma de suas obras mais conhecidas, publicada em 1934. A narrativa é contada em primeira pessoa, e segue a história de Paulo Honório, um garoto órfão que se esforça para subir na vida e se tornar proprietário da fazenda São Bernardo.

No início, vemos Paulo tentando montar o projeto de suas memórias. Assim, ele pede a alguns amigos para ajudá-lo, entretanto todos recusam, exceto Godim, o jornalista.

Após apresentar algumas páginas, Godim foi recusado por Paulo Honório. Dessa forma, ele percebeu que, se quisesse contar a história do jeito que desejava, teria que escrevê-la por conta própria.

No terceiro capítulo, as memórias do personagem são abordadas diretamente. É aqui que finalmente podemos entrar em contato com essas recordações.

Com pouca educação, Paulo fala de maneira enfática e sem rodeios. Sua fala é rica em expressões e gírias típicas da década de 1930 no Nordeste brasileiro.

Ele relata honestamente como veio a adquirir a fazenda em que trabalhou em algum momento.

A ambição e desejo de “prosperar” conduzem o personagem a tomar diversas medidas controversas, envolvendo-se em dificuldades e fraudes para alcançar seus objetivos.

Explorando Análises e Comentários

Este romance modernista de estilo psicológico, levanta questões e críticas sociais, assim como aborda o caráter regionalista do autor.

Através da obra, é possível notar o processo de desumanização que o personagem passa. Paulo Honório nos mostra seu modo de enxergar o mundo em que tudo e todos precisam ter algum tipo de utilidade. Isso pode ser visto na forma como trata sua esposa, marcado por sentimentos possessivos e ciúme. Com isso, ele acaba por retratar a face mais sombria da ganância e do capitalismo que rege nossa sociedade.

Antônio Cândido, crítico literário e professor, expressou a seguinte opinião sobre a obra:

Acompanhando a natureza do personagem, tudo em São Bernardo é seco, bruto e cortante. Talvez não haja em nossa literatura outro livro tão reduzido ao essencial, capaz de exprimir tanta coisa em resumo tão estrito.

4. Recordações do Presídio (1953)

Após a morte de seu autor, em 1953, foi publicado o primeiro volume de Memórias do cárcere, obra autobiográfica.

Graciliano foi preso político entre 1936 e 1937, devido à sua associação com a doutrina comunista, durante o Governo de Getúlio Vargas. Essa é uma memória do período em que esteve preso.

Após dez anos de prisão, em 1946, o escritor iniciou o processo de escrever a obra. Esta, dividida em quatro volumes, conta as recordações dos anos passados na cadeia, combinando histórias pessoais e relatos de seus companheiros por lá.

A literatura crítica produzida sobre o régime de Vargas possui uma abordagem dura, expondo as injustiças e atrocidades cometidas durante o período, tais como censuras, torturas, assassinatos e desaparecimentos.

A seguir, está um trecho do livro: "Para uma melhor compreensão..."

O congresso apavorava-se, largava bambo as leis de arrocho – vivíamos de fato numa ditadura sem freio. Esmorecida a resistência, dissolvidos os últimos comícios, mortos ou torturados operários e pequeno-burgueses comprometidos, escritores e jornalistas a desdizer-se, a gaguejar, todas as poltronices a inclinar-se para a direita, quase nada poderíamos fazer perdidos na multidão de carneiros.

Conteúdo interessante

5. A Infância de 1945

Em Infância, Graciliano retrata sua infância desde a tenra idade até a adolescência. O livro, de caráter autobiográfico, relata suas experiências e lembranças de infância.

Em 1892, o escritor nasceu em Quebrângulo, cidade localizada em Alagoas. Descrevendo sua infância difícil, o autor nos conta de um cenário repleto de limitações e temor, algo comum para as crianças do Nordeste brasileiro no final do século XIX.

Baseando-se em suas vivências e recordações, o autor consegue desenhar um perfil das atitudes da sociedade em relação às crianças em um dado momento da história.

O livro de Emilio Mira y López traz uma crítica ao sistema pedagógico por meio do qual o autor foi submetido, mas também é uma forma de se reconciliar com sua própria história. Segundo Cristiana Tiradentes Boaventura, a obra é uma oportunidade para o autor refazer sua caminhada à infância. "Ele diz:

Quando se lê as memórias do autor, o lado sombrio instituído nas relações entre as personagens domina as primeiras leituras. Porém, é muito surpreendente perceber que sua leitura sobre o passado em meio a tanta violência também é atravessada por outros sentidos, como a construção de uma identidade envolta por experiências e sentimentos conciliatórios, o resgate de momentos positivos e afetuosos e a procura pela compreensão do outro.

A Vida e Obra de Graciliano Ramos

Graciliano Ramos (1892-1953) foi um destaque na literatura brasileira durante a segunda etapa do movimento Modernista, entre 1930 e 1945. Sua obra marcou profundamente a produção nacional.

retrato de Graciliano Ramos

A obra deles foi marcada por críticas ao ambiente social e ao sistema vigente, bem como destacando as características regionais e exaltando o povo e a cultura brasileira.

Graciliano foi prefeito de Palmeira dos Índios, cidade Alagoana, em 1928 e, mais tarde, trabalhou como diretor da Imprensa Oficial em Maceió.

Ao longo da sua carreira, Graciliano recebeu diversos prêmios pela sua vasta produção. Infelizmente, aos 60 anos, veio a falecer vítima de câncer de pulmão.

Rebeca Fuks
Escrito por Rebeca Fuks

É graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), possui mestrado em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutorado em Estudos de Cultura pelas Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).