Azevedo, Aluísio: O Cortiço


Escrito por Sónia Cunha

Em 1890, Aluísio Azevedo escreveu o romance naturalista "O Cortiço". A obra retrata a vida cotidiana dos moradores do cortiço São Romão e suas lutas para sobreviver. A história concentra-se na habitação coletiva.

João Romão, um imigrante português, era o proprietário e focalizava-se na sua ascensão social. Estava preparado para fazer o que fosse necessário para conseguir enriquecer.

Análise da obra

Após imigrar para o Brasil em busca de uma vida melhor, João Romão se estabeleceu e começou seus negócios: uma pedreira e uma venda. Graças a seu trabalho e dedicação, ele conseguiu adquirir algumas propriedades: no início eram três e, ao longo do tempo, foram aumentando para noventa casas.

Com a ajuda de Bertoleza, sua companheira e ex-escrava, ele consegue aumentar o tamanho de seu cortiço. Para isto, acumulam materiais de construção por meio de pequenos furtos.

Miranda é um emigrante português e reside num sobrado próximo ao cortiço São Romão. Seu estatuto social - que aparenta ser burguês - suscita inveja no protagonista, provocando assim uma disputa entre eles por uma pequena parte de terra.

Romão decidiu se aliar a Miranda quando ele se tornou barão. Para que nada atrapalhasse o casamento de Romão com Zulmira, ele denunciou Bertoleza como escrava fugida. A mulher, em desespero, cometeu o suicídio para não ter que suportar o retorno à vida de escravatura.

Ao observarmos a rotina de quem habita aquele local, conseguimos conhecer melhor a vida que levam e aquilo que as condiciona. Rita Baiana e Firmo são exemplos disso.

Principais Personagens

Antes de abordarmos as características das principais figuras da obra, é importante frisar que elas são pouco profundas em termos de emoções. Ao invés disso, essas personagens servem como estereótipos que representam imagens da sociedade brasileira.

A História de João Romão

João é um exemplo de ambição e ganância. Desde os treze anos até os vinte e cinco, trabalhou como vendeiro para conseguir reunir algumas economias. Esta história mostra o quão longe ele estava disposto a ir para enriquecer.

Romão conheceu Bertoleza, sua vizinha, e com ela começou um romance. Bertoleza, anteriormente escrava, conseguiu juntar as economias necessárias para a sua libertação e pediu para que Romão guardasse o dinheiro. Ambos, então, passaram a morar juntos.

Sem nenhuma qualidade moral, ele desviou dinheiro da sua parceira para investir nos seus próprios negócios e adquirir um cortiço.

A História de Miranda

Com trinta e cinco anos, Miranda é um negociante português que detém uma loja de fazendas por atacado. Apesar de Estela, sua esposa, ter sido infiel várias vezes, ele não tem como largá-la, pois tem influência sobre sua riqueza e posição social.

Miranda tem dúvidas se o seu pai é o casal que a gerou, Zulmira.

Brilho de Estrela

Estela e Miranda são casados há treze anos e desde o segundo ano de casamento Estela já deu diversos motivos para desgosto à seu marido. Mãe de Zulmira, ela afirma que o pai da menina é Miranda.

A Beleza de Bertoleza

Aquitaneira, Bertoleza exercera a escravidão, porém alcançou a liberdade. Vizinha de João Romão, iniciou um vínculo com ele, contudo era explorada, tendo que trabalhar arduamente durante o dia inteiro em seus empreendimentos.

Romão usou o dinheiro economizado por ela para fundar o cortiço São Romão. Após traí-la e "descartá-la", ele então rouba e mente para sua companheira. Por fim, ela acaba cometendo suicídio.

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Firmo era magro e ágil, e quem o conhecia reconhecia em sua malandragem o espírito carioca. Ele sempre usava um chapéu de palha, e foi ao encontro de Rita Baiana, com quem viveu um relacionamento efêmero.

A Baiana Rita

Rita Baiana, com seu coração bondoso, é uma figura emblemática, que retrata o estereótipo da mulher brasileira: alegre, sensual e capaz de suscitar paixões e ciúmes no meio do cortiço.

Compaixão e Jerônimo

Jerônimo e Piedade, um casal português, foram "influenciados" pelos costumes do cortiço. O relacionamento de Jerônimo com Rita resultou na destruição de seu casamento. Piedade, ao ser abandonada, não consegue resistir à tentação do álcool. Quando o caso entre os dois é descoberto, Firmo desafia o rival em uma luta, que termina fatalmente com o assassinato deste último.

Principais Características da Obra: Uma Análise

A Teoria do Naturalismo e seus Romances

Proposto por Émile Zola, o Naturalismo tinha como objetivo expor os instintos humanos, suas debilidades, desvios e falhas.

Romances naturalistas são conhecidos como "romances de tese". Estes buscam demonstrar que o indivíduo é determinado pela herança genética, pelo contexto social e pela época em que vive, não havendo espaço para escapar a essas influências.

Atualmente, observamos esses determinismos na obra como tentativas de fundamentar diversos preconceitos raciais e de classe através de argumentos falsos e enganosos, que se passam por ciência.

A Abordagem Naturalista na Obra Literária

Neste ambiente escolar naturalista, o narrador aparece na terceira pessoa, sendo onisciente e tendo conhecimento de todas as ações e pensamentos de todos os personagens. Com essas informações, ele é capaz de julgar e analisar os personagens e comprovar a sua tese.

A linguagem de Aluísio Azevedo reflete os ensinamentos de Zola, com descrições freqüentemente escatológicas, comparando os moradores do cortiço a vermes se arrastando em meio à sujeira. O cortiço surge também como uma floresta, repleta de movimento e colorido, quase como uma entidade viva, respirando e vivendo por sua própria conta.

Segundo muitos estudiosos, o protagonista da obra é o cortiço como um todo - uma entidade coletiva. Esta afirmação se encaixa na ideia do Naturalismo, que possui maior ênfase na coletividade em vez da individualidade.

Simbologias nos Espaços de Ação

A casa dos Vaz Caminha, situada nas proximidades, é a representação da classe alta, com seus ricos aparelhos de luxo e grande ostentação. O contraste entre os dois locais é grande. O cortiço São Romão é lar para as classes sociais mais baixas e marginalizadas, compostas por operários, imigrantes recém-chegados e lavadeiras. Enquanto isso, a casa dos Vaz Caminha próxima é representativa da classe alta, com sua extravagância, aparelhos de luxo e exibição.

Representações da época mostravam os comportamentos considerados viciosos e próprios dos cidadãos com uma visão determinística.

Na casa do Miranda, típica da burguesia em ascensão, a atmosfera é calma e relaxada. Ela possibilita espaços para arte, cultura e lazer, característica dos círculos mais abastados e abençoados.

Análise Histórica da Produção

Cortiço do Rio de Janeiro

A ação ocorre no século XIX, mais especificamente no Rio de Janeiro. A capital imperial do Brasil era a primeira cidade a modernizar-se nesse período, tornando-se fundamental para que a história acontecesse.

O livro aborda o crescimento urbano e o surgimento de uma burguesia nova, que coexistia junto à miséria mais profunda.

Importância da Interpretação da Obra

O Cortiço é reconhecido pela sua relevância até os dias de hoje, tendo como pano de fundo as duras condições de vida que os personagens enfrentam. A obra ainda reflete os contrastes e desequilíbrios sociais que estão presentes na vida urbana.

Neste século XIX, a emergência do capitalismo refletiu o espírito da época, o que causou a exploração das camadas mais vulneráveis da população. Através da narrativa, é possível observar a exploração dos pobres e dos negros pelos ricos e pelos brancos, respectivamente.

Com uma forte ênfase na Sociologia, o autor mostra que o ambiente onde o indivíduo vive gera determinismos que afetam diretamente o seu comportamento e determinam o seu destino. Esta teoria é resultado da disseminação das práticas científicas do seu tempo.

Ao chegar ao cortiço, Jerônimo era retratado como alguém dedicado e responsável. No entanto, com o passar do tempo, a mudança de clima, alimentação e bebidas do Rio de Janeiro o afetou, fazendo com que ele ficasse mais preguiçoso. Essa transformação foi um grande exemplo.

Ao envolver-se com Rita Baiana, Macunaíma já estava comprometendo sua moral, cometendo adultério. Após matar Firmino, Macunaíma fica cada vez mais impregnado pela violência que cerca a cidade, criando assim seu próprio destino.

Durante a confusão, o cortiço foi devastado e posteriormente transformado no edifício Avenida São Romão, abrigando uma população de melhor condição financeira. Uma mudança de classe social notável, pois, cada vez que Romão escalava os degraus da pirâmide social, o próprio cortiço parecia se elevar junto. No entanto, enquanto o cortiço se enobrecia, os moradores mais pobres se deslocavam para o Cabeça de Gato, outro aglomerado de moradias. Portanto, Aluísio Azevedo nos ensina que a desigualdade social e econômica será sempre perpetuada por esse círculo vicioso de movimentos de ascensão e queda social.

Cinematografia de Adaptações

Em 1945, foi realizada a primeira adaptação cinematográfica da obra de Luiz de Barros, feita em preto e branco. Mais tarde, Francisco Ramalho Jr. foi o diretor da versão de O Cortiço (1978) que contou com Mário Gomes e Betty Faria entre seus atores.

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O Autor Aluísio de Azevedo

Uma Lágrima de Mulher, escrito por Aluísio Azevedo (1857-1913) e publicado em 1879, é um exemplo da influência do estilo romântico. Azevedo foi um escritor, jornalista, caricaturista e diplomata brasileiro.

Depois de três anos, Aluísio Azevedo fez história na literatura brasileira quando publicou O Mulato. Esta obra marcou o início do movimento Naturalista no país, pois abordava questões raciais e seu posicionamento abolicionista.

Seu trabalho com inspiração natural foi muito elogiado pelos leitores e pares. Ele também foi parte dos fundadores da Academia Brasileira de Letras.

A partir de 1895, Aluísio Tancredo Belo Gonçalves de Azevedo decidiu seguir carreira diplomática, tornando-se cônsul do Brasil em Japão, Espanha, Itália, Uruguai e Argentina. Infelizmente, em 21 de janeiro de 1913, aos cinquenta e cinco anos de idade, o diplomata faleceu em Buenos Aires, Argentina.

Todas as Realizações

  • A Presente, contos, 1900
  • Uma Lágrima de Mulher, romance, 1879

  • Os Doidos, teatro, 1879

  • O Mulato, romance, 1881

  • Memórias de um Condenado, romance, 1882

  • Mistérios da Tijuca, romance, 1882

  • A Flor de Lis, teatro, 1882

  • A Casa de Orates, teatro, 1882

  • Casa de Pensão, romance, 1884

  • Filomena Borges, romance, 1884

  • O Coruja, romance, 1885

  • Venenos que Curam, teatro, 1886

  • O Caboclo, teatro, 1886

  • O Homem, romance, 1887

  • O Cortiço, romance, 1890

  • A República, teatro, 1890

  • Um Caso de Adultério, teatro, 1891

  • Em Flagrante, teatro, 1891

  • Demônios, contos, 1893

  • A Mortalha de Alzira, romance, 1894

  • O Livro de uma Sogra, romance, 1895

  • Pegadas, contos, 1897

  • O Touro Negro, teatro, 1898

  • A Presente, contos, 1900
Sónia Cunha
Escrito por Sónia Cunha

É licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003) e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006). Ao longo da carreira profissional, exerceu vários cargos em diferentes áreas, como técnico superior de Conservação e Restauro, assistente a tempo parcial na UPT e professora de História do 3º ciclo e ensino secundário. A arte e as letras sempre foram a sua grande paixão.